No ano passado, o Brasil editou a Lei 15.079/2024 que instituiu o adicional da contribuição social sobre o lucro – CSLL, em conformidade com as regras globais contra a erosão da base tributária – GloBE, em conformidade com o Pilar 2 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE.
O Pilar 2 da OCDE é uma iniciativa multilateral pela qual os Estados se comprometeram a estabelecer normas para garantir que os grupos multinacionais (que faturem mais de 750 milhões de Euros ao ano) paguem tributos sobre a renda à alíquota mínima de 15% em cada jurisdições que atuam.
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Há três modelos de normas para essa finalidade: (i) o income inclusion rule (IIR), pela qual os lucros auferidos em uma localidade de baixa tributação podem ser atribuídos à controladora; (ii) o qualified domestic minimum top-up tax (QDMTT), foi o modelo adotado pelo Brasil, que garante a tributação dos lucros em uma alíquota efetiva de 15%; (iii) o undertaxed profits rule (UTPR) que permite os lucros auferidos em uma localidade de baixa tributação sejam alocados para qualquer jurisdição em que o grupo multinacional atue, na ausência de regras IIR ou QDMTT aplicáveis.
As regras IIR e da UTPR permitem a cobrança de tributo complementar de modo extraterritorial, pela controladora ou por outra empresa do grupo multinacional, quando há empresas localizadas em uma jurisdição de baixa tributação.
Essa foi a justificativa que constou da exposição Medida Provisória 1262/2024 (convertida da Lei 15.079/2024) para a cobrança do adicional à contribuição social sobre o lucro: se uma empresa brasileira tiver seus lucros tributados em alíquota efetiva inferior a 15%, esses lucros poderão ser tributados no país de residência da controladora (IIR) ou em outra jurisdição (UTPR).
Por isso, a Receita Federal celebrou que a OCDE reconheceu que a Lei 15.079/2024 está adequada aos requisitos do Pilar 2 e é um tributo complementar mínimo doméstico QDMTT. Como consequência, lucros auferidos no Brasil não poderão ser imputados à outras jurisdições que tenham implementado regras de IIR ou UTPR.
A ausência de adesão dos Estados Unidos e da China ao Pilar 2 enfraqueceu bastante a iniciativa[1], apesar da tentativa do G7 de alinhar a metodologia americana pelo sistema side-by-side. Esse cenário, induz ao questionamento sobre a motivação da Lei 15.079/2024.
Ademais disso, há que se avaliar a constitucionalidade do adicional à contribuição social sobre o lucro exigido pela Lei 15.079/2024 e nossos sistema jurídico.
Como sabemos, a contribuição social sobre o lucro – CSLL é tributo que se destina ao financiamento da seguridade social e deve ser instituída na forma do art. 195, I, ‘c’, da Constituição Federal, sobre o lucro das empresas. A base de cálculo da CSLL é o lucro líquido (com adições e subtrações previstas na legislação do imposto sobre a renda), que difere do lucro contábil. No entanto, a base de cálculo do adicional da CSLL é uma terceira grandeza, é o lucro GloBE, nos termos do art. 11 da Lei 15.079/2024 e da IN 2228/2024.
O conceito de lucro adotado pelas leis tributárias está no art. 2º da Lei 7.689/88, que é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda, com a adição do resultado negativo de investimentos avaliados pelo patrimônio líquido, do valor de reserva de reavaliação, de provisões não dedutíveis; excluídos lucros e dividendos de participações societárias e provisões baixadas no período base.
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Por outro lado, base de cálculo do adicional da CSLL difere daquela prevista na Lei 7.689/88. O adicional da CLL é o lucro GloBE, que é o lucro contábil, com ajustes arm’s lenght e de avaliação pelo valor justo, exclusões de créditos de tributos reembolsáveis, despesas não autorizadas, despesas de acordo de financiamento intragrupo, ganhos ou perdas em participação no capital, rendimentos do transporte marítimo multimodal, dentre outros[2].
No julgamento do RE 201.465-6/MG o Supremo Tribunal Federal concluiu que “não há um conceito ontológico de lucro, constitucionalizado pela lei maior, donde a possibilidade do legislador infraconstitucional dispor a respeito, observadas as balizas do CTN quanto aos impostos e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, passíveis de sindicabilidade jurisdicional”.
A ausência de um conceito constitucional de lucro permite que este seja estabelecido em lei ordinária. Mas, é necessário que haja um conceito único previsto em lei, sem conflitos ou contradições, para que haja previsibilidade e segurança jurídica.
Ora, o conceito de lucro do art. 195, I, ‘c’ da Constituição deve ser identificado de modo preciso. Ou lucro é a base de cálculo da CSLL prevista na Lei 7.689/88; ou é aquele previsto na Lei 15.079/2024. Admitindo-se que o conceito de lucro é aquele estabelecido na Lei 7.689/88, na linha do que decidiu o STF no leading case RE 138284, a cobrança do “adicional da CSLL” previsto na Lei 15.079/2024, que tem como base de cálculo o lucro GloBE, não é uma contribuição do art. 195, incisos I, II e III da CF. Logo, deveria ser veiculada por uma lei complementar, pois é uma fonte adicional de custeio da seguridade social, nos termos do art. 149, caput da CF.
Nos termos do art. 195, §4º, da Constituição Federal, além das contribuições sociais destinadas à seguridade social exigida sobre remunerações, receitas e lucro, outras contribuições podem ser instituídas, desde que sirvam de instrumento de atuação da União na área social e observem o disposto no art. 146, III e 150, I e III, da Carta Magna. Assim sendo, o adicional da CSLL deveria ter sido instituído por lei complementar e não por medida provisória, ser não-cumulativo, nos termos dos arts. 195, §4; 149, caput; 154, I todos da CF, como definiu o STF[3].
Adicionalmente, a alíquota do adicional da CSLL é incerta, nos termos do art. 20 da Lei 15.079/2024, o que está em desconformidade com princípio da legalidade e da segurança jurídica.
Sabemos que o STF admitiu a delegação normativa e flexibilizou a legalidade tributária em relação ao PIS e COFINS, quando há uma justificativa extrafiscal ao julgar o Tema 939 de Repercussão Geral[4]. No entanto, no julgamento do Tema 939 a competência que o legislador delegou ao Poder Executivo foi o de reduzir e restabelecer as alíquotas, tudo isso dentro de faixas estritas, legalmente estabelecidas. A extrafiscalidade para incentivar determinado setor da economia, controlar ou guiar oscilações do mercado financeiro que justificou a flexibilidade de alíquotas do PIS e COFINS, na forma do voto do Min. Dias Toffoli, não está presente na hipótese do adicional da CSLL. E, também não se trata de delegação da fixação de alíquotas ao Poder Executivo, com densidade normativa suficiente, standards, parâmetros e balizas de controle, como foi o caso do seguro de acidente de trabalho SAT, que também foi julgado constitucional pelo STF no tema 554.
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Aqui, não é sequer caso de delegação normativa. A alíquota do adicional da CSLL é indefinida e será calculada pelo contribuinte na apuração pela diferença entre 15% e a alíquota efetiva calculada anualmente, de acordo com a soma dos tributos ajustados dividida pelo lucro líquido GloBE (art. 17 da Lei 15.079/2024). Não há a densidade normativa, nem extrafiscalidade a justificar a exceção à legalidade, como houve no julgado dos Temas 939 e 554.
Como se vê, há argumentos jurídicos importantes que levam à inconstitucionalidade da exigência do adicional da CSLL previsto na Lei 15.079/2024.
[1] MENGARDO, Barbara. É o fim das regras de tributação mínima introduzidas pelo pilar 2 da OCDE? Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/e-o-fim-das-regras-de-tributacao-minima-introduzidas-pelo-pilar-2-da-ocde. Consultado em 29.10.2025.
[2] MOREIRA FILHO, Aristóteles. O impacto do Pilar 2 sobre a Lei do Bem – ABES. Disponível em O impacto do Pilar 2 sobre a Lei do Bem – ABES. Consultado em 30.10.2025.
[3]: STF: RE 228322 e RE 231.096.
[4] STF, RE 1043313, Rel. Min. Dias Tofffoli, j. 10.12.2020, DJ 25.03.2021.