Os mares desconhecidos da mineração

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Em janeiro deste ano, o parlamento da Noruega (Stortinget) aprovou, por larga maioria, a proposta do governo norueguês de pesquisa mineral na plataforma continental do país. De acordo com a decisão, o governo poderá emitir licenças para que empresas e outros interessados pesquisem aproximadamente 281 mil quilômetros quadrados do fundo do mar.

A proposta foi apresentada em junho de 2023 e contempla a abertura de uma área de tamanho equivalente ao Reino Unido para mineração em leitos marinhos profundos. Em dezembro do mesmo ano, governo e oposição acordaram que seria iniciada uma fase com foco na pesquisa, através do recolhimento de dados ambientais e geológicos.

A principal justificativa para a decisão é a transição energética, uma vez que o leito marinho abriga uma infinidade de rochas (crostas e nódulos) ricas em minerais críticos, também conhecidos como terras raras, expressão que designa os 15 lantanídeos da tabela periódica e outros dois elementos relacionados, o escândio e o ítrio, minerais que devem esta nomenclatura ao fato de serem normalmente encontrados em associação com outros minérios, o que torna mais complexa sua extração.

Os minerais de terras raras são de grande importância para a transição energética, em diversas aplicações, em decorrência de suas propriedades únicas. Por exemplo, na indústria de energia renovável, os minerais de terras raras são utilizados em turbinas eólicas, motores elétricos e sistemas de energia solar. Também são utilizados na fabricação de baterias recarregáveis e catalisadores automotivos, de modo a impulsionar a mobilidade elétrica e, consequentemente, reduzir a emissão de gases poluentes.

A mencionada aprovação do parlamento norueguês se limita à pesquisa mineral, visando a determinar se os tais minerais críticos podem ser extraídos do fundo do mar norueguês de forma lucrativa e em conformidade com os compromissos firmados pela Noruega a nível internacional. A mineração comercial, ou seja, em larga escala, dependerá de uma nova aprovação pelo Stortinget.

De acordo com a revista Nature[1], a aprovação frustrou cientistas e ambientalistas, que estavam esperançosos de ver implementadas as metas estabelecidas por 14 países, responsáveis por 40% da zona costeira do mundo, que, sob a copresidência de Palau e da própria Noruega e por ocasião do Painel de Alto Nível para uma Economia Oceânica Sustentável, comprometeram-se a gerir de forma sustentável suas zonas econômicas exclusivas (ZEEs). É justamente nessa zona que se encontra a área objeto da pesquisa mineral autorizada pelo parlamento norueguês.

A ZEE é um conceito atualmente estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, ocorrida na Jamaica em 1982, e encontra-se em vigor no Brasil desde 1994, por força do Decreto 1.530/1995. Essas áreas englobam a Zona Contígua do mar de determinado país e se estende por até 200 milhas náuticas (cerca de 370,4 quilômetros) contadas das linhas de base a partir das quais se mede a extensão do Mar Territorial.

Na ZEE, o Estado costeiro detém os direitos de soberania para fins de aproveitamento e conservação de recursos naturais, vivos ou não vivos, do leito do mar, de seu subsolo e das águas sobrejacentes. Vale destacar que se a plataforma continental de determinado país ultrapassar as 200 milhas náuticas da ZEE, esse país pode pleitear sua extensão até o limite de 350 milhas náuticas, repercutindo no aumento de sua ZEE.

Quando os limites mencionados são ultrapassados, a Convenção confere à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority, ou ISA) a competência para regular a exploração de recursos em águas internacionais. Os regulamentos e procedimentos da ISA são estabelecidos em circunstâncias específicas ou quando um país propõe um plano de trabalho para a exploração mineral.

A partir da solicitação feita por um país, a ISA possui dois anos para examinar o plano. Ultrapassado esse prazo o Acordo de 1994 das Nações Unidas (Acordo Relativo à Implementação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar) prevê que o órgão deverá aprovar provisoriamente o plano de trabalho apresentado.

Contudo, nesse ponto, reside uma importante questão. Em 2021, a Ilha de Nauru (“patrocinador” da Nauru Ocean Resources Inc., subsidiária da multinacional canadense The Metals Company) protocolou junto à ISA um pedido de licença comercial para iniciar pesquisa/lavra mineral no fundo do mar em águas internacionais, que deveria ser analisado em até dois anos, prazo que não foi observado pelo órgão internacional, encerrado em 9 de julho de 2023.

O Brasil, juntamente com países como o Canadá, França e Chile, defende uma pausa preventiva (moratória) da pesquisa mineral no fundo do mar em águas internacionais, por um prazo máximo de dez anos, devido às inúmeras incertezas acerca dos possíveis impactos ambientais relacionados à atividade.

Importante destacar que, desde 1997, o país conta com o Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental Jurídica Brasileira (Remplac), cujo objetivo é a avaliação desse potencial em áreas situadas na plataforma continental brasileira.

Em 2009, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm) institui o Programa de Prospecção e Exploração de Recursos Minerais na Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial (Proarea), com o objetivo, dentre outros, de:

promover a coleta de dados para subsidiar futuras requisições brasileiras de áreas de prospecção e exploração mineral junto à ISA; e
de obter informações técnicas, econômicas e ambientais necessárias para que empresas, públicas e privadas, e órgãos governamentais possam desenvolver atividades de exploração mineral e gestão ambiental na área internacional do Atlântico Sul e Equatorial.

O Proarea gerou quatro projetos, dentre os quais um de avaliação de depósitos de crostas cobaltíferas da Elevação do Rio Grande (ERG), conduzido pela Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Recentemente, um estudo[2] liderado por pesquisadores do Instituto de Oceanografia da USP e da Universidade de Southampton revelou que a ERG foi uma gigantesca ilha tropical próxima ao Brasil, rica em minérios como cobalto, níquel, platina, manganês e terras raras.

Aliás, em fevereiro de 2014, devido à localização da área em águas internacionais, o Serviço Geológico do Brasil apresentou à ISA a proposta de trabalho para pesquisa/lavra de cobalto na ERG. No mesmo ano, durante a sessão anual do Conselho da ISA, a proposta brasileira foi aprovada, tendo sido celebrado, em 2015, o Contrato de Exploração da área, que assegura ao Brasil direito exclusivo de aproveitamento por quinze anos, encerrando-se em novembro de 2030.

Posteriormente, em janeiro de 2022, o Serviço Geológico do Brasil notificou o órgão para o encerramento do contrato. A rescisão ocorreu em função da submissão do pedido de extensão da Plataforma Continental Brasileira, apresentada pelo Estado Brasileiro à Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, o qual, caso aceito, incluiria as áreas abrangidas pela ERG na Amazônia Azul (ZEE brasileira) e conferiria soberania e exclusividade ao país sobre a exploração dos recursos minerais e outras riquezas ali localizadas.

O pleito do Brasil argumenta que, embora muito além das 200 milhas náuticas (aproximadamente 370 quilômetros) da ZEE, a ERG seria uma extensão de sua plataforma continental[3].

Em águas nacionais, na Amazônia Azul, a Agência Nacional de Mineração (ANM) já autorizou a mineração de substâncias como a areia e o calcário de origem marinha, substância bastante utilizada na produção de fertilizantes e na nutrição animal. Os dados do Sistema de Informações Geográficas da Mineração[4] também revelam inúmeros projetos de aproveitamento de fosfato na costa brasileira em fase de autorização de pesquisa, de titularidade de empresas e indivíduos.

Do mesmo modo que nos projetos tradicionais, desenvolvidos no continente, o aproveitamento de minerais oceânicos depende da outorga de alvará de autorização de pesquisa e de concessão de lavra. Embora tenhamos no Brasil projetos já em fase de concessão de lavra, é fundamental ressaltar que a legislação minerária que disciplina a pesquisa e lavra não faz qualquer distinção entre áreas terrestres e áreas submarinas, o que permite concluir que a ANM não levou em consideração, para fins de outorga dos títulos minerais, as especificidades da mineração no fundo do mar, utilizando a legislação aplicável aos empreendimentos terrestres.

O fato é que desde suas zonas costeiras ao mar profundo, o oceano representa um novo mundo a ser descoberto e simultaneamente protegido. Assim, é importante que os novos empreendimentos que avançam nesse desconhecido universo sejam regulados por normas tão inovadoras quanto a atividade em si, o que é essencial para assegurar o uso responsável dos recursos minerais oceânicos e minimizar os danos ambientais ao ecossistema marinho.

[1] Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-024-00104-w

[2] Disponível em: https://agencia.fapesp.br/estudo-revela-que-elevacao-do-rio-grande-era-gigantesca-ilha-tropical-proxima-ao-brasil-e-rica-em-minerio/50249

[3] Conforme o Art. 76 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a plataforma continental pode atingir uma distância que não exceda 350 milhas náuticas da linha de base. Contudo, caso existam elevações submarinas que sejam prolongamentos naturais da plataforma continental, o estado costeiro poderá pleitear junto à ONU a extensão, aumentando, consequentemente, sua Zona Econômica Exclusiva.

[4] Disponível em: https://geo.anm.gov.br