Pastor é condenado criminalmente por defender no TikTok que pais batam em crianças

  • Categoria do post:JOTA

O juiz Luiz Guilherme Cursino de Moura Santos, da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Pindamonhangaba (SP), condenou um pastor da Igreja Resgatar a 4 meses de detenção, em regime aberto, por uma publicação no TikTok em que defendia que pais batam em crianças. A conduta foi enquadrada como incitação ao crime. Além da detenção, o juiz também fixou uma indenização mínima de R$ 10 mil por danos morais coletivos.

Para o magistrado, na condição de pastor, o pastor Leandro Rafael Cezar  tem influência sobre o comportamento das pessoas que frequentam a sua igreja, assim como sobre aqueles que assistem às suas pregações nas redes sociais, o que eleva o potencial para atingir um número indeterminado de pessoas, em qualquer parte do mundo.

Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!

No vídeo veiculado na plataforma TikTok, em sermão proferido, o pastor se manifestou da seguinte forma:

“Pastor, mas eu bati, mas bateu de que jeito? Tapa em cima da fralda? Cê faz a criança rir e não sofrer. A vara tem que fazer doer, mas não é para espancar. Pensa comigo: Se a Bíblia diz que a vara tem que ser usada e ela tem que infligir dor, é necessário que haja um limite também, é claro. E qual que é o limite que a Escritura coloca? Provérbios 19:18. Castiga o teu filho enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá- lo. Ou seja, bata, bata, bata e começou a querer morrer, você para. É o texto que diz. ‘Ceis’ riem? É o texto que, é claro né exagero isso aí que eu falei. Mas há um limite e o limite é não se exceder a ponto de matá-lo. É pra você ver que é necessário que haja dor! Haja dor mesmo! Daí tá lá, é, cê tem que dar varada no seu filho, meu irmão, depois que ele apanhou das varada lá, ele tem que sair mancando, senão não tem graça. Como assim? Cê pega a vara…”

Interrogado, o pastor confirmou a veracidade do vídeo. Disse que fazia parte de uma série de sermões que ele pregou durante a semana, nos quais falou sobre ”a importância de os pais amarem os seus filhos”. Ele também admitiu que no vídeo usou palavras que excederam, de forma exagerada, a liberdade de expressão religiosa. No entanto, afirmou que, no contexto maior da publicação, falou sobre ”amor, paciência, e como os pais devem tratar os filhos”.

O pastor afirma que estava desenvolvendo um raciocínio sobre o provérbio bíblico “não retire a disciplina da criança, pois, se a castigares com a vara, ela não morrerá”.

De acordo com o juiz, não há como negar que o pastor, em sua pregação publicada no TikTok, incitou publicamente – na presença de outras pessoas e mediante veiculação na internet – a prática de crime (maus-tratos contra as crianças), em especial nos seguintes trechos:

“Bata, bata, bata e começou a querer morrer, você para… há um limite e o limite é não se exceder a ponto de matá-lo… cê tem que dar varada no seu filho, meu irmão, depois que ele apanhou das varada lá, ele tem que sair mancando, senão não tem graça”.

Assine gratuitamente a newsletter focada no serviço público Por Dentro da Máquina. Clique aqui para se inscrever e receber as próximas edições

O juiz ressaltou, ainda, que embora a Constituição assegure a liberdade de expressão religiosa, tal garantia individual não autoriza que os cultos sejam usados para a prática de crimes, como no caso em questão. Além disso, observou que, apesar de ter afirmado que exagerou nas palavras, o pastor não admitiu a incitação à prática de maus-tratos.

Danos morais coletivos

Na sentença, o magistrado considerou que ”ainda que não haja notícias de que em razão da pregação do pastor alguma criança foi, efetivamente, vítima de violência”, o dano moral coletivo se caracteriza pela ofensa à moralidade pública.

”Houve lesão a valores fundamentais da sociedade – vida e integridade física e moral das crianças –, transbordando a tolerabilidade. Verificou-se a violação dos interesses transindividuais de maneira inescusável e injusta, percebida dentro de uma apreciação predominantemente objetiva”, ponderou.

Desse modo, fixou a indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 10 mil, a ser revertido ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Pindamonhangaba (Funcad).

Caso concreto

O religioso foi denunciado à Justiça pelo promotor Jaime Meira do Nascimento Junior, da 5ª Promotoria de Pindamonhangaba, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Na denúncia, o promotor observa que, na condição de homem público e líder religioso, a palavra dele ganha ”enorme peso”, induzindo pais, mães e responsáveis por crianças a praticar agressões que podem configurar como maus-tratos.

”Entendo que a forma como a mensagem foi passada denota um descompromisso do pastor com a integridade física de crianças – refiro-me a crianças porque na fala, o investigado deixa claro que não adianta bater nas fraldas”, pontua.

Na avaliação do promotor, ”ao defender, em uma interpretação literal a versículo da Bíblia, ainda que em um suposto tom de brincadeira, que crianças devam ser castigadas fisicamente até quando começarem a morrer ou até que a criança saia mancando, o denunciado incitou os pais e mães e responsáveis por crianças que assistiam sua pregação a, na melhor das hipóteses, praticar crime de maus-tratos ou, eventualmente, de tortura”.

À época em que foi interrogado, o pastor afirmou que retirou o vídeo das redes sociais assim que foi notificado pelo Ministério Público e que não fez nenhuma retratação porque ”não foi instado a fazê-la”.

O advogado Filipe Moreno Ramos, responsável pela defesa do líder religioso, afirmou ao JOTA que vai recorrer da decisão. “O recurso será interposto na forma da Lei 9.099. Entendemos que a oitiva ocorrida dentro da audiência de instrução e julgamento expressa uma retratação legal”, disse. Segundo ele, a pregação era composta de oito vídeos, cada um com cerca de 1 hora e houve um corte descontextualizado.

“Um terceiro, ainda desconhecido da defesa, ‘cortou’ 14 segundos de um dos vídeos e publicou na rede social TikTok, o que acabou por descontextualizar toda a pregação. Por ora, utilizaremos das ferramentas legais, visando a prova da inocência do pastor, isto é embargos de declaração e, em não havendo retratação por parte do magistrado, recurso inominado”, disse.

O processo tramita com o número 1502473-73.2021.8.26.0445 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).