Panorama global sobre a litigância climática

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Em 25 de junho, durante a London Climate Action Week, o Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment — centro de pesquisa sobre mudanças climáticas vinculado à London School of Economics and Political Science — publicou o estudo Global trends in climate change litigation: 2025 Snapshot (Snapshot 2025).[1] 

Esse trabalho vem sendo atualizado a cada ano desde o seu lançamento em 2021, chegando agora à sua quinta edição, na qual Joana Setzer e Catherine Higham apresentam um panorama bem didático e informativo sobre litígios climáticos de cerca de 60 países, tendo como base o período até 2024.

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As autoras examinam desde a distribuição geográfica das ações por todo o mundo até os principais tópicos de disputas, além de explorar tendências para o futuro, apoiando-se em um vasto acervo de casos, que conta, inclusive, com contribuições do Grupo de Pesquisa em Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno da PUC-Rio (JUMA/PUC-Rio), coordenado pela Danielle de Andrade Moreira.

O Snapshot 2025 não se propõe a fazer uma análise exaustiva de todo e qualquer caso que, direta ou indiretamente, possa ter relação com a mudança do clima. O estudo é feito a partir de um recorte específico: litigância estratégica, entendida, para os fins do trabalho, como aquela em que o autor pretende não apenas vencer a disputa em seu benefício individual, mas influenciar o debate público ou mesmo modificar comportamentos de grupos específicos de atores em relação à ação climática.[2] 

Essa pretensão, porém, nem sempre é explicitada pelos autores em suas manifestações, gerando, assim, desafios práticos de triagem que podem limitar o universo — já extenso — de casos a serem analisados, como ressalvado pelas autoras.

De qualquer forma, o estudo apresenta um vasto material de pesquisa, permitindo que se tenha uma visão clara e abrangente sobre o cenário global das ações climáticas, que, só em 2024, somam 226 casos. Os Estados Unidos seguem com o maior número de ações, seguido da Austrália, Reino Unido e Brasil, que surge como o país do Sul Global com a maior quantidade de ações.

Segundo o Snapshot 2025:

  1. globalmente, nota-se uma desaceleração no número de ações climáticas fora dos Estados Unidos — o que talvez se dê em razão da diversificação das táticas adotadas pelos autores, possivelmente engajados em disputas em que a questão climática não estaria explicitamente localizada no centro do litígio, mas na sua periferia, não sendo detectada pela metodologia usada na construção da base de dados analisada;[3]
  1. no Sul Global, por outro lado, houve um crescimento dinâmico da litigância climática, sendo que a maioria (cerca de 60%) das ações já identificadas foi ajuizada apenas nos últimos cinco anos, tratando-se, pois, de um fenômeno relativamente novo nos países em desenvolvimento — como no Brasil, onde cerca de 80% das ações climáticas foram ajuizadas a partir de 2020, segundo o Boletim de Litigância Climática publicado em dezembro de 2024 pelo JUMA/PUC-Rio,[4] cuja base de dados subsidiou a análise do Snapshot 2025;
  1. uma quantidade relevante de casos já chegou às Cortes Supremas ou a tribunais superiores equivalentes (cerca de 360, entre 1995 e 2024), o que representaria um momento decisivo no desenvolvimento do direito climático, com a fixação de interpretações fundamentais sobre as obrigações de atores públicos e privados com relação à mudança do clima — o Snapshot 2025 pontua, inclusive, a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reconheceu, em 2022, o (1) “dever constitucional, supralegal e legal da União e dos representantes eleitos, de proteger o meio ambiente e de combater as mudanças climáticas”; e (2) que “tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional”;[5] e
  1. os tribunais internacionais vêm sendo importantes fóruns de debates e análise sobre o direito climático, com destaque (1) à audiência pública realizada em dezembro de 2024 pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), com ampla participação, em processo sobre obrigações dos Estados no que toca à mudança do clima; e (2) ao processo instaurado perante a Corte Interamericana de Diretos Humanos (Corte IDH) sobre obrigações dos Estados em resposta à emergência climática no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos — neste caso, a Corte IDH publicou seu Parecer Consultivo 32/25 em 03.07.25, após o lançamento do Snapshot 2025.[6]

Além da cartografia da litigância climática e da análise quantitativa das ações movidas pelo mundo, o Snapshot 2025 navega pelos principais temas abordados pelos autores em casos estratégicos que visam ao enfrentamento da mudança do clima (climate-aligned strategic cases). O relatório lista oito tipos de casos, que tendem a afetar cada vez mais as empresas:

  1. sobre políticas climáticas governamentais (government framework cases): questiona-se a ambição ou a implementação de metas e políticas climáticas que afetam a totalidade da economia e da sociedade de um país (nos níveis nacional ou subnacional);
  1. sobre incorporação da variável climática em processos decisórios (integrating climate considerations cases): busca-se integrar considerações, normas ou princípios climáticos a decisões ou políticas setoriais, visando a interromper políticas e projetos potencialmente lesivos, bem como incorporar de forma transversal as questões climáticas na formulação de políticas públicas;
  1. sobre o princípio do poluidor-pagador (polluter-pays cases): visam a indenizações por danos alegadamente causados por atividades que contribuem de alguma maneira para as mudanças climáticas e seus efeitos negativos;
  1. sobre políticas climáticas corporativas (corporate framework cases): têm o objetivo de desestimular que as empresas mantenham atividades intensivas em carbono, exigindo, v.g., mudanças em políticas de alcancem todas as subsidiárias de grupos empresariais, na governança corporativa, bem como nos processos decisórios que se estendem por todas as operações das empresas;
  1. sobre falha de adaptação (failure-to-adapt cases): questiona-se a falta ou insuficiência, por parte de governos ou empresas, de medidas de adaptação frente aos riscos de eventos climáticos extremos;
  1. sobre riscos de transição (transition risk cases): dizem respeito à má gestão do risco de transição por diretores, administradores e outras pessoas responsáveis por assegurar o sucesso de uma empresa, levando a discussões sobre eventuais quebras dos seus deveres fiduciários;
  1. sobre publicidade enganosa (climate-washing cases): contestam narrativas imprecisas de governos ou empresas sobre suas contribuições para a transição rumo a um futuro de baixa emissão de carbono; e
  1. sobre financiamento irresponsável (turning-off-the-taps cases): contesta-se o fluxo de recursos financeiros para projetos e atividades que não estejam alinhados com a ação climática.

O Snapshot 2025 também indica a existência de casos que teriam a intenção de evitar ou retardar a implementação de ações climáticas (non-climate-aligned strategic cases), por meio, por exemplo, de medidas antirregulação, anti-ESG e antiparticipação.

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Revela-se, assim, um cenário complexo de ações climáticas, que, por vezes, coloca empresas diante de impasses críticos. Segundo o estudo, muitas empresas encontram-se hoje sob pressão crescente e multifacetada: de um lado, defensores das práticas ESG demandam compromissos mais robustos e maior transparência.

De outro, opositores do ESG questionam essas mesmas iniciativas, alegando que seriam ilegais ou guiadas por motivações ideológicas. Isso gera um ambiente instável, de risco jurídico, no qual até decisões corporativas ou de investimento consideradas rotineiras podem se tornar objeto de litígios.

A clareza com que o Snapshot 2025 apresenta essas tensões ajuda a identificar gargalos do direito climático, contribuindo, assim, para a sua evolução no plano doméstico, tendo sempre em vista os desdobramentos globais sobre a matéria.


[1] Joana Setzer e Catherine Higham, “Global trends in climate change litigation: 2025 snapshot”, Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, London School of Economics and Political Science, 2025.

[2] Sobre a construção de narrativas que procuram influenciar, via ações estratégicas, comportamentos e políticas públicas climáticas, vide, por exemplo: Elizabeth Fisher, “Telling Meaningful Stories About Climate Change and Public Law”, Journal of Environmental Law, Vol. 37:1, 2025, pp. 1–22. Ademais, em 2022, o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) destacou no seu relatório sobre mitigação o seguinte: “climate litigation is growing and can affect the outcome and ambition of climate governance” (Minal Pathak et al., “Technical Summary”, In Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change. Contribution of Working Group III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press, 2022, p. 125).

[3] Segundo o Snapshot 2025, “cases addressing climate issues peripherally (e.g. localised environmental disputes or sector-specific litigation) are also likely to be increasing, but these are not comprehensively captured in existing databases. Understanding the complexities of climate litigation requires closer attention and engagement with these cases” (p. 4).

[4] Danielle de Andrade Moreira et al., “Boletim da Litigância Climática no Brasil 2024”, Rio de Janeiro: JUMA/PUC-Rio, 2024.

[5] STF, Pleno, ADPF 708-DF, Rel. Min. Roberto Barroso (p. 28.09.22).

[6] Corte IDH, Parecer Consultivo PC-32/25 de 29 de maio de 2025. Série A No. 32.