A operação policial que parou o Rio de Janeiro nesta terça-feira (28/10) ganhou rapidamente contornos políticos, depois que o governador Cláudio Castro (PL) acusou o governo Lula de omissão após pedidos de ajuda às forças policiais do estado feitos por ele a Brasília. A contragosto, o Palácio do Planalto foi dragado para o centro da crise provocada pela operação mais letal já realizada no estado e precisou se mexer. Enquanto o presidente voava da Malásia para o Brasil, o vice Geraldo Alckmin convocou uma reunião de emergência com os ministros Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Sidônio Palmeira (Secom) para discutir o que fazer.
Até o meio da tarde, o governo ainda não havia sentido o impacto da operação, e buscava “despolitizar” o tema. Mas a presença de Sidônio na reunião, no início da noite, é sintomática da grande repercussão negativa do episódio, que ocorre dias depois de o presidente Lula ter afirmado que “traficantes também são vítimas de usuários”. O tema já é historicamente espinhoso para a esquerda, vista pela população em geral como permissiva demais com a criminalidade, em contraposição à linha-dura representada pelo bolsonarismo e a direita em geral.
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Ficou decidido na reunião que uma comitiva formada por Rui Costa, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o diretor-executivo da Polícia Federal, William Murad, será enviada ao Rio. Na capital fluminense, o trio deve se reunir com Cláudio Castro para discutir a situação. Em nota, o Planalto informou que, “durante a reunião, as forças policiais e militares federais reiteraram que não houve qualquer consulta ou pedido de apoio, por parte do governo estadual do Rio de Janeiro, para realização da operação”.
Na reunião também foram debatidas medidas legislativas na área de segurança pública, segundo fontes. Uma delas é o PL Antifacção, enviado na semana passada por Lewandowski à Casa Civil. O texto, segundo fontes, está sob análise da Advocacia-Geral da União (AGU), mas pode ter seu rito acelerado dentro do governo para envio ao Congresso. Também foi discutido um PL do senador Sergio Moro (União-PR), já aprovado pelo Congresso, que torna crime planejar ataques e conspirações de organizações criminosas contra agentes públicos. O prazo para sanção de Lula vence nesta quarta-feira (29/10).
Tema para a campanha de 2026
A operação no Rio coloca foco em um tema que, caso se torne central na campanha de 2026, será muito ruim para o campo lulista. É nesta tecla que a direita deve bater depois de perder, na percepção da opinião pública, os embates sobre a soberania nacional e a justiça tributária. O governo já vinha enfrentando esse tema, como nas operações da PF contra o PCC que chegaram à Faria Lima e na PEC da Segurança Pública. Mas foi pego de surpresa com uma crise dessa magnitude, que poderá colocar o Planalto novamente na defensiva.
O senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) voltou às redes ainda na tarde de terça-feira para dizer que Lula abandonou o Rio. Também é sinal de politização do tema a troca de farpas pública entre o governador Cláudio Castro (PL-RJ), pré-candidato ao Senado e aliado da família de Jair Bolsonaro, e Lewandowski. Interlocutores do Planalto afirmam que Castro telefonou para Gleisi para se justificar, dizendo que ele em nenhum momento quis atacar o governo. Mas o estrago já estava feito, e a irritação com o governador era grande em Brasília.
Em quase três anos de mandato, Lula vem sendo alvo dos governadores, que escolheram a segurança como bandeira de pré-campanha e viram nessa agenda um flanco para fustigar o presidente e a esquerda.
Mas há insatisfação quanto à atuação de Lewandowski também entre a base governista e até entre governadores aliados a Lula. Sua gestão na pasta é considerada por alguns setores “tímida” e aquém das expectativas criadas quando Lula anunciou um ex-ministro do Supremo para o cargo.
Pesquisa recente do Datafolha, por exemplo, diz que, na segurança, o petista é apontado como pior do que seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), por 46% dos entrevistados. Apenas 29% avaliam que Lula como melhor nessa área, e 22% enxergam um empate.
Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (DEM-GO), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Jr. (PSD-PR), todos cotados para disputar o Planalto, fazem dos discursos pela linha-dura na segurança pública, com críticas ao PT, apoio às Polícias Militares e rejeição a políticas públicas como o uso das câmeras corporais, uma bandeira de pré-campanha.
Há ainda o embate dos governadores com o Ministério da Justiça em torno da PEC 18/25, que atribui à União a competência para estabelecer a política e o plano nacional de segurança pública e defesa social. Caiado, Ratinho Jr. e Zema têm se posicionado contra o texto. Tarcísio já criticou a PEC. O governo federal espera que ela seja votada ainda este ano.
Holofotes sobre o Brasil
O timing para a operação não poderia ser pior. Sob o holofote da agenda climática, o Brasil está no centro das atenções internacionais, a menos de 10 dias de realizar a COP30, a maior convenção da ONU do mundo, no meio da Amazônia. Os jornais estrangeiros destacaram o que está sendo chamado de “guerra” no Rio a dias das reuniões do clima.
Recentemente o filho 02 do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, foi a público sugerir que os EUA atacassem “barcos com drogas” na costa do Rio de Janeiro. Em ofensiva contra a ação de traficantes da Venezuela, o governo americano tem enviado contingentes ao mar do Caribe, navios de guerra, além do maior porta-aviões do mundo.
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A tensão subiu a tal ponto que foi parar na pauta da conversa cara a cara que Trump teve com Lula na Malásia para retomar alguma estabilidade na tumultuada relação bilateral. O tema teria sido puxado por Lula no encontro, em que o secretário de Estado americano, Marco Rubio, conhecido linha-dura no trato com a América Latina e designado o negociador de Trump para o caso brasileiro, insistiu em ação de impacto contra o narcotráfico. Segundo ele, as drogas chegam ao mercado americano a partir da Venezuela.
Foi nessa mesma viagem ao Sudeste Asiático, um dia antes de encontrar o presidente americano, que Lula cometeu o erro de dizer que “os traficantes eram vítimas dos usuários” de drogas. A declaração correu as redes como rastilho de pólvora e serviu de munição para o discurso da direita pela segurança.
Moraes herda ADPF das Favelas
Em meio à operação no Rio, o ministro Alexandre de Moraes foi designado como relator-tampão na ação conhecida como a ADPF das Favelas enquanto um novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não assume a vaga. O processo estava sob a relatoria de Luís Roberto Barroso, que se aposentou no dia 18 de outubro.
A escolha de Moraes se deu de acordo com o regimento do STF. Com poucos minutos frente ao caso, Moraes já deu 24 horas para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre as provocações feitas por entidades de direitos humanos questionando a atuação da polícia de Cláudio Castro.