Com quase 30 anos, o procedimento arbitral no Brasil é extremamente sólido, e se tornou um canal de resolução de conflitos comerciais e empresariais, com significativa evolução desde sua regulamentação pela Lei 9.307/96, que propiciou a criação de câmaras arbitrais nacionais e internacionais, que atuam no país. O Brasil ocupava, de acordo com Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, o terceiro lugar no ranking da ICC, em 2020.
A tendência vem sendo de crescimento da arbitragem no Brasil, com a pacificação que trouxe a Lei 13.129/2015 para o emprego da arbitragem também nos contratos da administração pública direta ou indireta, uma segurança a mais para os investidores nos contratos de Parceria Público Privada (PPP), Parceria Pública de Investimento (PPI) e concessões.
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A despeito desse protagonismo, a pesquisa deste ano do “Anuário da Justiça Direito Empresarial” aponta que a arbitragem é considerada por 53% dos executivos entrevistados como sendo uma ferramenta de alto custo, sendo – por isso mesmo – mais empregada pelas grandes companhias quando as disputas envolvem conflitos de alto grau de complexidade.
As custas da arbitragem visam corresponder às verbas dos órgãos arbitrais, taxas de administração da instituição de arbitragem, viagens, traduções, pareceres técnicos e demais encargos pecuniários que envolvem, além das demais despesas do processo arbitral adotado pelas partes. Quanto aos honorários, vale ressaltar que a remuneração dos árbitros, geralmente é definida pelo número de horas trabalhadas, mesmo que haja um percentual do valor do litígio envolvido. Há taxas de registro e administrativas, peritos, além dos custos relativos à infraestrutura para a realização da própria sessão de arbitragem.
A perícia técnica pode ser dividida entre as partes, quando houver interesse comum. As custas arbitrais oneram igualmente para dois lados para que uma não financie a outra, independente do resultado final. No caso de as partes não suportarem os custos da arbitragem, os fundos de financiamento de litígio podem suprir os recursos em troca de um percentual do êxito final.
A arbitragem – como é do conhecimento de todos – tem sua origem na autonomia demandada pelas partes, que atribuem legitimidade a esse instituto e conferem mecanismos de poder aos árbitros para atuarem na resolução de um litígio que se apresente, já estabelecido na inclusão da cláusula compromissória em seus contratos, para solução com base em regras procedimentais que asseguram garantias mínimas para as duas partes.
Com o crescimento de 10% arbitragem durante a pandemia, segundo FTI Consulting: International Arbitration after the Pandemic, essa tendência não refreou, especialmente nas disputas internacionais, uma vez que as partes temem não receber um julgamento justo no país onde ocorreu o conflito. Também cresceu o financiamento de custas e despesas por meio de fundos de litígio ou financiamento por terceiros. Para Favre-Bulle, vice-presidente do Comitê de Arbitragem da International Bar Association ³, a popularidade da arbitragem cresceu desde que as instituições têm “ levado em conta as preocupações dos usuários sobre a duração e os custos dos processos”, simplificando os procedimentos. Uma das facilidades é o formato híbrido da arbitragem depois da pandemia, que tende a se manter em litígios arbitrais internacionais.
Um ponto polêmico sobre o litigio arbitral por terceiros vem sendo a questão do sigilo sobre a existência do financiamento: se deveria ser revelado ao árbitro e à contraparte. Em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá analisar, pela primeira vez, o instituto dos fundos de litígio no Brasil, sendo que não há no ordenamento jurídico nacional qualquer impedimento para seu emprego, no qual um terceiro custeia as despesas de um litígio, obtendo parte do êxito, se houver. Esse julgamento é decorrente de recurso interposto contra decisão da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou irrelevante para a solução de uma demanda que fosse revelada a identidade dos financiadores de determinado litígio. Agravo de Instrumento no 2153411-63.2022.8.26.0000
Nessa discussão, o Guidelines on Conflict of Interest in International Arbitration (IBA Guidelines) traz subsídios. Entende que os fundos de financiamento devem ser considerados equivalentes às partes, uma vez que oferecem suporte econômico e possuem interesse direto no resultado, pois, se perdedor, deverá arcar com as obrigações devidas à parte vitoriosa; mas se vencedor receberá percentual do valor da condenação final. Portanto, a entidade sugere que o fundo de litígio informe, por iniciativa própria, seu papel nas arbitragens.
Alguns tribunais arbitrais também estipulam por regramento que a identidade dos financiadores de litígio deve ser informada para evitar possíveis de conflito de interesses com os árbitros, quando há um terceiro sem envolvimento na relação processual, que tem interesse no resultado da arbitragem. O entendimento geral é que a parte não financiada deveria saber contra quem está litigando.
Contudo, isso não implica em revelar as condições do contrato firmado entre a parte e o fundo financiador, por que detalha o acordo e suas condições etc. Esse tipo de contrato prevê cláusulas de confidencialidade entre o financiador e a parte financiada (empresa, governo, entidade etc.), que é a titular do crédito. Não há relação entre o advogado da parte financiada e o fundo financiador, embora este último possa exigir contratualmente ser atualizado sobre o andamento do caso, para que possa continuar avaliando os riscos associados àquela ação.
Os acordos entre parte e fundos de litígio variam muito de caso para caso, mas há uma estrutura básica, como vincular o montante financiado ao orçamento estabelecido para o caso. Outra questão geralmente predominante é que quanto mais demorada for a arbitragem, maior poderá ser a percentagem do financiador, no caso de vitória. O contrato também pode prever a rescisão do acordo se o titular do crédito se tornar insolvente ou se o risco subir demasiado.
O papel do financiamento de fundos de litígio nas disputas ESG e de arbitragens internacionais vem se expandindo, principalmente nos setores de energia, construção, infraestrutura, tecnologia, setor financeiro, fusão e aquisição etc. A aceitação legal de fundos de litígio para arbitragens amplia as possibilidades de seu uso e vantagens já consolidadas, como confidencialidade, flexibilidade, rapidez e experiência dos árbitros para solucionar a contenda em diálogo entre as partes em conflito.
Contudo, a questão da autonomia das partes pode ser abalada pelo Projeto de Lei 3.293/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe alterações na Lei da Arbitragem, como divulgação do valor da disputa, composição do Tribunal e íntegra das decisões, podendo gerar insegurança jurídica nesse mecanismo extrajudicial de resolução de controvérsias. O PL inclui, ainda, alterações voltadas aos árbitros. Estes devem indicar em quantas arbitragens atuam, não podendo ultrapassar mais de dez, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente o tribunal arbitral. A restrição pode impor restrições às partes.
O financiamento de litígio de arbitragem não possui apenas o papel de ser um financiador, principalmente nos litígios privados dispendiosos, mas podem permitir que as empresas desbloqueiem seus recursos e ganhem fluxo extra de caixa. No futuro, a perspectiva é que a arbitragem continuará a ser um mecanismo útil para resolver litígios, especialmente àqueles voltados às disputas referentes às tecnologias, cadeia de abastecimento e atrasos nas remessas.