Este é daqueles casos no Supremo Tribunal Federal (STF) em que o caminho do processo é tão ou mais importante que os argumentos de mérito. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, estava ciente disso quanto optou por uma trilha para recorrer das decisões do ministro Dias Toffoli que livraram as empresas Odebrecht e J&F do pagamento das parcelas dos respectivos acordos de leniência firmados durante a Operação Lava Jato.
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Gonet seguiu o caminho mais ortodoxo: um agravo regimental para que a decisão individual de Toffoli fosse submetida ao colegiado. Mas qual colegiado? A 2ª Turma do STF, composta por cinco ministros que, majoritariamente, manteriam a decisão de Toffoli? Ou o plenário completo do STF, onde o tribunal vai se dividir sobre o tema com chances de que as decisões em favor de J&F e Odebrecht sejam revertidas?
O PGR pediu ao Supremo que o caso não seja julgado na 2ª Turma, mas no plenário. Mas o argumento de Gonet não indica qualquer intenção de manobrar o foro em que o recurso será julgado – o que, repita-se, pode afetar diretamente o resultado do julgamento. Seu argumento vai na direção da segurança jurídica e em favor de uma posição definitiva do STF sobre o tema “acordos de leniência”.
Há no Supremo uma ação maior – a ADPF 1.051 – que contesta a regularidade dos acordos de leniência firmados pela Operação Lava Jato. A ação é movida pelo PSOL, PC do B e Solidariedade e é patrocinada pelos escritórios Warde Advogados, Maimoni Advogados Associados e Oliveira, Moraes & Silva Advogados.
O processo é relatado pelo ministro André Mendonça, que já decidiu levar o assunto diretamente a plenário – quando o processo já cumpriu as etapas necessárias para ser julgado – o que ainda não ocorreu. A PGR, por exemplo, ainda não foi provocada a dar seu parecer neste caso.
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Gonet pediu ao ministro Dias Toffoli que o agravo seja julgado em conjunto com essa ação mais ampla. Porque, em sendo decidida essa ADPF, todos os acordos de leniência assinados em razão das investigações da Lava Jato poderão ser afetados, ou para que o Supremo reconheça a legalidade dos procedimentos, ou abrindo caminho – como fez Toffoli – para a revisão dos termos de cada um.
Inicialmente, caberá a Toffoli decidir se remete o tema o plenário ou se submete esse pedido específico à Turma. E caso os ministros julguem que o caso deve permanecer na Turma, há um escape: André Mendonça integra a 2ª Turma. E pode pedir vista do recurso exatamente com o argumento de que pretende submeter em breve o processo que está sob sua relatoria ao plenário do STF. Esse procedimento é comum e já foi usado por vários ministros, inclusive por Mendonça.
Se todos os caminhos levarem ao plenário, o STF travará um daqueles julgamentos que dividem a Corte. Os temas penais e de corrupção política, mais especificamente, sempre dividiram este Supremo. E alguns dos embates que cingiram o plenário, antes do governo Bolsonaro, são prova disso.
Os cálculos de Gonet
Paulo Gonet optou por um caminho mais ortodoxo para contestar as decisões de Toffoli que beneficiaram J&F e Odebrecht – um agravo regimental para que a decisão fosse submetida ao juízo dos demais ministros.
O PGR pediu que Toffoli submetesse o recurso ao plenário – onde há chance de reversão da decisão – e não à 2ª Turma – onde as chances são menores. Gonet não fez dessa conta o seu argumento.
Isso, evidentemente, nem sequer poderia ser mencionado. Mas se valeu de um argumento factível e racional: como há uma ação mais ampla sobre o mesmo tema (acordos de leniência) que está pendente de julgamento pelo plenário, melhor que a decisão de Toffoli e essa outra ação fossem julgadas conjuntamente.
Gonet teria outra opção para levar o caso ao plenário: pedir ao presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, que suspendesse os efeitos da decisão de Toffoli. Sacaria uma Suspenção de Liminar para isso. Mas era uma aposta muito arriscada. Porque é incomum que presidentes admitam reverter decisões dos seus colegas – Toffoli fez isso quando presidente. E Barroso só faria isso se tivesse apoio da maioria. Se não houvesse apoio para aceitar o recurso, Gonet e Barroso perderiam créditos no Supremo – Gonet porque tentou atropelar a decisão de Toffoli, e Barroso porque admitia, como presidente, sobrepor-se à uma decisão do colega.
Gonet foi minucioso e cauteloso ao escolher esse caminho. Se colherá os frutos dessa escolha? Aí é outra história.