PEC 2/25: governo do presidente, do primeiro-ministro ou do centrão?

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Em 6 de fevereiro deste ano o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) apresentou a PEC 2/2025, que institui o semipresidencialismo e o voto distrital. A justificativa é que esse sistema seria mais estável, evitando paralisias de governo e traumas sociais, como os gerados pelos impeachments de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016).

O texto também cita que, de 5 presidentes da República eleitos após a Constituição de 1988, apenas 3 terminaram o mandato. Segundo presume, a separação entre chefia de Estado e de governo daria estabilidade à política brasileira.

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Considerando a diferença entre o desenho proposto para um sistema de governo (arquitetura constitucional) e os problemas de sua implementação (engenharia institucional), é necessário pensar como a proposta pode impactar a democracia brasileira.

Com base na definição de Cheibub e Przeworski de democracia como o regime em que i) o chefe do Executivo é eleito; ii) o Legislativo é eleito; iii) mais de um partido compete nas eleições; e iv) partidos no poder perderam eleições e cederam o poder (ou o farão se derrotados), é necessário verificar em que medida a PEC responde à pergunta: com o semipresidencialismo, quem provavelmente governará o país?

Os argumentos da proposta não são sólidos. É difícil falar em traumas decorrentes dos dois impeachments. No caso de Collor, seu vice, Itamar Franco, governou sem contestação. Durante seu governo foi realizado o plebiscito sobre a forma e o sistema de governo, em que o eleitorado optou por manter a república presidencialista, sem intercorrência derivada do processo de impeachment.

Além disso, no seu governo foi implementado o Plano Real, que estabilizou a economia. Já o governo de Michel Temer, que substituiu Dilma Rousseff, foi marcado pela estabilização da relação com o Congresso e flexibilização da legislação trabalhista, agradando aos setores liberais e conservadores do país. Ou seja, às condenações por crime de responsabilidade não se seguiram crises relevantes.

O argumento de que apenas 3 dos 5 presidentes terminaram seus mandatos também não impressiona. Foram 9 eleições. Só dois mandatos foram interrompidos e os vice-presidentes não tiveram dificuldades em governar. Apenas uma transição foi problemática: a passagem da Presidência de Bolsonaro para Lula. O baixo número de presidentes não significa poucas eleições, nem histórico de crise de transição de poder.

É de se ressaltar que os procedimentos de destituição de presidentes tiveram características de controle do Executivo pelo Congresso. Olhando-se o caso de Collor, o próprio ex-presidente assumiu ter tido uma relação inadequada com o Congresso, forçando suas pautas políticas e testando o então novo instrumento de governabilidade, a medida provisória, ao limite, inclusive para forçar seu plano de combate à inflação.

O fracasso dos planos econômicos, junto com denúncias de corrupção (julgadas improcedentes pelo STF em 1994 e em 2014 por falta de provas), gerou a oportunidade para a opinião pública demonstrar seu descontentamento, dando margem ao processo de impeachment. Collor foi julgado por crime de responsabilidade por ato considerado não comprovado.

Já Dilma, sofrendo resistência e bloqueio político no Congresso por segurar repasses de emendas orçamentárias, e diante de instabilidade econômica no país, foi acusada de praticar “pedalada fiscal”: usar recursos dos bancos públicos, com o repasse orçamentário feito posteriormente.

Com a discussão de que isso configuraria tomada de empréstimo sem autorização do Senado, o Tribunal de Contas da União reprovou suas contas. Ficou reconhecido que seus antecessores utilizaram a mesma prática, mas os montantes e o tempo de demora no repasse foram considerados desproporcionais. O acórdão do TCU foi enviado à Comissão Mista de Orçamento, que aprovou as contas com ressalva. Ou seja, Dilma sofreu impeachment pela prática de um ato que depois foi considerado lícito.

Em contraste, o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi verdadeira fonte de instabilidade e risco institucional. No primeiro ano tentou impor seu programa à força, mas foi controlado pelo Congresso, o qual passou a atacar. Com a pandemia, fez manobras para minar as políticas de prevenção e isolamento e, posteriormente, de vacinação. Foi contido pelo Congresso e, em seguida, pelo STF.

Mas, quando conseguiu emplacar aliados nas presidências da Câmara e do Senado, teve facilitado o controle da pauta política e econômica e blindagem para suas propostas e discursos. Todavia, capitulou na estratégia de recusar a política de coalizão, aumentando o repasse de verbas do orçamento para sua base de apoio.

Apesar de sua gestão desastrosa durante a pandemia, passou incólume no Congresso. Conseguiu aprovar a PEC de limitação de pagamento de precatórios, empurrando a dívida para governos futuros. Aprovou aumento de gastos em lei orçamentária com compensação fictícia de receita, baseada em propostas legislativas.

Concedeu benefícios sociais em ano eleitoral ao decretar estado de emergência decorrente da guerra da Rússia com a Ucrânia (declarado inconstitucional pelo STF). Conseguiu aprovar gastos fora do limite constitucional. Controlou sua coalizão com o uso do “orçamento secreto”, depois declarado inconstitucional pelo STF. Sofreu graves acusações de corrupção por ações na pandemia, agora objetos de inquérito. Atacou e ameaçou ministros do STF.

Diferente de Collor e Dilma, não sofreu processo por crime de responsabilidade. Ao contrário, foi protegido pelo Congresso e pela articulação de ministros do Supremo para que não houvesse impeachment. Bolsonaro não teve problema em terminar o seu governo mesmo ameaçando transformar instrumentos de gestão de crise em instrumentos de exceção para impedir o funcionamento do Poder Judiciário contra si. Por fim, seus resultados econômicos foram fracos.

A discussão acima dá indícios de dois pontos importantes para o debate sobre a eventual mudança do sistema de governo. Primeiro, dificilmente a PEC 2/2025 vem em nome da estabilidade política. Essa justificativa se enfraquece diante do comportamento institucional durante o governo Bolsonaro. Na crise política mais grave desde a Constituição de 1988, optou-se pela crise em lugar do impeachment, que tinha bases sólidas que o fundamentasse.

Segundo, é preciso levar em consideração que os mecanismos de indicação presidencial para o STF e para a Procuradoria-Geral da República funcionaram a contento para a proteção jurídica de Bolsonaro. E isso foi alcançado graças à maioria mantida no Congresso. Essa maioria decorreu principalmente da desistência da tentativa de governar sem coalizão, sucumbindo à tática do “orçamento secreto”.

A comparação entre os dois governos interrompidos e aquele que realmente foi fonte de grave crise institucional permite levantar a hipótese de que a PEC 2/2025 tem por verdadeiro objetivo o completo controle do governo pelo Congresso. No presidencialismo de coalizão brasileiro, a governabilidade depende da distribuição de cargos e parcela do orçamento aos partidos que formam maioria, mas se especializam no controle das verbas (o centrão).

E há que se avaliar o impacto da EC 86/2015, que, ao incluir a possibilidade de emendas individuais ao projeto de lei orçamentária, tem mudado a relação entre Executivo e Legislativo e a formação de coalizões.

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Sendo o primeiro-ministro escolhido pela maioria da Câmara, controlada pelo centrão, o semipresidencialismo garantiria o controle da política de governo por esse grupo, sem precisar criar ou aguardar alguma crise para forçar mudanças e sem necessidade de negociação com o presidente (a PEC prevê como nova redação para o art. 86 a competência do primeiro-ministro para o envio dos projetos das leis financeiras, garantindo controle do orçamento).

A discussão sobre a mudança do sistema de governo precisa ser tratada com muito cuidado e mais clareza, sem discursos vazios sobre a pretensa instabilidade política brasileira. Antes de tudo, é preciso verificar se não será o centrão o único a governar de fato, e quais serão as possibilidades reais de alternância do grupo que governa, com clara deterioração do sistema democrático brasileiro.