A emergência climática global tem devastado cidades, destruído lavouras, aumentado a sensação de calor, alterado o regime de chuvas, ameaçado a sobrevivência humana. Um desafio invisível, porém, já se torna uma preocupação mundial: o fenômeno de deslocamentos e migração, impulsionado por fatores climáticos adversos.
A palavra migração, via de regra, está associada a deslocamento, em geral, interno, e um movimento involuntário de indivíduos ou grupos pelas razões de conflito armado, violência ou desastres naturais.
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já identificou mais de 1,5 milhão de pessoas que tiveram sua vida afetada e, muitas delas, foram obrigadas a abandonar suas casas – para sempre. É uma crise sem precedentes.
A migração induzida pelo clima pode ser tanto voluntária quanto forçada, refletindo uma gama complexa de impulsionadores, incluindo a deterioração dos meios de subsistência, a perda de recursos naturais e a degradação do ambiente.
Um aspecto que não pode ser ignorado é que o dano é permanente e irreversível e, até mesmo, para o patrimônio cultural. Por exemplo, para as populações indígenas e comunidades tradicionais, a migração forçada representa não apenas a perda de território, mas também o desaparecimento de modos de vida e sistemas de conhecimento ancestrais.
Na Amazônia, esses desafios são exacerbados pela rápida destruição dos ecossistemas, com impactos devastadores na segurança alimentar, na saúde e na coesão social das comunidades locais. Em 2018, foi feita uma projeção de que se atingiria o ponto de não retorno ecológico da floresta amazônica, baseada nas secas passadas, até 2030. Mas, infelizmente, essas previsões estão se materializando antecipadamente agora, o que significa que o tipping point ecológico da região, do ponto de vista social, já chegou.
Um aspecto fundamental a ser considerado é a dimensão de gênero dos deslocamentos e da migração relacionada à mudança climática. Mulheres, crianças e idosos muitas vezes enfrentam desafios únicos e desproporcionais, permanecendo nos territórios de origem devido a uma série de fatores, incluindo responsabilidades familiares, limitações de mobilidade e falta de recursos e capacidades.
Por regra, os homens são os que saem para buscar recursos, mas em muitos casos não voltam. Esta disparidade de gênero na migração destaca a necessidade urgente de políticas de adaptação sensíveis ao gênero e de intervenções que abordem as necessidades específicas das populações mais vulneráveis.
Estamos numa nova fase na questão migratória: a era da mobilidade, seja ela voluntária ou involuntária. Embora o Brasil esteja em posição privilegiada por ter uma matriz energética menos poluente pelo uso de hidrelétricas, o país ainda patina quanto à evolução do Plano Nacional de Adaptação. O Brasil se encontra em posição tão atrasada que se compara a países menos desenvolvidos.
Por outro lado, o aspecto de imobilidade, ou seja, a incapacidade de se deslocar e/ou migrar mesmo almejando fazê-lo, agrava o cenário de vulnerabilidade e da desigualdade social. Precisamos alavancar para ontem os planos emergenciais e de adaptação em todas as cidades brasileiras. Instrumentos, protocolos e plataformas estão disponíveis. Precisamos também estar preparados para uma pronta resposta. A tecnologia pode ser uma aliada. Atualmente não temos sequer um sistema de alarme precoce para a Amazônia que esteja atrelado às estações que são hídricas na região.
A academia brasileira é muito robusta, as parcerias internacionais são necessárias. O que a gente tenta fazer com as estratégias de adaptação é evitar que essas perdas sejam irreparáveis e irreversíveis.
Em última análise, a migração induzida pelo clima na Amazônia não é apenas uma questão ambiental, mas também de justiça social e direitos humanos. À medida que o mundo enfrenta os desafios da mudança climática, é essencial que reconheçamos e abordemos os desafios invisíveis enfrentados pelas comunidades mais afetadas, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e suas necessidades sejam atendidas em qualquer estratégia de adaptação futura.