A data da assinatura da Convenção da Organizações das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) deu origem à comemoração anual do Dia Internacional contra a Corrupção, em 9 de dezembro. Este ano, representa, ainda, um importante marco na história da convenção, já que ela completa 20 anos. Oportunidade, portanto, para refletir sobre o seu papel na luta contra a corrupção e, especialmente, sobre o seu potencial (ainda) não realizado na promoção da transparência e da integridade no financiamento de partidos políticos e candidaturas.
O Brasil foi um dos primeiros signatários da UNCAC e a ratificou por meio do Decreto 5.687, de 2006. Este tratado internacional parece, hoje, prever algumas medidas óbvias, como a necessidade de que Estados criminalizem atos de corrupção e lavagem de dinheiro. Não era este o cenário em 2003, quando foi celebrado. Hoje, contando com 190 países signatários, a UNCAC não só consiste em uma norma de aplicação universal, que possibilita a cooperação e promove a assistência técnica entre Estados, mas também estrutura o principal fórum de discussão oficial para o avanço de políticas e práticas anticorrupção no mundo.
A UNCAC, no entanto, não realizou sua promessa em relação a um tema central para o combate à corrupção: o financiamento da política. A convenção recomenda, em seu art. 7.3, que os Estados-membros adotem medidas legislativas e administrativas apropriadas para aumentar a transparência relativa ao financiamento de candidaturas a cargos públicos eletivos e de partidos políticos.
No entanto, os documentos que instruem países sobre a sua implementação – o Guia Legislativo e o Guia Técnico produzidos pelo UNODC – não oferecem informações mais detalhadas sobre as medidas que poderiam (e deveriam) ser adotadas para que os Estados signatários avancem na promoção da integridade e transparência no financiamento político. A falta de detalhamento sobre quais medidas efetivamente deveriam ser adotadas prejudica a capacidade de o mecanismo de revisão da implementação da UNCAC apontar deficiências nas legislações nacionais e recomendações para supri-las.
Outra evidência dessa deficiência é que, nos últimos 20 anos, nenhuma resolução foi adotada sobre este tema pelas conferências de Estados-partes da UNCAC, que ocorrem a cada dois anos. Houve um esforço concentrado por parte de mais de cem organizações da sociedade civil de todo o mundo, incluindo da Transparência Internacional Brasil, para que fosse pautada uma resolução sobre o tema na 10ª Conferência dos Estados-partes, que ocorre esta semana, em Atlanta (Estados Unidos). Sem sucesso. Mais uma vez, países resistiram aos esforços de melhor regular as relações entre dinheiro e política.
Os inúmeros riscos nestas relações já se materializaram em escândalos de corrupção dos mais diversos no Brasil e no mundo. Financiamento ilícito de campanhas, gastos de campanha excessivos e extravagantes, compra de votos e doações eleitorais como pagamentos em troca de benefícios para empresas e empresários/as são alguns exemplos.
Os efeitos negativos destes esquemas de corrupção envolvendo o financiamento da política são igualmente diversos. Solapam a igualdade de condições entre candidaturas, prejudicam a legitimidade dos processos eleitorais e ameaçam as bases da democracia. Prejudicam, ainda, a prestação de serviços públicos e a efetividade de políticas públicas, conforme ambos se tornam moedas de troca entre candidatos/as e empresários/as interessados em capturar o Estado em seu benefício próprio.
O financiamento público de partidos políticos e campanhas eleitorais não elimina os riscos de corrupção, como o Brasil vem evidenciando ao longo dos últimos anos. Desde a proibição de doações corporativas pelo Supremo Tribunal Federal, em 2015, o Congresso Nacional se empenhou, ano após ano, em ampliar os recursos públicos destinados a partidos e campanhas. A justificativa era a necessidade de compensar as perdas com aquela decisão. No entanto, o incremento bilionário do Fundo Eleitoral não foi acompanhado de exigências ou obrigações de transparência e integridade, que seriam compatíveis com a origem predominantemente pública dos recursos usados em eleições.
Além de repetidos escândalos com gastos extravagantes com estes recursos públicos, o cenário atual demanda atenção também com relação à distribuição interna dos recursos recebidos por partidos. A ausência de critérios claros e legitimidade democrática para essas decisões têm gerado reiteradas críticas, especialmente com relação à perpetuação de barreiras que impedem a ascensão de grupos marginalizados
Práticas diversas, como candidaturas laranja, adotadas por campanhas e partidos políticos consistem, na prática, em fraudes às políticas afirmativas para mulheres e negros/as. São praticadas por partidos de todo o espectro político e evidenciam como a corrupção aprofunda desigualdades e prejudica desproporcionalmente os mais vulneráveis. Os esforços recentes para anistiar partidos e candidaturas que praticaram estas fraudes e/ou se beneficiaram delas demonstram que a impunidade é o motor da desigualdade.
O cenário nacional aponta, portanto, para a necessidade de reformas profundas – no sentido contrário daquele proposto pela chamada “minirreforma eleitoral”. Mais transparência, integridade e democracia nos partidos políticos são essenciais para reduzir os riscos de corrupção e fortalecer a democracia brasileira. A UNCAC poderia, assim, servir de vetor positivo na promoção destas reformas não só no Brasil, mas também no restante do mundo.