Desde setembro deste ano, o TCU sinalizou para uma evolução jurisprudencial. Nos recentes Acórdãos 1.835/2024 e 1.866/2024, ambos de relatoria do ministro Benjamin Zymler, bem como no 2.008/2024, do relator ministro Antonio Anastasia, a corte entendeu que o débito a ser por ela imputado deveria considerar a extensão da culpa dos responsáveis, nos termos do parágrafo único art. 944 do Código Civil.
Na verdade, trata-se de uma fase de experimentalismo dentro do próprio tribunal. Isso fica claro do Acórdão 1.835/2024, que determinou à Secretaria Geral de Controle Externo que acompanhe, nos 12 meses subsequentes, a aplicação do parágrafo único do art. 944 nos acórdãos do TCU. Após isso, com base na jurisprudência então formada, propor-se-ão critérios objetivos para se fazer a correlação entre culpa e ressarcimento.
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Embora o assunto não seja pacífico no Direito Civil, as discussões no Tribunal de Contas, em verdade, estão mais atrasadas e podem, portanto, em muito se beneficiar dos mais de 20 anos de estudos da civilística sobre o referido dispositivo.
Um ponto, especificamente, deve ser objeto de melhor reflexão: os graus de culpa.
O ministro Walton Alencar Rodrigues, no Acórdão 1.835/2024, suscita que o enunciado normativo discutido tomaria por base a desproporção entre a culpa e o dano causado, em nada interessando ao julgador o patrimônio pessoal do ofensor. Já o ministro Benjamin Zymler apontou que a redução da dívida deve levar em conta aspectos pessoais do responsável, como a sua capacidade de pagamento. Ambos, no entanto, parecem partir de premissa que exclui a culpa grave ou dolo das hipóteses de redução.
Por sua vez, o ministro Jorge Oliveira defende que a aplicação ocorrerá em qualquer grau de culpa, de modo que o TCU deveria afastar completamente a responsabilidade pelo prejuízo ao Erário do responsável que atuar mediante culpa levíssima e, nos casos das culpas leve ou grave (ou erro grosseiro), a Corte de Contas poderia, equitativamente, reduzir em percentual maior que 0% e menor que 100% (0% < redução do débito < 100%).
No entanto, há muito o Direito Civil abandonou a apuração dos graus de culpa. A regra é de que a indenização é medida pela extensão do dano, mesmo que causado com dolo de máxima intensidade ou culpa levíssima. A redução da indenização decorre da ausência de nexo causal direto e imediato entre a conduta do agente e a parcela desproporcional do dano causado. O elemento sob análise não é a culpa ou razões subjetivas, mas o nexo causal.
Essa posição, inclusive, fez-se refletir no relatório final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela atualização do Código Civil. Consta do projetado Art. 944, parágrafo único:
Se houver excessiva desproporção entre a conduta praticada pelo agente e a extensão do dano dela decorrente, segundo os ditames da boa-fé e da razoabilidade ou se a indenização prevista neste artigo privar do necessário o ofensor ou as pessoas que dele dependam, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização, tanto em caso de responsabilidade objetiva quanto subjetiva.
Essa distinção é essencial, uma vez que, em nosso entender, mesmo nos casos em que haja o recebimento de propina – e, portanto, o componente doloso mostre-se acentuado –, seria possível a adequação da reparação, a fim de se assegurar uma proporcionalidade. O elemento da equidade seria mais relevante, a fim de dosar o ressarcimento, já que o dano, por envolver diversos fatores, pode tornar-se em um montante muito superior ao proveito obtido a partir da ilicitude e da capacidade de pagamento do agente.
O fundamento do ressarcimento integral, em verdade, é de ordem suprapositiva, calcado na justiça corretiva desenvolvida por Aristóteles em sua Ética a Nicômaco. O artigo 944, parágrafo único contempla um limite ao princípio da reparação integral. Permite superar esse dogma, considerando a necessária ponderação para a justiça do caso concreto, especialmente à luz do primado da dignidade humana da parte autora da infração.
Assim, a discussão do TCU, ainda precisa amadurecer e, para tanto, deve considerar a evolução da civilística. Devemos avançar para que o Tribunal de Contas perceba que, para a redução da imputação, não importa tanto o grau de culpa, inclusive dolo, mas sim o nexo causal entre a conduta e o dano provocado. É possível abandonar a reparação integral, especialmente quando há outro elemento de justiça envolvido como a manutenção da dignidade do ofensor.