Desde 2011, foi adotado um mecanismo de redução da contribuição dos empregadores chamado de desoneração da folha de pagamento, para 17 setores específicos como forma de estimular o crescimento econômico e a competitividade. A contribuição convencional do empregador, cuja taxa é de 20% sobre o valor das remunerações dos profissionais, foi substituída por uma nova contribuição incidente sobre a receita bruta: a CPRB (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta).
O valor recolhido é determinado por um percentual sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5% de acordo com o setor. Além da CPRB, há três outras conhecidas contribuições: Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As duas primeiras são incidentes sobre a receita e a terceira, sobre o lucro líquido. Todas são destinadas a financiar a assistência social, a previdência social e a saúde, embora com algumas desvinculações de receitas.
O tema é controverso e vai de encontro à pretensão e ao esforço do ministro da Fazenda em alcançar o “déficit zero”. Fundamentalmente por esta razão, o presidente da República causou grande “furor” ao vetar a prorrogação e certa ampliação do beneficio até 31 de dezembro de 2027, como previa o PL 334/23.
Entre os argumentos de defesa da prorrogação, além do (não comprovado) aumento do emprego no período de vigência, um outro foi bem menos previsível e um tanto falacioso. Alegam os contemplados pelo benefício que, em ambiente de “quase-estagnação econômica”, a desoneração é indispensável para evitar a substituição dos trabalhadores por inteligência artificial.
Há várias reflexões possíveis em torno da força substitutiva, do efeito de deslocamento e do futuro do trabalho humano, mas o objetivo por aqui é nos concentrarmos na tributária. É justo reconhecer que a política fiscal do país, através de incentivos fiscais, pode favorecer a adoção da inteligência artificial e acelerar a robotização, subsidiando a substituição da força de trabalho humana ao tributar o trabalho à alíquotas elevadas.
Entretanto, isso ocorre em razão do tratamento fiscal desigual do capital e do trabalho. Ainda que indiretamente e de forma não intencional, incentiva-se o investimento em automação (incluindo robôs instrumentalizados de IA) através de concessões fiscais, em detrimento do investimento em pessoas e, embora nem toda automação prejudique os trabalhadores, o reequilíbrio dos impostos sobre o capital e o trabalho eliminaria distorções e poderia aumentar o número de pessoas empregadas.[1]
Por outro lado, ao contrário do argumento utilizado pelos defensores da prorrogação da desoneração, o baixo desemprego deverá aumentar a procura e a velocidade do desenvolvimento de novas tecnologias. Quando o desemprego é baixo, as empresas precisam competir por trabalhadores escassos e assim sentem-se incentivadas para adotar novas tecnologias e exigir novas inovações. Esta é a conclusão de um estudo publicado pelo Departamento de Economia da Universidade de Zurique.[2]
É fundamental compreender que as formas de produção e apropriação de riquezas sofreram mudanças muito profundas com a introdução de tecnologias inteligentes à automação, repercutindo diretamente na quantidade, qualidade e organização do emprego.
Com ou sem desoneração, a IA está ocupando o espaço do trabalhador humano, e isso acontece quando investir na automatização diminui os custos e aumenta os lucros das empresas. O descompasso está em oferecer tratamento tributário vantajoso à automação, sem avaliar numa perspectiva integrada, a eficácia, eficiência e equidade do sistema de benefícios fiscais.
[1] Esta é a conclusão de um estudo americano. ACEMOGLU, D., A. MANERA E P. RESTREPO (2020), “O código fiscal dos EUA favorece a automação?”, Brookings Papers on Economic Activity , Vol. Spring, pp. 231-300, https://www.brookings.edu/articles/does-the-u-s-tax-code-favor-automation/
[2] DECHEZLEPRÊTRE, A., HEMOUS, D., OLSEN, M., ZANELLA C. Automação induzida: evidências de dados de patentes em nível de empresa. Universidade de Zurique, Departamento de Economia, Documento de Trabalho nº 384. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3835089.