Tive a oportunidade de participar da edição do Web Summit Rio 2024, recém-realizada. Como não poderia deixar de ser, o tema inteligência artificial (IA) se destacou. É incrível e gratificante ver tantos talentos (jovens e sêniores) se dedicando à criação de tecnologias disruptivas.
No entanto, um aspecto em particular despertou a minha atenção. A quase unanimidade dos palestrantes expressou a sua perspectiva no tocante à limitação da IA, qual seja: lidar com as adversidades relativas às relações humanas. Para os palestrantes (CEOs, CFOs, CIOs etc.), é imprescindível uma abordagem holística que considere a convergência entre a tecnologia e a humanidade.
E aqui caminho para o que me é ainda mais familiar: o Direito e o exercício da advocacia no contexto da IA e como a IA se insere no cenário brasileiro. Apesar de presente e com uso e aplicação crescente, o que se verifica é que a IA ainda não foi regulamentada; há diversos projetos de lei encaminhados ao legislativo.
Aos advogados, a IA já se apresenta como importante aliada. A título de exemplo, startups consolidam em uma só plataforma ferramentas que auxiliam na consulta de precedentes judiciais, combinando o seu resultado com a estatística. A união destes fatores (cenário jurisprudencial e estatística; a chamada jurimetria) contribui para a tomada de decisões, consultas jurídicas, transcrições em peças judiciais para corroborar direitos, dentre outros. Sem dúvida, a IA veio para agregar!
Dentre as múltiplas inovações promovidas pela IA, as que mais me impressionaram foram as relacionadas:
(i) Ao mercado da energia limpa.
Em linhas gerais, tratam-se de empresas 100% digitais e transacionais. De um lado, os consumidores (pessoas físicas ou jurídicas) de energia têm a liberdade de escolher a usina geradora e o tipo de energia sustentável que desejam, do outro as empresas que operacionalizam com o uso da tecnologia toda a burocracia de integração e pagamento de contas. Este processo é designado no seguimento como uma “jornada por um consumo de energia mais sustentável, a menor custo” (os gastos com as contas de luz reduzem cerca de 25%).
(ii) À redução dos resíduos e aumento da reciclagem.
Dentre as inúmeras iniciativas, sem dúvida, a criação de criptoativos associada à conferência de certificados mensais a empresas (p.ex. indústrias dos mais diversos seguimentos, sendo de se destacar as químicas, farmacêuticas e têxtil) como forma de estimular o desenvolvimento de atividades relacionadas à redução e reciclagem de resíduos é pioneira. A conferência dos status é a primeira demonstração de impacto ESG (Environmental, Social and Governance) positivo que não adiciona custos às empresas.
(iii) À alimentação sustentável.
Aplicativos operados com o uso da IA conectam consumidores a produtores locais. Um dos aspectos positivos destes aplicativos é proporcionar ao consumidor a aquisição de produtos frescos, mais saudáveis e saborosos na medida em que estes estão na mesma localidade. Já o produtor local alcança o consumidor sem intermediários. Ao aproximar o consumidor aos produtos, tais aplicativos conseguem reduzir: a distância média que os alimentos percorrem até os pratos; o desperdício alimentar (atualmente, 33% da comida é desperdiçada); e a emissão de gases com efeito estufa por consumidor.
Este overview referente às atividades das startups em questão foi realizado com o propósito de ilustrar o quanto suscitam questionamentos tributários de diversas ordens.
No caso dos criptoativos, a mais controvertida envolve o ganho de capital na sua alienação.
Importante mencionar que a Receita Federal do Brasil (RFB) inseriu os criptoativos na categoria de bens e direitos, instituindo a obrigação de prestar informações sobre operações (com criptoativos) realizadas por: (i) pessoas físicas ou jurídicas; e (ii) corretoras de criptoativos – Exchange.
No caso das Pessoas Físicas e Jurídicas, as declarações devem ser enviadas à RFB, até as 23h59min59s, horário de Brasília, do último dia útil do mês seguinte ao mês que ocorreram as operações.
As corretoras de criptoativos domiciliadas no Brasil e qualquer empresa que operem no país com ativos virtuais, para fins tributários, também devem prestar informações, relativamente a cada usuário de seus serviços, anualmente, até as 23h59min59s (vinte e três horas, cinquenta e nove minutos e cinquenta e nove segundos), horário de Brasília, do último dia útil de janeiro, em relação ao ano-calendário imediatamente anterior. Há, igualmente, obrigação de prestar informações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Estas declarações se submetem às regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Outro aspecto de grande relevância consiste na publicação da Lei 14.754/2023 (conhecida como “Lei das Offshores”), a qual incluiu os ativos virtuais (os criptoativos se inserem nesta categoria) e as carteiras digitais no conjunto de aplicações financeiras que, quando situadas fora do país, estarão sujeitas às novas regras de tributação.
Não pretendo exaurir os pontos, mas já destaco como positiva para o investidor de criptoativos a permissão da compensação de perdas. A compensação deve ser feita dentro do ano-base, na Declaração de Ajuste Anual (DAA).
Uma questão comum às três espécies de startups (aqui descritas para ilustrar como as IAs inovam e revolucionam em questões do nosso quotidiano) diz respeito à necessidade de firmar seus contratos sociais e comerciais sob a assistência de advogado especialista, bem como, mediante consulta a estes, eleger o melhor regime tributário, uma vez que serão determinantes para fins de tributação. Igualmente, para analisar se há benefício fiscal vigente aplicável às suas atividades.
Nesse contexto, importante mencionar que a Lei do Bem (Lei 11.196/2005) é considerada o estímulo mais relevante, senão o principal, às atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação tecnológica (PD&I).
Nos termos noticiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC) “Os benefícios visam estimular a fase de maior incerteza quanto à obtenção de resultados econômicos e financeiros pelas empresas no processo de criação e testes de novos produtos, processos ou aperfeiçoamento dos mesmos (risco tecnológico).”[1]
Os principais benefícios fiscais consistem em proporcionar às empresas a redução: (i) do lucro líquido, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o valor correspondente à soma dos dispêndios realizados no período de apuração com PD&I; e (ii) de 50% do IPI incidente sobre máquinas e equipamentos utilizados para P&D, na aquisição.
São elegíveis para usufruir os benefícios fiscais, as pessoas jurídicas com regularidade fiscal, sob regime de tributação do Lucro Real, que desenvolvam atividades de pesquisa e de inovação tecnológica. De se registrar que as atividades de P&D não precisam se relacionar à atividade fim da empresa, bastando que sejam classificadas como “Pesquisa básica dirigida”, “Pesquisa aplicada”, e “Desenvolvimento experimental”.
A utilização dos incentivos por parte das empresas ocorre de forma automática, não havendo consulta prévia e nem pré-análise dos projetos.
No entanto, nos termos do Decreto 5.798/2011, as empresas beneficiárias devem compulsoriamente prestar ao MCTIC, em meio eletrônico, as informações sobre os seus programas de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, através do preenchimento do FORMP&D no período subsequente ao ano em que usufruir dos incentivos fiscais, observada a data limite de 31 de julho.
O conteúdo do formulário de cada empresa é avaliado e recebe Parecer Técnico da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Setec) do MCTIC, principalmente no tocante ao tópico que trata das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e/ou inovação tecnológica.
Muitas empresas são induzidas pelo termo “formulário” a delegar a análise e preenchimento do FORMP&D a colaboradores internos que não têm experiência ou não foram treinados para tanto.
Para que a empresa não seja surpreendida com um Parecer desfavorável do MCTI, isto é, no sentido da não conformidade das informações ou da falta de compatibilidade e adequação dos dispêndios realizados aos programas e projetos de PD&I, é recomendável que conte com equipe multidisciplinar especializada. O próprio MCTI dispõe do Apoio Técnico de especialistas para a análise do mérito e dos dispêndios (art. 6° da Portaria MCTI 6.536/2022).
Confere maior segurança jurídica à empresa dispor de diagnóstico técnico e tributário para (i) a identificação de projetos e dispêndios elegíveis para a fruição dos benefícios fiscais, (ii) o preenchimento dos descritivos técnicos dos projetos na linguagem da Lei do Bem (com atividades de P&D) e alocação de dispêndios, bem como (iii) acompanhamento junto ao MCTI.
Em tempos de reforma tributária e economia global desafiadora, o aproveitamento deste benefício fiscal pode ser decisivo para o investimento em PD&I. É se de congratular esta iniciativa do governo.
[1] Fonte: https://antigo.mctic.gov.br/mctic/opencms/tecnologia/lei_do_bem/pages/textogeral/old/perguntas_respostas.html Acesso em: 29.04.2024