Otimização e saúde da organização: a humanização da eficiência

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“A superabundância de informação leva à pobreza da atenção”, já dizia em 1970 o economista Herbert Simon. Algumas décadas depois, aqui estamos hiperconectados e isolados, morando em cavernas, ao mesmo tempo. O conceito de “cavernas digitais” é trazido por Byung-Chul Han em seu livro mais recente, Infocracia, e faz referência a como nós como indivíduos nos isolamos em bolhas de informação e ambientes digitais personalizados, nos expondo constantemente apenas a informações que reforçam nossas próprias crenças e preconceitos, limitando nossa visão de mundo e promovendo um isolamento intelectual.

Han argumenta que esse fenômeno resulta em uma sociedade fragmentada e desinformada, onde o diálogo e a compreensão mútua são prejudicados pela falta de exposição a perspectivas diversas, o que ressoa fortemente no ambiente corporativo atual. A contínua interação digital e a rápida troca de informações traz desafios importantes para o engajamento de times, uma vez que a superficialidade das relações se torna mais do que comum, esperada.

Assim, no contexto dos times corporativos, a hiperconectividade pode resultar em uma desconexão emocional entre os colaboradores. A comunicação incessante através de e-mails, mensagens instantâneas nas mais diversas ferramentas e redes sociais corporativas, pode até ser eficiente em termos de velocidade, porém deixa de lado a profundidade e significado dos relacionamentos, minando a capacidade de formação de vínculos mais sólidos e duradouros entre os membros da equipe. Além disso, a pressão para estar constantemente disponível e responder prontamente às demandas digitais pode resultar em esgotamento e desmotivação.

Nesse cenário, para promover o engajamento efetivo de times – o que é a base para toda e qualquer transformação na cultura corporativa – é essencial olhar para a saúde da organização.

A busca por eficiência, qualidade e inovação exige que as empresas repensem seus modelos de gestão e priorizem o bem-estar de seus colaboradores. Na vanguarda da gestão jurídica moderna, a Corporate Legal Operations Consortium (CLOC) apresenta a “Otimização e Saúde da Organização” como área funcional para as atividades de operações jurídicas. Mais do que um mero conjunto de práticas, essa competência representa a alma da organização, nutrindo o bem-estar dos colaboradores e impulsionando a excelência em todos os níveis.

Ao se dedicar à otimização dos processos e à saúde da organização, o jurídico constrói um ambiente propício para o florescimento individual e coletivo, onde o sucesso individual se entrelaça com o sucesso do negócio como um todo. Isso se traduz em uma equipe que se sente valorizada, respeitada e desafiada, o que tende a aumentar a produtividade, a criatividade e o comprometimento com os objetivos gerais; em processos mais eficientes que garantem a fluidez do trabalho, reduzem custos e aumentam a qualidade da entrega; e em um ambiente de trabalho saudável e seguro. Um estudo publicado pela Harvard Business Review aponta que profissionais satisfeitos são 31% mais produtivos, 85% mais eficientes e 300% (ou três vezes) mais inovadores.

Mas como chegar lá?

A integralidade como pilar fundamental

No livro Reinventando as organizações, Frederic Laloux propõe o conceito de integralidade como base para a construção de empresas mais humanas e sustentáveis. Segundo ele, as organizações precisam operar sob um novo paradigma, devem ir além da mera busca por lucros e abraçar uma visão holística que engloba o bem-estar dos colaboradores, da comunidade e do planeta. A isso ele chamou de organizações “Teal”.

A integralidade, nesse contexto, refere-se à ideia de que os colaboradores podem trazer sua “totalidade” para o ambiente de trabalho, sem a necessidade de esconder ou reprimir partes de suas personalidades. Em muitas organizações tradicionais, existe uma forte separação entre o “eu profissional” e o “eu pessoal”. Em condições estáveis, colaboradores são frequentemente incentivados a deixar de lado suas emoções, vulnerabilidades e aspectos pessoais, apresentando uma versão polida e conformista de si mesmos. Laloux argumenta que essa divisão pode ser prejudicial tanto para os indivíduos quanto para as organizações, pois limita a criatividade, a autenticidade e a profundidade das interações humanas no ambiente de trabalho.

O conceito de integralidade propõe um ambiente onde as pessoas se sintam seguras para serem autênticas, expressando suas emoções e opiniões de maneira genuína, contribuindo assim para um ambiente de trabalho mais colaborativo, inovador e produtivo. Para implementar a integralidade, Laloux destaca algumas práticas comuns em organizações “Teal” como:

Espaços de reflexão e diálogo: Promover reuniões e espaços onde os colaboradores possam compartilhar suas emoções, desafios e insights pessoais. Isso pode incluir práticas de mindfulness, círculos de diálogo e sessões de feedback honesto e construtivo.

Autenticidade nas relações: Incentivar a construção de relacionamentos autênticos e de confiança entre os membros da equipe. Isso envolve a criação de uma cultura onde a vulnerabilidade é vista como uma força, não como uma fraqueza.

Reconhecimento da diversidade humana: Valorizar e respeitar a diversidade de experiências, perspectivas e personalidades dentro da organização. Isso implica em criar políticas e práticas inclusivas que reconheçam e celebrem essa diversidade.

Ambientes físicos e culturais acolhedores: Desenvolver espaços de trabalho que reflitam e apoiem a integralidade. Isso pode incluir desde a disposição física dos escritórios até a promoção de uma cultura organizacional que valorize o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Ao permitir que os colaboradores tragam sua totalidade para o trabalho, as organizações podem acessar um nível mais profundo de criatividade e inovação, essencial para enfrentar os desafios contemporâneos.

Empoderamento do time é motor para o crescimento sustentável

Lendo a pesquisa State of Legal Operations Survey 2021, da Deloitte, dois fatores chamam a atenção: o diminuto contingente de gestores que responderam às perguntas relacionadas a “Otimização e Saúde Organizacional” e o baixo grau de empoderamento dos colaboradores.

Menos da metade dos participantes da pesquisa responderam a perguntas sobre essa competência do legal ops, apenas 48%. Esse é um demonstrativo importante de que ainda não estamos olhando para esse aspecto como deveríamos. Afinal, não há como promover uma mudança cultural sem o envolvimento das pessoas nesse processo. Por consequência, o que vemos ainda é um baixo empoderamento do time.

Quando perguntados se suas organizações envolviam funcionários no desenho do trabalho (processos, fluxos, etc), seis em cada dez dos participantes acreditavam que sim. Porém, em relação à criação de uma visão de mudança, 44% discordaram fortemente ou parcialmente de que trabalhadores de todos os níveis estavam envolvidos na cocriação desse novo momento em suas organizações. Ainda, apenas um terço acreditava estar envolvido, outros não tinham opinião.

Então, uma reflexão importante que consta no relatório é sobre a formação das equipes (não apenas as jurídicas). Com alguma frequência, as equipes são formadas mais por uma necessidade de curto prazo do que por uma visão clara de longo prazo. Assim, temos negligenciado questões como planejamento de carreira, desenvolvimento de habilidades e satisfação no trabalho.

Isso culmina no cenário identificado pela Deloitte, onde 75% dos profissionais acreditam que têm as competências e capacidades para concretizar uma nova estratégia legal ops, mas… apenas 36% acreditam que o atual modelo de recursos do projeto tem as pessoas certas a fazer o trabalho certo.

A necessidade de empoderar cada membro da equipe para que contribua ativamente na construção do futuro da organização é real. É preciso ir além da mera execução de tarefas e abraçar um papel proativo na redefinição de funções, na automação de processos, na análise de dados e na construção da visão estratégica da empresa. E o fio condutor e aglutinador de toda essa movimentação é a comunicação.

A comunicação é condutora e aliada

As mudanças culturais dentro de uma organização exigem um esforço conjunto. A comunicação institucional se torna fundamental para guiar esse processo, garantindo que todos estejam cientes dos novos valores, objetivos e práticas que a empresa deseja implementar, reduzindo a resistência às mudanças e fazendo com que todos se sintam pertencentes à essa nova fase.

A otimização da organização e o bem-estar da equipe não se tratam apenas de metas a serem alcançadas, ou de mais um número na mandala CLOC, mas sim de uma filosofia de gestão que reconhece o valor do ser humano e investe em seu desenvolvimento. A integralidade, o empoderamento, a autogestão e a comunicação clara e constante são os pilares fundamentais para o sucesso de uma nova cultura no jurídico, preferencialmente orientada por dados.

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A opinião do autor não reflete necessariamente a opinião institucional da empresa a qual ele está vinculado atualmente, tampouco do CLOC e CLOC Brasil enquanto organizações