A aprovação de Onélia Santana, secretária de Proteção Social do Ceará e mulher do ex-governador Camilo Santana, para assumir a vaga de conselheira do Tribunal de Contas do Estado, teve ampla repercussão na última semana.
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A indicação foi oficializada em sessão da Assembleia Legislativa na sexta-feira (13/12), após sabatina realizada no dia anterior. Para exercer o cargo vitalício, a mulher do atual ministro da Educação receberá remuneração mensal de R$ 39.717,69.
“Trabalharei com afinco, pautada na transparência, na equidade e no respeito às leis. Honrarei a confiança depositada e os anseios de justiça e retidão que a sociedade demanda do TCE”, afirmou Onélia Santana, após a confirmação de seu nome.
Não é um caso único. Segundo a Transparência Internacional, agora, chega a cinco o número de ministros do governo Lula – todos ex-governadores – que seguiram pelo mesmo caminho. Para analisar o assunto, a newsletter convidou o presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Ismar Viana:
Como o senhor avalia a indicação da Onélia Santana?
Não se trata, esclareça-se, de uma questão pessoal nem política, não fulanizamos as indicações para cargos de conselheiros e ministros de tribunais de contas. A nossa preocupação é com a mitigação de riscos de comprometimento da confiabilidade social nos Tribunais de Contas. Como instituições superiores de auditoria do setor público brasileiro, a legitimidade de atuação depende incondicionalmente da isenção e imparcialidade dos seus agentes. A preocupação com a moralidade e impessoalidade dessas indicações, aliás, já integrava o radar de Ruy Barbosa, há mais de um século. Hoje, parece-nos não se ter mais dúvida de que elas agravam consideravelmente a credibilidade social na atuação dessas instituições de indiscutível importância para o controle das receitas e despesas públicas. A insurgência social a desvios de poder nessas indicações reflete o quanto elas minam a credibilidade dos Tribunais de Contas.
Quais são os riscos associados a esse tipo de escolha?
Os princípios da impessoalidade e da imparcialidade acabam afetados quando entram em tribunais de contas mulheres, filhos ou outros parentes de governadores e ex-governadores, dando ensejo a questionamentos relacionados a independência de fato e aparente dessas pessoas para o julgamento das contas dos aliados e dos adversários políticos dos governadores que foram seus padrinhos na indicação. Não se desconhece a existência dos institutos processuais vocacionados a afastar riscos de julgamentos parciais (exceções de impedimento e de suspeição). Ocorre que indicações nesses moldes colocam o julgador em reiteradas situações de suspeição, comprometendo a efetividade das ações de controle, alargando custos, inclusive.
O quanto isso compromete o controle das contas nos estados?
Essa normalização do patrimonialismo, do nepotismo, desvirtuando os fins a que buscou alcançar o legislador constituinte originário, agrava a preocupação. O recente marco de licitações e contratos, inaugurado pela Lei n. 14.133, de 2021, dedicou alargada preocupação com a integridade. Programas de integridade, atualmente, são instrumentos que figuram como critério de desempate em licitações, como condição de reabilitação de empresas apenadas, como meio apto a fixar sanções. A vedação ao nepotismo passou a alcançar até as relações terceirizadas, tendo a lei sido expressa quanto a finalidade de alcance de relações íntegras e confiáveis. Em igual sentido, a Lei de Improbidade, a lei de conflito de interesses, que define como conflito de interesses no âmbito do Poder Executivo Federal, praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão. É nítida, portanto, a preocupação do legislador com a tutela da probidade na organização do estado e no exercício das suas funções. Se a concretização dos objetivos contemplados nessas três legislações, a título de exemplos, depende, em larguíssima medida, da atuação dos Tribunais de Contas, o déficit de integridade na arregimentação dos seus julgadores é medida que compromete a coercitividade e efetividade das ações de controle, notadamente porque os tribunais de contas são paradigmas de funcionamento de toda a Administração Pública brasileira.