Operação de voos regulares na base aérea de Canoas: estudo de caso

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O desastre natural sem precedentes que atingiu o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano paralisou muitas das infraestruturas de serviços públicos essenciais no estado, incluindo o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, que ficou interditado.

Com a declaração do estado de calamidade pública[1] e a redução drástica na oferta de voos regulares para o estado, viabilizar o transporte aéreo para a região metropolitana de Porto Alegre se tornou uma necessidade. Os objetivos consistiam em garantir a retomada da conectividade aérea da região, com a oferta à população afetada de acesso ao transporte aéreo, ampliar a ajuda humanitária e adensar a rede de apoio emergencial.

A necessidade de encontrar uma solução rápida e segura uniu a Fraport[2], concessionária do aeroporto, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), os Ministérios da Defesa e de Portos e Aeroportos, além das companhias aéreas brasileiras Latam, Gol, Azul e VoePass. Após intensos esforços conjuntos, foi viabilizada uma operação de malha aérea emergencial, com a transferência temporária das operações do Salgado Filho para a base aérea de Canoas.

A transferência das operações aéreas para a base aérea de Canoas

Viabilizar a operação emergencial atualmente em andamento exigiu análises complexas, especialmente sob a ótica de capacidade da infraestrutura e de segurança dos passageiros. Demandou, ainda, articulação institucional entre os diversos órgãos públicos envolvidos, a iniciativa privada e a sociedade civil.

A base aérea de Canoas consiste em infraestrutura exclusivamente militar e, portanto, não está sujeita às normas aplicáveis à aviação civil (de competência da Anac).

Usualmente, para o compartilhamento de infraestruturas civis e militares é necessário extenso processo administrativo para estabelecer o zoneamento civil-militar (conjuntamente entre o Ministério de Portos e Aeroportos e o Ministério da Defesa), bem como a homologação do aeroporto pela Anac. No entanto, diante da situação emergencial verificada no presente caso, mostrou-se necessária a flexibilização dos requisitos e procedimentos usualmente adotados, a fim de viabilizar a transferência das operações à base aérea de Canoas[3].

Os primeiros passos dados nessa direção foram: (i) a disponibilização das Bases Aéreas de Canoas e de Santa Maria pelo Ministério da Defesa para a operação emergencial[4]; e (ii) a solicitação feita pelo Ministério de Portos e Aeroportos[5] à Anac para a transferência das atividades aeroportuárias para a base aérea de Canoas, mediante anuência da atual concessionária do aeroporto[6].

Passo subsequente, a Anac autorizou, emergencialmente, a realização de serviços aéreos regulares na base aérea de Canoas[7] e, consequentemente, editou a Resolução Anac 746/2024, por meio da qual “estabelece, a título provisório, urgente e excepcional, serviços aéreos regulares na infraestrutura militar disponibilizada pelo Comando da Aeronáutica (Comaer) junto à Base de Aérea de Canoas”.

Trata-se de autorização emergencial, parcial, temporária e precária, fundamentada no interesse público, que não configura imposição unilateral do Poder Público ao particular[8], mas instrumento consensual entre as partes, apartado da estrutura do contrato de concessão do aeroporto[9].

A Resolução Anac atribui à atual concessionária do Salgado Filho a realização dos serviços aeroportuários de embarque e desembarque de passageiros na base aérea de Canoas, enquanto as operações do aeroporto estiverem suspensas, ressalvando que as operações civis podem ser interrompidas, a qualquer tempo, por decisão do Comaer.

Como contrapartida, a concessionária fará jus “à arrecadação de receitas decorrentes da Tarifa de Embarque”, nos termos do artigo 5º da Resolução Anac. Caso a Tarifa de Embarque arrecadada não seja suficiente para cobrir os custos da operação na base aérea de Canoas, a concessionária terá direito a ser ressarcida da diferença por recursos orçamentários da União (cf. art. 8º da Resolução Anac).

Dessa forma, a Resolução Anac disponibilizou as bases regulatórias necessárias para garantir a retomada das operações aéreas da região metropolitana de Porto Alegre, de modo a conferir segurança jurídica para a atuação da Fraport durante a operação da base aérea de Canoas.

Dadas as dimensões e as características da infraestrutura da base aérea de Canoas, a operação de voos regulares ali permitida é bastante restrita, tendo por objetivo apenas garantir um nível mínimo de conectividade da região pela via aérea com os demais aeroportos do país. Assim, a transferência temporária das atividades não afasta a necessidade da retomada das operações do Aeroporto, tão breve quanto possível.

A retomada das operações do Salgado Filho

A retomada das operações do aeroporto somente será possível mediante esforços conjuntos das partes envolvidas, em especial a Fraport, a Secretaria de Aviação Civil e a Anac.

É indiscutível que a suspensão das operações do aeroporto resultou em graves prejuízos financeiros à sua concessionária. Soma-se a isso os vultosos investimentos de recuperação que precisarão ser realizados pela Fraport para que o aeroporto volte a funcionar.

Assim, para que a solução seja alcançada, será necessário o reconhecimento dos eventos climáticos ocorridos no Rio Grande do Sul como eventos de força maior – entendimento formalizado por meio do Parecer 00075/2024/CONJUR-MPOR/CGU/AGU – e garantir à concessionária o correspondente direito ao reequilíbrio econômico-financeiro, permitindo-lhe segurança jurídica suficiente para prosseguir com os esforços de avaliação, reconstrução e, enfim, retomada das operações na infraestrutura do aeroporto.

De acordo com informações da Anac, a concessionária solicitou a recomposição econômico-financeira do contrato de concessão em virtude dos eventos ocorridos, para a manutenção do contrato de concessão.

Quanto antes os atores envolvidos se mobilizarem, mais rapidamente a retomada das operações poderá ocorrer.

Conclusão

A transferência das operações do Salgado Filho à base aérea de Canoas e sua respectiva regulamentação constitui um caso sem precedentes no setor aéreo no Brasil, exigindo enfrentamento de desafios técnicos, econômicos, regulatórios e jurídicos. O esforço conjunto, a disponibilidade, criatividade e articulação entre todos os agentes – público e privados – envolvidos permitiu uma solução segura, célere e bem-sucedida.

Deve-se reconhecer e parabenizar os esforços coletivos, tanto dos órgãos públicos, da atual concessionária, das companhias aéreas e demais atores da sociedade civil, no sentido de criar uma solução alternativa que, embora emergencial e restrita, impediu a paralisação dos serviços de transporte aéreo na região. O foco, a partir de agora será garantir que os próximos passos sejam dados em direção à retomada das operações do aeroporto de Porto Alegre.

[1] Decreto Estadual 57.605/2024, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, além do Decreto Legislativo Federal 36/2024.

[2] Fraport Brasil S.A. Aeroporto de Porto Alegre.

[3] Nota Técnica 75/2024/DOPR-SAC-MPOR/SAC-MPOR.

[4] Ofício 12320/GM-MD.

[5] Ofício 235/2024/ASSAD-MPOR/GAB-MPOR.

[6] SBPA-MPOR-REG-240517-001.

[7] Despacho Decisório 01/2024/ASSAD-MPOR/GAB-MPOR.

[8] Parecer 00075/2024/CONJUR-MPOR/CGU/AGU.

[9] Parecer 00061/2024/PROT/PFEANAC/PGF/AGU.