Panela velha é que faz comida boa: o retorno às ‘velhas’ técnicas de investigação

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Em 10 de novembro de 2023, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) anunciou a assinatura de Acordo de Cooperação Técnica com a Controladoria-Geral da União (CGU), que tem por objeto a instituição de mecanismos para colaboração e aperfeiçoamento nos fluxos de trabalho em matérias de interesse comum, o compartilhamento de informações, bases de dados e conhecimentos; e a capacitação mútua de agentes, a fim de promover atuação mais integrada entre os órgãos.

Cooperações do tipo não são estranhas ao Cade. Dito isso, uma vez firmado o acordo de cooperação entre CGU e Cade, autoridades com competência para celebração de acordos de leniência como instrumentos de responsabilização e que apuram ilícitos semelhantes – ou mesmo que se sobrepõem, como infrações relacionadas à concorrência em licitações públicas – alguns dos objetivos específicos previstos no Plano de Trabalho do ACT tem real potencial de impacto sobre os administrados e sobre a forma de atuação dos respectivos órgãos.

É o caso, por exemplo, da formação de ações de investigação conjunta, delimitação de ilícitos relacionados às competências de CGU e Cade e da compatibilização na aplicação de sanções em decisões e soluções negociais, incluindo os efeitos da celebração de acordos de leniência, TCCs e julgamentos antecipados, todos expressos no Plano de Trabalho e tópicos que ainda representam um desafio de previsibilidade e segurança jurídica para investigados e advogados atuantes na área.

Nesse sentido, o acordo de cooperação entre Cade e CGU pode ser analisado sob diversas perspectivas, dentre elas, a de investimento, do Cade, em novas formas de detecção e investigação de condutas, em que a parceria com a CGU faria parte deste esforço.

A origem desse empreendimento do Cade pode ser resultado de um diagnóstico múltiplo, cujo elemento mais evidente é a queda na utilização dos instrumentos de investigação que foram mais relevantes nas últimas décadas: Acordos de Leniência e Termos de Compromisso de Cessação de Conduta. O protagonismo desses instrumentos também fica claro quando se observam os números de outros meios de obtenção de provas. Conforme anuários do Cade, com relação à utilização do instrumento de busca e apreensão, por exemplo, verifica-se que, no ano de 2018, ocorreram quatro operações de busca e apreensão. Nos anos seguintes, de 2019 a 2022, esse número caiu para três, zero em decorrência da pandemia, duas e, novamente, duas operações, respectivamente.

É verdade que a percepção de queda no número de leniências pode ser, no caso brasileiro, em alguma medida falseada pela escalada no número de acordos que surgiram em decorrência da Operação Lava-Jato, considerando que, apenas em 2017, foram celebrados 21 acordos de leniência, aproximadamente 1/5 de todos os acordos já celebrados pelo Cade.

Feita essa ressalva, o declínio das assinaturas de acordos de leniência foi constatado pela OCDE em larga escala, conforme estudo contido no documento The Future of Effective Leniency Programmes: Advancing Detection and Deterrence of Cartels, publicado pela OCDE em junho de 2023. Conclui, também, que a diminuição da assinatura de acordos de leniência pode constituir uma ameaça ao combate a cartéis, especialmente quando as autoridades dependem muito dessa ferramenta de detecção.

Considerando este declínio, a autoridade antitruste brasileira e outras mundo afora são convidadas a melhorar sua capacidade de detecção e de instauração de casos ex officio. Afinal, parece ilusório acreditar que o declínio no número de acordos decorra exclusivamente, ou principalmente, da diminuição das condutas ilícitas. Mais provável que acordos do gênero tenham se sofisticado, e adotem hoje técnicas menos ostensivas (inclusive decorrentes do avanço tecnológico).

Nesse sentido, novamente, parece haver uma percepção geral das autoridades antitruste em diferentes jurisdições de que ferramentas que foram utilizadas com menor intensidade nos últimos anos precisam voltar a ser protagonistas e também que é preciso investir em seu aprimoramento para que que o combate a cartéis se torne mais efetivo, sem descartar, é claro, o surgimento de novos instrumentos.

Exemplo desse fato é a ferramenta de busca e apreensão pela Comissão Europeia e autoridades antitruste da Europa. No último ano, dez operações de busca e apreensão foram realizadas em investigações de cartel, sendo que algumas delas foram o ponto de origem destes casos. No dia 21 de novembro de 2023, por exemplo, a Comissão Europeia realizou busca e apreensão nas instalações de empresas que atuam no setor de pedidos e entregas on-line de alimentos. Inicialmente o escopo da investigação incluía suposta divisão de mercado e, em decorrência da busca e apreensão, o escopo foi aumentado para abranger acordos de no-poach e troca de informações comercialmente sensíveis.

Se em algum momento o Cade dedicou esforços consideráveis à promoção do seu programa de acordos, parece acertada a decisão de uma vez mais voltar sua atenção para velhos conhecidos, como os próprios acordos de cooperação entre autoridades, nacionais e internacionais, e operações de busca e apreensão, mas também investigações de ofício iniciadas a partir de análises econômicas, filtros e testes estatísticos e estudos setoriais. Isto é, ferramentas proativas de detecção de cartéis. Afinal, se os agentes econômicos sofisticam sua atuação, cabe à autoridade concorrencial também investir em melhorias no seu processo de detecção e avaliação das práticas comerciais.

Fato é que saber que o Cade está mais proativo pode, por si só, renovar o interesse dos agentes econômicos nos próprios acordos passíveis de celebração com a autoridade, evitando, assim, o risco de detecção de práticas anticompetitivas sem a oportunidade de gozar dos benefícios advindos das soluções negociais.