São Paulo, outubro de 2023 – Em 1º de janeiro de 2024[1] começa uma nova era para muitas organizações brasileiras. Isso porque no ano que vem entra em vigor a nova legislação de preços de transferência no Brasil. A medida, que alinha as regras nacionais às normas praticadas pelos países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), abre portas para o mercado internacional e traz mais confiança aos investidores. É importante que os gestores entendam esse movimento e, desde já, se preparem para operar sob o novo cenário. São vários os desafios enfrentados pelas empresas para sua adequação, podendo ser necessário redesenhar operações, rever preços, repensar políticas internas e estabelecer novos contratos e novas documentações. Portanto, para além do âmbito tributário, é esperado que as novas normas tragam reflexos para o negócio das empresas, podendo impactar os resultados financeiros, fluxo de caixa e, principalmente, as transações de comércio exterior.
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Sancionada sem vetos no dia 15 de junho de 2023, a Lei 14.596 tem origem na Medida Provisória 1.152 publicada no final de 2022, e altera as regras aplicáveis ao controle dos preços praticados em transações entre empresas relacionadas, sediadas em diferentes jurisdições tributárias, e em transações as quais uma das partes se encontre sediada em paraíso fiscal ou jurisdição que lhe permita ser beneficiária de regime fiscal privilegiado. Obrigatória para 2024, a nova legislação pode ser adotada antecipadamente pelos contribuintes ainda em 2023, bastando formalizar esta opção através do Portal e-CAC da Receita Federal.
Dentre outros aspectos importantes, a nova Lei incorpora o chamado princípio Arm’s Length, conceito adotado internacionalmente o qual determina que as transações entre partes relacionadas sejam realizadas de acordo com os termos que seriam estabelecidos entre partes independentes atuando no mercado. Ademais, as novas regras passam a prever a documentação de preços de transferência em três níveis, já proposta pela OCDE no âmbito do BEPS (acrônimo para “Base Erosion and Profit Shifting”), passando a ser composta pelos chamados Master File, Local File, além da já implementada Declaração País-a-País.
A nova legislação coloca o Brasil em um patamar alinhado às principais economias do mundo. Além de aumentar a confiança dos investidores no país, a medida permitirá a inclusão do Brasil no contexto das políticas globais dos Grupos Multinacionais, mas o impacto nas organizações não será uniforme. Dependendo do tipo de operação realizada pela empresa, é possível que ocorra alteração na carga tributária global, inclusive, no modelo de negócios. Assim, é fundamental um plano de transição adequado.
Cientes das modificações, algumas empresas já iniciaram a adequação às novas normas, avaliando as principais alterações necessárias e estudando os possíveis efeitos da adoção antecipada em 2023.
Um adequado diagnóstico permite a estimativa dos impactos da nova legislação, indicação de eventuais alterações que podem ser necessárias às operações, revisão dos termos de contratos e demais acordos intercompany, e impactos de uma possível reestruturação de negócios. Lembramos que a nova legislação alcança as operações intragrupo de forma abrangente, incluindo transações com bens tangíveis, intangíveis, financeiras, de serviços, acordos de compartilhamento de custos, entre outras que possam ser identificadas e delineadas.
Análises como esta, também possibilitam a identificação de possíveis anomalias que podem ser recorrentes envolvendo as entidades brasileiras, como o caso de políticas intercompany que não refletem apropriadamente a realidade das atividades da empresa brasileira, a caracterização inadequada das funções realizadas, existência de transações não mapeadas ou não remuneradas, compartilhamentos gerenciais de custos, e a ausência de uma análise compreensiva das transações em que a entidade brasileira participa.
A recente publicação da Instrução Normativa 2.161 de 28 de setembro de 2023, além de regulamentar a Lei 14.596/23, postergou a data limite para a opção pela adoção antecipada da nova legislação para 2023, estendendo-a até 31 de dezembro, oferecendo maior tempo para que os contribuintes possam estimar os potenciais impactos da adoção da nova legislação e endereçar possíveis pontos inaderentes.
Adicionalmente, o normativo trouxe maiores esclarecimentos referentes à aplicação dos métodos disponíveis, à realização de ajustes de comparabilidade e principais aspectos referentes à análise funcional. A IN também estabeleceu limites mínimos para a obrigatoriedade de apresentação da documentação já mencionada, além da possibilidade de elaboração de uma documentação simplificada para os contribuintes cujas operações controladas totais sejam inferiores a R$ 500 milhões. Adicionalmente, trouxe esclarecimentos sobre a documentação a ser elaborada, utilização de documentação suporte em idioma estrangeiro, prazos de entrega das obrigações e penalidades aplicáveis.
Além da análise proativa dos principais efeitos que as novas regras trarão, se tornou relevante a discussão sobre ferramentas e controles necessários para a adequada governança das operações no novo modelo. Neste sentido, o uso de tecnologia e ferramentas de BI (Business Intelligence) são fundamentais para maior visibilidade e gestão adequada dos resultados das operações intercompany.
Se tratando de uma transformação que irá interferir diretamente no modo de fazer negócio das multinacionais situadas no Brasil, fica evidente a necessidade de ações proativas das empresas para que estejam preparadas para encarar este novo e desafiador ambiente.
[1] Ainda que a obrigatoriedade esteja prevista para 2024, é possível para os contribuintes a opção pela adoção antecipada para 2023.