A conversão da Medida Provisória (MP) 1.160/2023 em Lei era muito esperada, pois prometia não apenas benefícios que “compensassem” os contribuintes vencidos pelo voto de qualidade no CARF, mas também alicerçava uma nova cultura no contencioso tributário que considerava e privilegiava os contribuintes com histórico de regularidade fiscal. Mas não foi dessa vez! Esbarramos em interesses meramente arrecadatórios.
Assim, no último dia 20 de setembro, foi publicada a Lei 14.689/2023 que nasceu fruto da conversão da MP 1.160 e de inúmeros vetos presidenciais.
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Em retrospecto, a MP 1.160, além das questões relacionadas ao retorno do voto de qualidade como critério de desempate no CARF, trazia diversas disposições que, como dito, inovavam o processo tributário. Destacamos três delas:
A autorização da garantia de débitos executados por seguro-garantia ou fiança-bancária abarcando apenas o valor principal atualizado da dívida, garantia essa que não poderia ser liquidada antecipadamente ao trânsito em julgado da ação e cujos custos de contratação e manutenção deveriam ser ressarcidos pela Fazenda, caso derrotada na demanda.
As alterações promovidas nos arts. 9º e 39 da Lei 6.830 trariam não apenas uma economia financeira aos contribuintes, liberados de acrescer 30% ao valor atualizado do débito garantido, mas também um desnecessário açodamento do Judiciário com inúmeras demandas sobre temas que vêm sendo decididos favoravelmente aos contribuintes pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual não há previsão em lei para que se oponha exigência mais gravosa ao executado relativa ao acréscimo de 30% na hipótese de garantia de débito por fiança bancária ou seguro garantia que, ademais disso, se prestam a tal função, suspendendo, pois, a exigibilidade desses créditos.
No que se refere especificamente ao ressarcimento, pela Procuradoria, dos custos de contratação e manutenção de garantias, quaisquer que sejam elas, quando vencida em Execução Fiscal, o que pretendia o legislador era apenas tratar com igualdade Fisco e contribuinte.
Os contribuintes que têm créditos inscritos em dívida ativa e que se tornem objeto de execução fiscal sofrem o acréscimo de 20% ao valor devido a título de “encargos legais”, os quais servem para remunerar as atividades da Procuradoria. Os encargos legais são alvo de severas críticas da comunidade jurídica, haja vista a atividade de inscrição de débitos na dívida ativa ser totalmente informatizada, o que exige quase nenhum ou nenhum trabalho intelectual dos Procuradores, sem contar o fato desses Procuradores, que executam uma atividade estatal, já serem remunerados como serventuários públicos, o que afastaria de plano qualquer tipo de “adicional” devido pelos executados.
Portanto, o reembolso das despesas para contratação e manutenção de garantias de débitos objeto de execução fiscal à qual o contribuinte não deu causa, nos termos de decisão final que vier a transitar em julgado é medida que se imporia num cenário de maior equilíbrio nas relações entre Fisco e contribuinte.
No entanto, os vetos vieram sob a justificativa de que “a proposição legislativaReceita contraria o interesse público”. Não seria o interesse arrecadatório? Isso sem mencionar a desídia do Executivo com relação ao desnecessário acesso ao Judiciário a que se veem obrigados os contribuintes para a garantia de seus direitos.
Mais um passo na cultura conciliatória entre Fisco e contribuinte, dessa vez mirando a auto regularização tributária e a manutenção de um bom histórico de regularidade fiscal.
Visando avançar com a cultura conciliatória entre Fisco e contribuinte, que se iniciou com o instituto da transação tributária, a MP 1.160 propunha a disponibilização de métodos de auto regularização para os contribuinte quando verificadas divergências e inconsistências entre as informações prestadas às autoridades fazendárias e a apuração e recolhimento de tributos, não configurando tais medidas início de procedimento administrativo ou de fiscalização, o que, na prática, afastaria a imposição e multa de ofício de, no mínimo, 75%.
A auto regularização prévia ao início de fiscalizações seria uma forma de amplificar os resultados dos esforços que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional vem empreendendo para abrir frentes de diálogo entre fisco e contribuinte. Vantagem para o contribuinte que poderia economizar na multa de 75% do valor devido e se manter conforme pera o Fisco. Vantagem para o Fisco que economizaria recursos tanto na fiscalização quanto na cobrança administrativa e judicial dos créditos tributários.
No entanto, o veto presidencial faz menção expressa ao fato de que a adoção de mecanismos de auto regularização “poderia implicar redução da arrecadação espontânea, incentivo à postergação do pagamento de tributos e redução da eficácia de programas de conformidade”.
A cultura arrecadatória que ainda permeia o Poder Executivo não conseguiu jogar luz sobre o fato de que mecanismos de auto regularização são complementares, e, portanto, não suplantam, os programas de conformidade já lançados pelos Governos! Não reduz a arrecadação, pois, além ir ao seu encontro, reduz os custos (despesas) para sua efetivação.
A possibilidade de redução da multa de ofício em pelo menos 1/3, podendo alcançar sua relevação total, e de multa de mora em pelo menos 50% quando verificado o bom histórico de regularidade fiscal do sujeito passivo. A redução da multa de ofício também poderia ocorrer nos casos de erro escusável do contribuinte, divergência na interpretação da legislação ou de ação do contribuinte de acordo com as práticas reiteradas da Administração ou do seu segmento de mercado.
No cenário de autuação do contribuinte, a MP previa a possibilidade de redução da multa de ofício em pelo menos 1/3 (podendo chegar ao seu cancelamento integral) e de multa de mora em pelo menos 50% quando verificado o bom histórico de regularidade fiscal do sujeito passivo ou a sua atuação de boa-fé perante a Administração, seja porque cometeu um erro escusável, seja porque havia importante e conhecida divergência na interpretação da legislação ou ainda porque estava de acordo com as práticas reiteradas de um mercado, por exemplo disruptivo, ainda não regulado pelos entes fazendários.
Essas são situações nas quais esbarramos diariamente. Portanto, o Executivo assumir ser necessário diferenciar o não pagamento deliberado de tributos de situações em que o contribuinte se pautou, por exemplo, em uma prática reiterada da própria Administração, é primar pela construção de um ambiente de não apenas mais diálogo entre Fisco e contribuinte, mas também de maior segurança, o que, de certo, impacta não apenas as relações domésticas, como também impulsionariam os investimentos internacionais em nosso país.
No entanto, os possíveis positivos impulsos a um melhor ambiente fiscal e de negócios no Brasil foram freados sob o argumento de insegurança jurídica no que diz respeito à redação da MP e, mais uma vez, na suposta falta de interesse público na adoção dessas medidas.
Cabe a pergunta: o que sobrou da MP 1.160?
No que se refere especificamente ao contencioso tributário, sobrou na redação da Lei nº 14.689/2023 o esqueleto de um Programa de Conformidade junto à Receita Federal do Brasil que traz aos contribuintes que comprovarem histórico de regularidade fiscal benefícios um tanto quanto subjetivos, como orientação tributária e aduaneira prévia, não aplicação de eventual penalidade administrativa, concessão de prazo para recolhimento de tributo sem multa, prioridade na análise de processos administrativos, incluindo aqueles de ressarcimento, restituição e compensação, além de prioridade no atendimento presencial ou virtual junto às repartições fazendárias.
Não é de todo mal num cenário em que processos de restituição de tributos levam anos para serem analisados ou em que inconsistências sistêmicas pode levar ao não recolhimento ou ao recolhimento a menor tributos. Essas são situações em que contribuintes que comprovem seu bom histórico de regularidade fiscal poderão ser beneficiados pela priorização da análise de seus requerimentos de restituição ou pela concessão de prazo para regularização fiscal sem multa.
Essas disposições que ainda dependem de regulamentação. Torcemos para que não sejam ilegalmente mitigadas as parcas conquistas dos contribuintes!