Pé-de-Meia no TCU

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Na semana passada, o plenário do TCU determinou, em decisão cautelar, que o Ministério da Educação suspendesse o uso de parcela significativa dos recursos destinados ao programa Pé-de-Meia, que busca promover, mediante incentivos financeiros, a permanência de estudantes no ensino médio público. De acordo com o tribunal, haveria indícios de que seu atual modelo violaria normas de Direito Financeiro.

O caso provocou reações contundentes. A Frente Parlamentar da Educação pediu que o TCU reavaliasse a decisão, sob pena de prejudicar cerca de 4 milhões de alunos. A oposição enxergou uma pedalada e prepara pedido de impeachment. Pressionado, o governo garantiu que o programa, uma de suas vitrines, não seria interrompido. Mais uma vez, portanto, uma decisão do TCU está no centro do debate público. Como avaliá-la?

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Em primeiro lugar, é preciso destacar que decisões dessa natureza são raras. Em regra, o TCU determina a adoção de medidas cautelares para prevenir danos em licitações ou na execução de contratos. Não é comum encontrar decisões cautelares que suspendam a transferência de recursos para custeio de política pública.

Se considerarmos as 1.089 decisões proferidas pelo plenário em sede cautelar nos últimos cinco anos, veremos que apenas 13 delas trataram de possíveis violações a regras de Direito Financeiro[1]. E, nesse universo, nenhuma resultou na interrupção de uma política comparável ao Pé-de-Meia.

Em segundo lugar, não parece ter havido, no caso, violação frontal, inequívoca, de norma jurídica, a ponto de justificar uma medida tão drástica e excepcional.

De acordo com a Lei 14.818/24, os recursos destinados ao Pé-de-Meia são geridos por um fundo de natureza privada, chamado Fipem. Esse fundo pode ser abastecido por diversas fontes, como recursos da União e dos estados. A lei também permite que outros fundos geridos pelo governo federal transfiram recursos para o Fipem, a exemplo do FGO e do Fgeduc.

Nessa linha, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.995/24, que autorizou a transferência de R$ 6 bilhões do Fgeduc ao Fipem, sem definição específica sobre o ano em que esses recursos poderiam ser utilizados.

Mesmo inexistindo nova despesa da União, o TCU entendeu que esse tipo de arranjo violaria o princípio da anualidade orçamentária. Por essa lógica, a transferência de fundo a fundo somente seria possível mediante autorizações periódicas, via lei orçamentária anual.

Para o governo, a Lei 14.818/24 não traria essa exigência, justamente para permitir maior flexibilidade na gestão dos recursos e garantir a continuidade do programa. Pela leitura do texto legal, essa é, de fato, a interpretação mais óbvia.

O principal dispositivo utilizado pelo TCU na fundamentação de sua decisão (art. 15 da Lei 14.818/24) não obriga claramente a inclusão, no orçamento anual, de cada aporte realizado no Fipem por outros fundos. Além disso, considerando que o caso envolve os limites da interpretação do princípio da anualidade orçamentária, seria esperado que TCU adotasse uma postura de autocontenção (arts. 22 e 23 da LINDB).

Em breve, o plenário do TCU deve retornar ao assunto, em julgamento de recurso apresentado pela AGU. Se perder, é possível que o governo recorra ao STF, que até hoje nunca se pronunciou sobre a competência cautelar do TCU em caso semelhante.

O desfecho desse embate poderá redefinir o equilíbrio de forças entre TCU e Poder Executivo na gestão de recursos públicos, com implicações de longo prazo. Vale acompanhar de perto.


[1] Na coleta de tais dados, utilizamos, no campo “assunto” do mecanismo de busca de jurisprudência do TCU, a palavra “cautelar” somada a alguma das seguintes expressões: “finanças públicas”; “Direito Financeiro”; “anualidade”; “Lei de Diretrizes Orçamentárias”; “lei orçamentária”; “11.101”; “LRF”; “Lei de Responsabilidade Fiscal”; “teto de gastos”; ou “teto constitucional”. Com base nesses parâmetros, encontramos 13 acórdãos proferidos entre janeiro de 2020 a janeiro de 2025.