PL 2925 e a ampliação da tutela privada de direitos de acionistas minoritários

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Dentre os fatores que impulsionam o desenvolvimento dos mercados de capitais ao redor do mundo, destacam-se as ferramentas de proteção de acionistas minoritários que conferem segurança jurídica a seus investimentos. O acesso ao mercado por esses investidores amplia a base da fonte de capital, provendo maior liquidez em ativos e diversificação dos participantes do mercado.

O investidor minoritário, ao se deparar com o dano ocasionado à companhia decorrente da má conduta do administrador ou acionista controlador, deve possuir ferramentas próprias suficientes e eficientes para seu ressarcimento. Caso esses instrumentos não estejam presentes, é minada a confiança deste investidor no mercado de capitais. É nesse contexto que se insere a PL 2925/2023 para aprimorar o mercado brasileiro.

Como regra, o poder fiscalizatório é atribuído aos órgãos de controle do mercado, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), porém, em muitos casos falham ou tardam no exercício de suas competências. Quando oportunamente exercem seu poder de supervisão, promovem por meio de processos sancionadores que, por fim, não revertem em favor dos investidores prejudicados.

É quando os acionistas minoritários se veem obrigados a mover ações judiciais ou arbitrais independentes, a fim de resguardar seus direitos. Esse caminho, no entanto, é sinuoso. Pode faltar ao acionista a legitimidade para propositura da ação, informações probatórias suficientes e os recursos necessários para lidar com o elevado custo processual, correndo risco de majorar sua perda.

A discussão do tema vem se desenvolvendo há alguns anos, em especial pelo grupo de trabalho formado pelo Ministério da Fazenda e a CVM com a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Os estudos apresentados fizeram uma revisão comparativa das estruturas legais de nove países: Alemanha, França, Estados Unidos, Reino Unido, Israel, Portugal, Itália, Espanha e Singapura. O grupo teve como meta encontrar medidas que contribuíssem para o aperfeiçoamento dos instrumentos legais à disposição dos acionistas para a defesa de seus direitos e reparação de danos.

Em termos gerais, o estudo, que foi base para a elaboração do PL 2925, apontou que a garantia dos direitos de acionistas minoritários é mais eficiente quando esses conseguem obter reparação de danos com custos e prazos razoáveis. Com efeito, deve-se aprimorar o arcabouço legal brasileiro para incentivar e criar mecanismos eficientes para tanto. Em contrapartida, é imprescindível o equilíbrio da balança para evitar o excesso de litigância e ações frívolas que sobrecarregariam ainda mais o poder judiciário.

Para se ter ideia, estima-se que o tempo de duração de uma ação judicial empresarial é o dobro das demais. Por ser considerada mais complexa, os juízes muitas vezes não possuem conhecimento aprofundado e requerem mais tempo para analisá-las. Como forma de combater essa discrepância, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação 56/2019, que instrui tribunais de justiça de todo país a promover a criação de varas ou turmas especializadas em matérias empresariais. Como principal exemplo, temos o Tribunal do Justiça de São Paulo (TJSP), que concluiu, em 20 de outubro de 2023, a criação de varas empresariais regionais englobando todo o território paulista[1].

A iniciativa tem gerado bons resultados, conferindo maior celeridade processual, qualidade e previsibilidade nas decisões. Ainda que São Paulo concentre 29%[2] das empresas ativas no país, é necessário que tal abrangência seja aplicada da mesma forma pelos demais entes federativos.

Em paralelo, como solução encontrada para suprir a morosidade judicial, a arbitragem ganhou espaço nas disputas empresariais, oferecendo superior conhecimento técnico por parte dos árbitros apontados, maior eficiência e rapidez ao processo, ainda que mediante um elevado custo até se chegar na decisão arbitral.

A abrangência da arbitragem alcançou inclusive o status de elevado nível de governança corporativa, ao ser obrigatória a inclusão do compromisso arbitral nos estatutos sociais de companhias listadas no Novo Mercado da B3 (B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão). Esse procedimento, no entanto, não encontra reflexo em outras jurisdições que reconhecidamente possuem um avançado e confiável mercado de capitais, como Alemanha, Israel e Suécia.

Dentre os países observados, somente Brasil e Espanha adotam a arbitragem como método de resolução de disputas envolvendo companhias abertas. Destaca-se como ponto de atrito a confidencialidade dos processos arbitrais. Tratando de companhias abertas, é notória a necessidade de ampla divulgação de informações ao mercado para seu saudável funcionamento, em especial quando aborda a responsabilidade do administrador ou controlador, na medida em que envolve interesses evidentemente coletivos na discussão da reparação de danos.

Buscando sanar essa contradição, a proposta inclui a alteração do art. 109 da Lei das S.A. (Lei 6.404/76), que passaria a impor a publicidade de todos os procedimentos arbitrais de companhias abertas e a obrigação das instituições arbitrais divulgarem precedentes de decisões envolvendo tais companhias, organizadas por temática abordada. Caberá à CVM regulamentar essa questão.

Em outra matéria de especial destaque está a ampliação da legitimidade para a propositura da ação de responsabilidade dos administradores e controladores, prevista nos arts. 159 e 246 da Lei das S.A. Os dois requisitos mínimos ao investidor serão: (a) possuir percentual igual ou superior a 2,5% dos valores mobiliários da mesma espécie ou classe; ou (b) possuir valor igual ou superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), atualizados anualmente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Ainda que represente um significativo avanço em comparação com o requisito atual – no qual os acionistas devem representar, no mínimo, 5% do capital social – o patamar ainda está longe de garantir uma universalidade no acesso à ação de responsabilidade. É compreensível a preocupação com o eventual aumento da judicialização, no entanto deve-se buscar um denominador comum que atribua melhores ferramentas ao pequeno investidor.

Nesse contexto, um dos principais destaques do mercado de capitais brasileiro nos últimos anos foi a entrada expressiva de investidores pessoas físicas. Em dados divulgados pela B3, houve um salto de 700 mil investidores pessoas físicas em 2018 para 5 milhões em dezembro de 2022[3], sendo o mercado acionário o principal destino das captações. Contudo, para o pequeno investidor a proposta não representaria avanço em sua eventual busca de reparação de danos. Essa matéria provavelmente deverá ser discutida em maior profundidade durante o avanço do PL 2925 no Congresso.

Em outro ponto relevante abordado pelo PL 2925 está a aprovação de contas dos administradores e fiscais da companhia. Pelo rito atual, antes de buscarem o remédio jurisdicional para a reparação de danos, deve-se anular a deliberação da assembleia geral que aprovou as contas dos administradores e fiscais.

A aprovação, sem reservas, os exonera de responsabilidade. Nesse sentido o art. 286 da Lei das S.A. estabelece o prazo prescricional de até 2 anos contados da deliberação para a propositura da ação anulatória. Essa etapa preliminar, por si só, representa um processo moroso, de elevada complexidade probatória e que, por vezes, inviabiliza a posterior propositura da ação de responsabilidade por decurso do prazo prescricional. Temos então a presente alteração, inspirada na legislação da Itália e Portugal, que propõe a regra inversa, pela qual a aprovação das contas não exonera os administradores de responsabilidade, salvo por meio de deliberação específica, expressamente destacada na ordem do dia. Com efeito, os acionistas minoritários terão um relevante atalho em sua jornada indenizatória.

Chega-se à conclusão de que o presente projeto de lei tem capacidade de oferecer importante progresso em um dos pontos mais criticados do mercado de capitais brasileiro. Por outro lado, é sensível a preocupação das companhias abertas e seus administradores com o aumento da judicialização da gestão corriqueira dos negócios.

Não se discute aqui a ampliação do escopo de responsabilidade de administradores e fiscais da companhia. Esses já têm suas condutas especificamente delimitadas em lei. Tampouco, se pode desincentivar o exercício das atribuições de diretores e conselheiros em virtude da criação da ameaça de responsabilização por meras decisões administrativas que, em um ambiente competitivo, podem ou não render frutos para as companhias.

Por esse motivo, é fundamental o amadurecimento do debate do PL 2925/23, tanto no mercado quanto no Congresso, para que as boas intenções dos autores do projeto não se convertam em um desincentivo para o ingresso e a manutenção das boas empresas ao mercado de capitais brasileiro.

[1] Fonte: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=95356&pagina=1, acessado em 21/11/2023.

[2] Fonte: Base de dados do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Dados atualizados até o mês de outubro/2023. https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/painel-mapa-de-empresas, acessado em 16/11/2023.