A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) emitiu uma nota técnica nesta quarta-feira (20/12) defendendo o fim da realização de procedimentos cirúrgicos de designação sexual em crianças intersexo, termo usado para descrever pessoas que nascem com características sexuais que não se encaixam inteiramente no conceito de padrão corporal masculino ou feminino.
A nota técnica foi produzida pelo grupo de trabalho População LGBTQIA+: Proteção de Direitos para fornecer apoio técnico a um caso que está em tramitação no Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Sul, em que a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a temática está sendo contestada.
A norma do CFM se refere à intersexualidade como uma ”anomalia da diferenciação sexual” e indica que o nascimento de crianças sem sexo determinado é uma urgência biológica e sexual. Assim, estabelece que as cirurgias sejam realizadas o mais precocemente no país nesses casos em específico, visando a adequação ao gênero masculino ou feminino.
A PFDC defende que ninguém deve ser submetido a procedimentos médicos ”invasivos” ou ”irreversíveis” que modifiquem as suas características sexuais sem o seu consentimento livre, prévio e informado. No caso das crianças, por exemplo, o órgão dispõe que essas cirurgias devem ser adiadas até que elas tenham condições para dar o seu consentimento sobre a realização do procedimento cirúrgico.
De acordo com a PFDC, nos casos em que envolvem crianças, é papel da família, do Estado e da sociedade promover um ambiente ”livre de discriminação violência”, através da criação de políticas públicas e ações protetivas, adotando ações educativas inclusivas e transformadoras. Logo, a nota técnica criada pelo órgão sugere que seja criada uma política nacional de atenção à saúde das pessoas intersexo, sob uma perspectiva de despatologização, não discriminação e respeito à autonomia.
Assim, a procuradoria argumenta que as pessoas intersexo não podem ser forçadas à realização de cirurgias de designação sexual com base em ”construções sociais que enxergam anormalidades em corpos que apenas possuem características sexuais distintas”. Também sustenta que os procedimentos que acontecem sem o consentimento do paciente são ”desnecessárias, torturantes e mutiladoras”, devendo ser banidas e substituídas por cuidados de saúde prestados por uma equipe multidisciplinar especializada.
A nota técnica da PFDC destaca o avanço obtido em outros países acerca da temática. ”Nos últimos anos, alguns países e alguns estados norte-americanos têm adequado a sua legislação para permitir no registro civil outros marcadores de sexo/gênero para pessoas que não se encaixam nestas definições típicas de masculino e feminino. Por exemplo, em Malta é permitido o registro do gênero ‘X’; na Alemanha, o gênero ‘diverso’; nos Estados Unidos da América, Nova Iorque utiliza o termo ‘intersex’ e a Califórnia, a expressão ‘não-binário’”, destaca a nota.
No documento, o órgão argumenta ainda que o Ministério da Saúde deve se esforçar no sentido de criar uma política nacional de atenção à saúde das pessoas intersexo baseada nos direitos humanos, sob a ética da despatologização, da não-discriminação em razão de características sexuais e do respeito à autonomia da pessoa.
”Ademais, essa mesma política pública [criada pelo Ministério da Saúde] deveria prever a realização de treinamento abrangente e atualizado sobre esses assuntos, destinado a todos os profissionais médicos, psicológicos e outros envolvidos, inclusive transmitindo uma mensagem clara de que os corpos intersexo são o resultado de variações naturais no desenvolvimento do sexo e, como tal, não precisam ser modificados”, conclui.