PL do novo licenciamento ambiental: remédio errado para problema crônico

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Nos últimos dias, debates têm sido travados na mídia e no Poder Legislativo em torno do PL 2159/2021, que cria uma lei geral para o licenciamento ambiental no Brasil. Denominado por alguns de “PL da Devastação”, a história dessa proposta não é recente: desde 2004, quando ainda era rotulado como PL 3729/2004, a discussão já existia. Há décadas, o problema atrelado ao licenciamento é o da morosidade e da burocracia da Administração Pública.

Essa percepção de prolongamento no tempo é corroborada por levantamento de 2007 da Confederação Nacional da Indústria (CNI). À época, se indicava que 79,3% das empresas que realizaram algum tipo de licenciamento ambiental enfrentaram problemas no processo. A principal queixa era a demora na análise dos pedidos, mencionada por 66,9% das empresas consultadas.

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Na justificativa de apresentação do PL em sua versão original, de 2004, a principal preocupação era a insegurança jurídica decorrente da ausência de regulamentação do licenciamento ambiental. O texto aponta a fragilidade institucional e operacional dos órgãos ambientais, especialmente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A entidade, até 2002, contava com apenas sete servidores de carreira na área de licenciamento, dependendo de consultores externos para exercício de suas competências.

Quase 20 anos depois, no último parecer do PL 2159/2021, editado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, o discurso se mantém focado na ineficiência. O tom é centrado no argumento de que a ausência de uma lei geral estaria gerando problemas para a economia, o meio ambiente e a gestão pública, em decorrência da falta de segurança jurídica.

O parecer enfatiza que a nova legislação deve conciliar agilidade processual com responsabilidade ambiental, garantindo o controle estatal, sem renunciar à exigência do licenciamento em nome da desburocratização.

Apesar das semelhanças, há uma omissão no parecer de 2025, em comparação à justificativa de 20 anos atrás, na perspectiva institucional. O que antes era marcado por um diagnóstico contundente sobre a baixa capacidade institucional dos órgãos ambientais, cede lugar, duas décadas depois, à necessidade de simplificação procedimental na busca por eficiência.

Essa mudança acende um alerta: ao deixar de enfrentar as condições materiais e operacionais da implementação da norma, o legislador corre o risco de comprometer, no plano prático, a eficácia da própria lei que pretende modernizar.

Como, então, se constrói a “solução” modernizadora do PL 2159? As principais flexibilizações introduzidas pelo projeto e aprofundadas pelas emendas do Senado podem ser organizadas em três eixos: (i) desburocratização procedimental; (ii) dispensa de licenciamento; e (iii) licenciamento especial para obras estratégicas. Como sinalizado, nenhum deles tem por foco o aprimoramento institucional.

No primeiro eixo, destaca-se a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). A LAC permite ao empreendedor obter licenciamento mediante declaração de cumprimento de requisitos previamente definidos pela autoridade licenciadora, com posterior fiscalização por amostragem.

Também se prevê a renovação automática de licenças para empreendimentos de baixo impacto, a aglutinação de etapas em modalidades como a Licença Ambiental Única (LAU) e o licenciamento em fase única. Essas medidas visam conferir celeridade e previsibilidade, mas levantam preocupações sobre a fragilização do controle técnico caso não haja investimentos proporcionais em monitoramento e estrutura institucional.

No segundo eixo, o projeto e suas emendas ampliam significativamente as hipóteses de dispensa total de licenciamento ambiental, inclusive para sistemas de saneamento básico (até a universalização dos serviços), obras de manutenção de infraestrutura e empreendimentos considerados de baixo potencial poluidor.

Já no terceiro eixo, foi introduzida a Licença Ambiental Especial (LAE), voltada a empreendimentos estratégicos definidos por decreto, com trâmite monofásico, prazos máximos reduzidos e priorização institucional.

Embora o texto preveja a participação de profissionais habilitados e instrumentos de transparência, o conjunto das flexibilizações assume que os órgãos licenciadores têm capacidade técnica para exercer esse controle pós-declaratório, o que contrasta com o histórico e persistente déficit estrutural desses mesmos órgãos, especialmente nos níveis estadual e municipal.

Apesar do reconhecimento da complexidade e da centralidade do licenciamento ambiental na política pública brasileira, o PL e os pareceres legislativos omitem uma dimensão estrutural decisiva: a baixa capacidade institucional dos órgãos licenciadores, em todos os níveis.

Ao concentrar-se na racionalização procedimental e na valorização da celeridade, o texto ignora o fato de que a implementação de uma lei geral pressupõe condições materiais e técnicas mínimas que estão longe de ser realidade para grande parte dos entes federados.

A ausência de mecanismos concretos de indução, apoio e fortalecimento dos órgãos ambientais revela um desequilíbrio preocupante. Transfere-se mais responsabilidade regulatória sem assegurar os meios adequados para seu exercício, o que pode comprometer não apenas a efetividade da norma, mas também a segurança jurídica que se busca alcançar.

Às vésperas da COP 30, o Brasil precisa de um compromisso com a modernização responsável do Estado. A solução não é licenciar menos. É licenciar melhor, capacitando e reforçando a estrutura institucional dos licenciadores.