Partidos políticos e a qualidade das democracias latino-americanas

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O presente artigo almeja olhar para um elemento em específico das democracias constitucionais contemporâneas: os partidos políticos. Essas instituições, não necessariamente particulares da democracia, parecem deter maior relevância em termos dos efeitos que geram em uma democracia do que costuma ser reconhecido. 

Democracia é o sistema político que posiciona seus cidadãos na qualidade de protagonistas de todo o processo decisório. Os cidadãos, valendo-se de seus direitos políticos, procuram outros que compartilhem afinidades ideológicas a fim de se agruparem, de obterem força eleitoral e, eventualmente, de inserirem um representante nas instituições que dependem, para escolha de seus membros, do apoio de eleitores.

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Espera-se, assim, que dentre as diversas demandas existentes em uma democracia, aquelas escolhidas por eles passem a ser atendidas de forma ótima. Ocorre que essa expectativa vem sofrendo duros golpes e o sistema democrático de governo experimenta uma perda de popularidade. 

Os informes Latinobarometro, que medem, entre outros, a confiança dos latino-americanos nas instituições, mostram a fragmentação do sistema partidário e o desaparecimento, em muitos países, de partidos históricos e tradicionais. Isso, somado ao avanço do populismo, enfraqueceu a imagem dos partidos e o papel que eles deveriam desempenhar em uma democracia constitucional.

Nos últimos 30 anos, a legitimidade dos partidos políticos tem sido instável, variando conforme a capacidade do sistema político de atender às demandas da sociedade. No entanto, observa-se que os partidos falham em responder a essas exigências, o que os enfraquece como instituições permanentes do regime democrático.

Se em 1997 se registrava que 62% dos latino-americanos entendiam que não pode haver democracia sem partido, em 2024 esse número caiu para 50%, na média. No caso brasileiro, chega-se a 46%, somente. Os partidos estão em declínio.  

Os partidos políticos, tendo em vista o papel que desempenham como instituições intermediárias em uma democracia, devem ser responsáveis por determinar a moldura na qual se discute política. Ainda que os cidadãos formulem e estabeleçam suas preferências ideológicas e as respectivas políticas que entendem serem melhores, em última análise, estes mesmos cidadãos votarão nas opções de partidos disponíveis, assumidamente, naqueles que melhor se enquadrem nas suas respectivas preferências.

Ainda que seja possível o encaixe perfeito entre a expectativa de um eleitor com a agenda política de um partido, o processo de escolha realizado por ele parece se aproximar mais de um processo de exclusão. Dentre as escolhas possíveis, o partido que receberá o voto será aquele que, em relação aos outros, melhor atende às expectativas do eleitor, e não necessariamente aquele que oferece um encaixe perfeito.

No que se discute, acredita-se que a fragilização da representação popular por partidos têm relação direta com a sua ineficiente intermediação entre a vontade popular por eles carregada e as decisões estatais tomadas por instituições, o que, por outro lado, torna o cenário apto a mais personalização e menos institucionalização, abrindo caminho para lideranças personalistas que enxergam, nos partidos mais institucionalizados, com regras internas definidas e seguidas por seus filiados, um problema para seus projetos pessoais, pois exige-se a obtenção de consenso interno para que suas vontades se tornem parte do programa.

Líderes personalistas são avessos ao trabalho exigido para obter tais consensos. Das duas uma: ou essas lideranças usam de ferramentas de desintermediação (abuso de consultas populares, uso de redes sociais para chegarem diretamente aos seus seguidores, entre outros) ou criam partidos seus, é dizer, que somente sejam uma representação de seu líder.  

Tendo em vista os problemas trazidos pelos elementos discutidos até então, ou seja, a queda dos partidos políticos e os elementos sociais que acompanham essa mudança, existe uma preocupação em abordar o estudo de partidos políticos não apenas sob uma perspectiva legalista, essa que é costumeira da área do Direito, mas também sob uma perspectiva das ciências sociais como um todo.

Para tanto, o artigo se vale de um estudo interdisciplinar para entender o que faz com que partidos políticos sejam atrativos para os eleitores e como essa fidelidade, uma vez que ela seja estabelecida, possa ser mantida. 

O pressuposto utilizado, contudo, implica no fato de que o grau de fidelidade entre uma pessoa e um partido não é fixo. Se a afinidade ideológica e a categorização social da pessoa se alterarem, então se espera que o grau de partidarismo assim também mude. Se isso é verdade, então é necessário entender as razões pelas quais tais condições são passíveis de alteração. Sabe-se que existe um alto grau de relação que pode ser estabelecido entre essas alterações e outros dois elementos: diluição de agenda partidária e má performance. 

A agenda partidária é a base estrutural e organizacional que caracteriza um partido. Uma vez que essa agenda seja estabelecida, é igualmente importante que ela possua um grau mínimo de distinção em relação às agendas de outros partidos. A razão para tanto reside no fato de que, uma vez que um partido se constitui como um grupo, o grau de pertencimento a ele depende do quanto um indivíduo pode se identificar com o partido.

Esse processo é facilitado quando, dentre as opções disponíveis, as diferenças estejam realçadas. Assim, uma agenda bem definida ostenta um grau de relevância considerável para a estabilidade da base eleitoral e eventuais novos eleitores.

A má performance, por sua vez, é a quebra de expectativa provocada pelo partido em relação àquilo esperado, ou desejado, pelos eleitores. Política, sendo a arte do possível, implica que nem tudo daquilo que é originalmente prometido nas agendas partidárias será realizado. Contudo, se a performance ultrapassar determinado nível de tolerabilidade, é possível que isso também gere uma queda de partidarismo. 

Esses dois elementos que exercem influência sob o grau de partidarismo experienciado possuem exemplos pela história e alguns são indicados no decorrer do trabalho. Para apenas trazer aqui uma breve menção, é possível observar dois momentos históricos distintos nos quais o partido argentino da União Cívica Radical (Unión Cívica Radical, ou UCR), por não ter sido capaz de se manter em níveis de tolerabilidade adequados de sua agenda e desempenho, sofreu uma queda na sua relevância eleitoral que dificilmente pode ser reparada.

O que parece ocorrer é que tanto a diluição da agenda partidária quanto má performance devem ser consideradas de maneira conjunta para entender a oscilação do partidarismo. A oscilação de partidarismo, ao gerar desequilíbrios nos seus apoios, pode provocar o seu respectivo desmantelamento. Quando um partido perde sua relevância eleitoral existe, então, a criação de um vão político que, via de regra, pode ser preenchido por qualquer agente político que prove ser uma alternativa competitiva aos partidos existentes.

O problema gerado por isso, é que, por vezes, líderes populistas, abusando de personalismos, se utilizem dessa oportunidade para obterem apoio e, ao invés de simplesmente se posicionarem como oponentes políticos, mobilizam-se como contrários à manutenção do sistema político baseado em partidos, não raras vezes com uma proposta de destruí-lo ou alterá-lo profundamente, para se beneficiarem da mudança e ocuparem um papel hegemônico. 

Na democracia de partidos, onde o funcionamento do sistema político está centralizado nas agremiações partidárias, é imperativo compreender como eles são responsáveis por moldar o respectivo sistema no qual estão inseridos e como a sua fragilização deturpa todo o seu funcionamento. Essa questão é ainda mais acentuada, no presente caso, pois se reflete sobre o tema a partir do processo inacabado de democratização na América Latina.