Parques eólicos offshore e usinas híbridas em prol da transição energética

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A transição energética está entre algumas das principais preocupações do setor energético, de diversos países e grandes empresas, que buscam aliar o binômio desenvolvimento econômico-industrial e preservação ambiental e climática.

Daí que a transição energética se demonstra especialmente útil; em vez de antagonizar crescimento econômico e sustentabilidade, alia-os. Busca-se, ao mesmo tempo, manter ou até aumentar a geração de energia elétrica, essencial ao crescimento econômico, e passar de uma matriz energética com grande participação de combustíveis fósseis para uma matriz mais renovável, com baixa emissão de carbono.

Para tanto, diversas foram as fontes de energia e combustíveis renováveis popularizadas, como o biodiesel, hidrogênio, energia solar e eólica. Busca-se, também, o desenvolvimento das tecnologias necessárias ao armazenamento de energia[1].

Nesse contexto, destaca-se as usinas eólicas offshore, palco de discussões no Brasil recentemente, já utilizadas há cerca de 30 anos na Europa. A despeito de ainda não ser explorada no Brasil, as discussões sobre o tema estão se tornando cada vez mais relevantes, inclusive com o início de políticas públicas e regulatórias a ela voltadas.

Eólicas offshore

As eólicas offshore possuem o mesmo racional das eólicas onshore: captação da energia proveniente da força dos ventos e sua transformação em energia elétrica. É alternativa ambientalmente benéfica por não emitir carbono. Entretanto, possuem como grande diferencial o fato de que seus aerogeradores são instalados em alto mar, sendo sua estrutura inteiramente assentada no fundo do oceano.

De acordo com o instituto WindEurope, em 2018, a Europa possuía 409 turbinas offshore conectadas, com capacidade instalada de 18.499 MW. Os dados indicam crescimento exponencial da capacidade instalada acumulada entre os países europeus, bem como investimentos anuais médios de 8 bilhões de euros para expansão das modalidade de geração, com destaque ao ano de 2016, com investimento superior a 18 bilhões de euros[2].

Vantagens e desvantagens das eólicas offshore

Os parques eólicos offshore compartilham das vantagens dos parques onshore, como o fato de serem uma fonte de energia limpa, renovável e não poluente. O destaque da modalidade de geração diz respeito às suas vantagens exclusivas, como o elevadíssimo potencial de geração encontrado no país. Estima-se em 1,78 TW o potencial eólico offshore em toda a Zona Econômica Exclusiva do Brasil e em 606 GW para a margem brasileira, até 100 metros de profundidade[3].

A modalidade offshore possui potencial de geração maior que as eólicas onshore, podendo ter produção até duas vezes maior comparativamente[4], pois, no mar, há ventos mais fortes e constantes. Também possui vantagens em relação à redução de emissão de ruídos, redução de shadow flicker (alternância de momentos de sombra e luz) e redução de poluição visual[5].

Os parques eólicos offshore, contudo, não são imunes a impactos negativos. Antes da implantação, é necessário obter Declaração de Impacto Ambiental (DIA) positiva e estudo favorável da compatibilidade do parque com outros usos do espaço marítimo, processo este que pode durar anos. Trata-se do método mais seguro e rigoroso para evitar problemas posteriores envolvendo navegação e a fauna marinha.

Cenário legal e regulatório

As eólicas offshore não são bem regulamentadas no Brasil, pelo que não há nenhuma usina do tipo instalada no país. Pouco se explora o potencial de geração disponível nos mares. Prova disso é que há uma única usina teste instalada no mar, a usina do porto de Pecém, no Ceará, que produz energia através das ondas do mar (fonte maremotriz).

Atualmente, o que se tem sobre o tema é regulamentação infralegal, como a Portaria Interministerial MME/MMA 3, de 19 de outubro de 2022, que criou o Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para Geração de Energia (PUG-offshore), gerido pela Aneel.

Tem-se o Decreto 10.946/2022, que dispõe sobre a “cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore“.

O Decreto buscou preencher a lacuna de um marco regulatório para exploração do potencial elétrico offshore, sobretudo no que diz respeito à concessão e implantação de projetos. Contudo, não disseminou massivamente a implementação de tais usinas como se pretendia, evidenciando a necessidade de um marco legislativo mais efetivo.

Ao que tudo indica, após a consolidação do tema através de lei federal, a próxima etapa será regulamentação pela Aneel. É o que se percebe da fala do diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, em 30/5/2023, ao afirmar que a competência da Aneel para regular as eólicas offshore deve estar definida em lei.

O diretor ressaltou que a atividade de gerência de áreas na plataforma continental é complexa, por se tratar de áreas de tráfego marítimo, exploração de petróleo e interesse nacional. Por tais razões, é necessária a promulgação de lei para que a Aneel regulamente a matéria[6].

O marco mais relevante e promissor deve ser o PL 11.247/2018, que visa ser o verdadeiro marco legislativo das eólicas offshore, permitindo sua popularização e autorizando sua implementação. O projeto foi aprovado com alterações pelo plenário da Câmara dos Deputados em 29/11/2023 e atualmente tramita no Senado, apresentando importantes alterações legislativas e regulamentações nos âmbitos de concessão e licitação  dos parques eólicos offshore.

O projeto não está imune a empecilhos causados pela deliberação política ao seu redor. Pode-se citar, por exemplo, a declaração do ministro de Minas e Energia em 19/6/2024 criticando a inclusão de “jabutis” no projeto que acarretará o aumento de R$ 25 bilhões na conta dos consumidores brasileiros por ano[7].

O trâmite político é lento, como costumeiro à realidade brasileira, em desagrado ao mercado nacional e internacional, que deseja a imediata regulamentação do tema para possibilitar a criação de empreendimentos no estratégico território brasileiro. Nesse contexto, percebe-se articulação de agentes do setor elétrico para que seja realizado pedido de urgência na tramitação do Projeto de Lei das eólicas offshore junto ao Senado[8].

Até abril de 2024, o Brasil contava com pouco mais de 234 GW distribuídos em quase 100 parques eólicos offshore ainda em processo de licenciamento perante o Ibama. Porém, os agentes de mercado já avaliam que a demora na aprovação dos projetos pode causar impactos negativos e evasão de empreendedores[9].

Usinas híbridas

Na contexto da transição energética, outro meio para tornar a geração de energia mais eficiente se popularizou: as usinas híbridas, que combinam mais de uma fonte de geração na mesma instalação. Amplia-se a produção de energia renovável com inovação, gerando mais energia a um custo menor.

Para ser considerada Central Geradora Híbrida, a projeto deve ter uma única medição e outorga. É essa a distinção entre usinas híbridas e usinas associadas, eis que estas últimas, ainda que integrem duas ou mais fontes de geração, possuem medição e outorgas distintas.

Vantagem das usinas híbridas é a diminuição do custo e aumento da eficiência em projetos de geração, além da otimização do uso da rede elétrica. Considerando-se que a fonte solar, por exemplo, é intermitente – gera energia quando há incidência de raios solares –, ao integrar aerogeradores em um parque solar, a energia eólica supre a demanda de energia no período da noite, quando os painéis fotovoltaicos não estão gerando energia.

A regulamentação das usinas híbridas e associadas está contida na Resolução Normativa 954/2021 da Aneel. Dentre os avanços trazidos pela Resolução estão a definição de UGH e Centrais Associadas, a associação com centrais geradoras existentes, associação com usinas hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia, aplicação dos descontos de TUST e comercialização juntos aos consumidores especiais com fonte incentivada, por exemplo.

Parques eólicos offshore híbridos

Ainda que não haja parques eólicos offshore no Brasil, já se aventa a possibilidade de implantar usinas híbridas envolvendo a fonte eólica em alto mar combinada com painéis fotovoltaicos, em vistas à transição energética.

A instalação de tais usinas aparenta ser distante do setor elétrico brasileiro, que ainda aguarda pela efetiva regulamentação das eólicas offshore. De todo modo, não se pode descartar o potencial elétrico ainda inexplorado no mar. Além do potencial eólico offshore, tem-se o potencial de geração advindo de painéis solares flutuantes offshore. A título de exemplo, a geração fotovoltaica offshore da costa da Indonésia (54 km de costa, enquanto o Brasil possui costa de 7637 km), foi estimada em aproximadamente 350.000 TWh[10] em 2023.

Sem adentrar as dificuldades percebidas (de ordem técnica ou legal e regulatória), a implantação de usinas híbridas utilizando geração eólica e solar offshore é excelente alternativa à transição energética. No Brasil, já houve a implantação de usina híbrida, contendo a geração de energia solar e eólica. A usina Sol do Piauí apresenta benefícios como a utilização da capacidade ociosa da rede de transmissão de energia ao longo do dia e redução do custos de operação e manutenção[11].

Trata-se de possibilidade futura e remota, que terá sua viabilidade e possibilidade definida apenas através de leis, resoluções normativas da Aneel e de avanços tecnológicos aptos a possibilitar a instalação de usinas híbridas em alto mar, associando parques eólicos offshore com parques fotovoltaicos.

[1] LIMA, Leandro Jose Barbosa; HAMZAGIC, Miroslava. Estratégias para a transição energética: revisão de literatura. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento: São Paulo, 2022. p. 3

[2] WINDEUROPE. Offshore Wind in Europe: Key trends and statistics 2018. 2019. Disponível em: https://windeurope.org/wp-content/uploads/files/about-wind/statistics/WindEurope-Annual-Offshore-Statistics-2018.pdf. Acesso em 15/02/2024

[3] BARBOSA, Robson. Inserção da energia eólica offshore no Brasil: análise de princípios e experiências regulatórias. 2018. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo

[4] IBERDROLA. O que é a energia eólica offshore. Disponível em: https://www.iberdrola.com/sustentabilidade/como-funcionam-os-parques-eolicos-offshore. Acesso em 15/02/2024. Acesso em 15/02/2024

[5] GUIMARÃES. Lucas Noura de Moraes Rêgo. Usinas Eólicas Offshore no Direito Ambiental Marinho. Revista de Direito Ambiental vol. 90/2018

[6] Disponível em: https://www.poder360.com.br/energia/papel-da-aneel-para-regular-eolica-offshore-deve-estar-em-lei-diz-diretor/. Acesso em 18/02/2024.

[7] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/debora-bergamasco/economia/macroeconomia/ministro-diz-que-jabutis-no-pl-das-eolicas-offshore-vao-custar-r-25-bi-aos-consumidores/. Acesso em 02/07/2024.

[8] Disponível em: https://epbr.com.br/senador-tenta-urgencia-para-votacao-do-pl-das-eolicas-offshore/. Acesso em 10/07/2024.

[9] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2024/07/eolicas-em-alto-mar-veem-fuga-de-capital-com-atraso-em-marco-legal.shtml. Acesso em 10/07/2024.

[10] SILALAHI. David Firnando. BLAKERS, Andrew. Global Atlas of Marine Floating Solar PV Potential. Solar 3, no. 3: 416-433. 2023. Disponível em: https://www.mdpi.com/2673-9941/3/3/23. Acesso em: 26/02/2024.

[11] Disponível em: https://www.portalsolar.com.br/noticias/mercado/projetos/usina-de-geracao-hibrida-solar-e-eolica-e-inaugurada-no-piaui. Acesso em 27/02/2024.