Para a estreia desta coluna, escolhi uma abordagem sobre a atualidade da Lei Geral de Concessões, que completa 30 anos neste ano. Editada em 1995, esta legislação foi um marco muito importante para possibilitar o desenvolvimento de uma política pública voltada a atrair o investimento privado para empreendimentos e serviços públicos.
Na sua esteira, vieram as agências reguladoras, leis setoriais e normas de regulação voltadas a criar um ambiente jurídico e regulatório propício para o desenvolvimento de contratos de longo prazo.
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A partir disso, o programa brasileiro de concessões cresceu ao longo dos anos, tornando-se um dos maiores do mundo e uma peça-chave para o desenvolvimento da infraestrutura brasileira. Afinal, em tempos de restrição fiscal, é o investimento privado e não o público o catalisador do investimento em infraestrutura.
O próprio PAC, na sua nova edição, tem nas concessões o seu eixo mais importante de investimento em obras e serviços públicos. Atualmente, apenas em estruturação no âmbito do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), há mais de 180 grandes projetos de concessão e de PPP.
Boa parte dos estados e municípios também tem optado por contratos desta natureza para executar obras e ampliar a prestação de serviços em setores como rodovias, saneamento, mobilidade urbana, escolas e hospitais públicos, para dar alguns exemplos.
Mas as modelagens dos contratos e o arcabouço regulatório das concessões e PPPs se sofisticaram muito ao longo dos últimos 10, 15 anos. Novos mecanismos contratuais e regulatórios surgiram e, com eles, novas controvérsias jurídicas se instalaram.
A Lei Geral de Concessões, de perfil minimalista, foi se tornando cada vez menos capaz de oferecer respostas para os dilemas subjacentes às inovações regulatórias e contratuais que brotavam da prática desses contratos. É verdade que algumas atualizações legislativas importantes foram implementadas neste período. Um marco importante foi a edição da Lei de PPPs, em 2004, que trouxe novas diretrizes interpretativas para a própria legislação de concessões. Mas a evolução impressionante da prática das concessões foi tornando a Lei Geral de Concessões insuficiente para respaldá-la.
É certo que o minimalismo da legislação não é necessariamente algo indesejado. Uma legislação de caráter mais conceitual combinaria bem com contratos densos e dotados de uma regulação mais avançada. Na experiência brasileira, contudo, os diversos dilemas jurídicos que surgiam das novas práticas contratuais foram sendo resolvidos por interpretações de caráter controlador e formalista, definidas pelos órgãos de controle, como os tribunais de contas.
O minimalismo da legislação de concessões abriu espaço para o maximalismo do controle. Como resultado, diversas soluções contratuais foram restringidas ou eliminadas a partir de uma visão ortodoxa dos órgãos de controle. Um exemplo está na adoção do verificador independente para mensurar o atingimento de indicadores de desempenho pelos concessionários.
O TCU chegou a censurar a solução, admitindo-a posteriormente, embora com uma série de limitações. Assim tem se passado com diversos temas importantes dos contratos de concessão e de PPP. A questão se relaciona com a invasão pelo controlador dos espaços decisórios reservados ao regulador e ao gestor público, algo que a legislação deveria demarcar com maior precisão.
Não há dúvida sobre a qualidade técnica da nossa Lei Geral de Concessões, que funcionou historicamente para respaldar o crescimento estruturado do programa brasileiro de concessões. Mas é preciso atualizá-la e suplementá-la para recepcionar os novos temas da concessão.
Tramita no Congresso Nacional um projeto legislativo que pretende cumprir essa missão, de relatoria do deputado Arnaldo Jardim. Muitas das atualizações propostas neste projeto podem ser importantes para endereçar dilemas mal resolvidos, recepcionar novos mecanismos contratuais e regulatórios e demarcar melhor as competências do controle.
É verdade que não precisamos de alterações profundas ou estruturais no tratamento das concessões, pois muito da segurança jurídica que temos em relação a esses contratos decorre da consolidação de entendimentos construído ao longo dos anos a partir do conteúdo desta lei. Mas não devemos subestimar a importância de sua atualização.
Nunca o programa de concessões adquiriu tanto protagonismo como na atualidade. Nos últimos anos, o Brasil concentrou o maior volume de leilões de novas contratações de concessão e de PPP. Os próximos 30 anos reservam muitos desafios relacionados à execução destes contratos. Tenho para mim que a modernização da legislação contribuirá para uma gestão eficiente e menos litigiosa de todos estes empreendimentos.