O valor jurídico das decisões tomadas nas COPs segundo a CIJ

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Muito se discute acerca dos rumos da COP30, que terá lugar em Belém no próximo mês de novembro. O verdadeiro teste de êxito da conferência será sua capacidade de influenciar, de modo concreto, o regime jurídico internacional, as políticas públicas nacionais e, em última instância, as próprias condições de sobrevivência do planeta diante do aquecimento global.

Apesar do seu inegável potencial transformador, sempre houve, do ponto de vista estritamente jurídico, certa controvérsia quanto ao valor normativo das decisões adotadas no âmbito das COPs — decisões que, em sua maioria, dependem do consenso de todos os participantes para serem aprovadas. Contudo, uma decisão judicial bastante recente trouxe novos elementos de clareza a esse debate.

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Na manhã do último dia 23 de julho, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu sua Opinião Consultiva sobre as obrigações dos Estados em matéria de mudança do clima. Requisitada pela Assembleia Geral da ONU, a Opinião explicita os deveres dos Estados de prevenir danos ao sistema climático, seja à luz do direito internacional geral, seja com base nos principais tratados ambientais.

Este complexo regime jurídico tem como tratado estrutural a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima[1] (UNFCCC, na sigla em inglês) — um dos instrumentos fundamentais resultantes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. A Opinião da CIJ revela-se, assim, um instrumento útil para a interpretação e delimitação do conteúdo das normas inscritas na Convenção, inclusive para a compreensão do valor normativo das decisões das COPs.

O presente ensaio analisa a partir das pronúncias da Corte Internacional de Justiça o valor jurídico a ser atribuído às decisões das COPs e, especificamente, quais são os possíveis efeitos jurídicos de tais decisões sobre o cumprimento das obrigações identificadas pela Opinião Consultiva pelos Estados.

As Conferências das Partes — ou simplesmente COPs (da sigla em inglês Conference of the Parties) — são órgãos comuns de atualização de um regime internacional baseado em um tratado. Embora frequentemente associadas a regimes jurídicos ambientais, também existem COPs instituídas sob grandes convenções de desarmamento, saúde global e patrimônio cultural.

Mais do que encontros sazonais das Partes signatárias que lhes deram origem, algumas COPs se consolidaram como espaços de diálogo entre Estados e atores não-estatais, razão pela qual suas decisões têm o potencial de refletir consensos amplos sobre determinados temas.[2] No caso do regime climático, a COP adquiriu, nos últimos anos, não apenas relevância jurídica, mas também grande visibilidade midiática — o que intensificou as expectativas quanto ao alcance de suas decisões.

A UNFCCC não é silente sobre o papel das COPs no regime climático. Pelo contrário, é o seu artigo 7º que estabelece a Conferência das Partes como “órgão supremo” da governança da Convenção-Quadro. Seu papel é manter regularmente sob exame a implementação da Convenção e de “quaisquer instrumentos jurídicos que a Conferência das Partes possa adotar, além de tomar, conforme o seu mandato, as decisões necessárias para promover a efetiva implementação desta Convenção”.

O mesmo dispositivo estabelece uma série de competências e responsabilidades para a COP sob o regime climático, que incluem promover o intercâmbio de informações, facilitar a adoção de medidas conjuntas, criar órgãos subsidiários e “fazer recomendações sobre quaisquer questões necessárias à aplicação da Convenção”. Essas competências são extensíveis aos casos em que a COP atua como “reunião das Partes” do Protocolo de Quioto ou do Acordo de Paris.

Diferentes Estados participantes do procedimento consultivo perante a CIJ se manifestaram sobre a função da COP da UNFCCC no quadro do regime climático. É significativo que praticamente todos os Estados tenham mobilizado decisões ulteriores da COP como fontes autoritativas do conteúdo das obrigações advindas do tratado. Entretanto, apesar das manifestações sobremaneira laudatórias ao papel das COPs no regime climático, sua análise parece sugerir que estas não foram muito precisas quanto aos efeitos jurídicos específicos das decisões das COPs.

Esta tarefa coube à Corte Internacional de Justiça, a qual declarou que, ao interpretar as obrigações decorrentes dos tratados sobre mudanças climáticas, os Estados devem recorrer às decisões relevantes dos órgãos que regem esses tratados. Nas palavras da CIJ, “a Corte observa que, em determinadas circunstâncias, as decisões desses órgãos possuem certos efeitos jurídicos”. O Tribunal delineou ao menos três hipóteses para a produção desses “efeitos jurídicos”.

Em primeiro lugar, a Corte investigou a hipótese em que o próprio tratado prevê expressamente a possibilidade de que a COP, por meio de suas decisões, imponha obrigações aos Estados. Como mencionado, o art. 7º da UNFCCC atribui à COP a competência de “fazer recomendações” quanto à implementação da Convenção. Entretanto, outros dispositivos parecem atribuir maior peso às decisões das COPs.

Outras provisões do Acordo de Paris incitam as Partes a agir “de acordo” com futuras decisões da COP. Alguns dispositivos chegam a impor efeitos propriamente vinculantes, como certas obrigações específicas de reportar e fiscalizar sob o Protocolo de Quioto. Contudo, para todos os efeitos, o poder das decisões de impor obrigações vinculantes aos Estados deve ser analisada caso a caso e dependerá tanto das competências específicas atribuídas pelo tratado quanto do conteúdo da decisão.

A segunda hipótese apontada pela Corte refere-se às situações em que as decisões da COP, ainda que não estabeleçam obrigações aos Estados Partes, constituam “prática subsequente” ou “acordos subsequentes” para fins de interpretação do tratado, nos termos do Artigo 31(3)(a) da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Nos termos da Convenção, para que configurem prática subsequente, é necessário que tais decisões expressem um acordo substancial entre as Partes acerca da interpretação do tratado pertinente, devendo, portanto, ser levadas em consideração como reflexo da interpretação autêntica dos tratados climáticos.

É preciso que essa interpretação seja subscrita por todas as Partes, de modo a implicar em um consenso entre elas. Em suas conclusões sobre o tema,  a Comissão de Direito Internacional sublinhou que, “a depender das circunstâncias”, decisões de COPs “podem incorporar, explícita ou implicitamente, um acordo subsequente (…) ou fazer emergir prática subsequente”.

A Corte exemplifica essa hipótese ao referenciar o Pacto Climático de Glasgow, segundo o qual as Partes acordaram que a interpretação autêntica do art. 2º do Acordo de Paris devia considerar 1,5ºC como a meta a ser alcançada pelos esforços de mitigação, dado que este aumento da temperatura produziria riscos reduzidos em relação a um aumento de 2ºC.

Finalmente, a terceira hipótese aventada pela Corte é que as decisões das COPs podem ser relevantes para a identificação de regras internacionais costumeiras, na medida em que elas reflitam a prática estatal e a opinio juris dos Estados. Trata-se de uma avenida ainda pouco utilizada, e os exemplos de normas costumeiras cristalizadas por contribuição significativa da prática de COPs são escassos. Podem porém, se transformar num instrumento útil no desenvolvimento futuro do regime climático internacional.

Embora tenha identificado as três hipóteses de efeitos jurídicos, a Corte não utilizou a ocasião para oferecer claras e definitivas indicações de quais decisões do passado constituem ou não decisões vinculantes, prática subsequente ou regras costumeiras. Esta tarefa caberá à posterior identificação pelos Estados. É certo, contudo, que a seara normativa – seja por meio da aplicação direta de novas obrigações, pelo desenvolvimento de interpretação autêntica ou ainda pela cristalização de normas costumeiras – é a avenida que permite maiores possibilidades para a ação das COPs.

Trata-se de um processo já em curso não apenas na COP da UNFCCC, mas também em outras Conferências das Partes associadas a outros tratados, em que especialmente a função interpretativa é explorada como meio de se obter previsibilidade e adaptação do regime, a um só tempo. Nesse sentido, é interessante pensar que as decisões das COPs podem servir tanto a motivações expansionistas (em termo de quantidade de obrigações e seus conteúdos) quanto a pretensões mais conservadoras e protetivas do tratado em sua “forma original”.

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Conclusão: o valor atual e futuro das COPs

A interpretação da Corte Internacional de Justiça sobre o valor das COPs e suas três hipóteses de criação de efeitos jurídicos ofereceu significativo esclarecimento sobre um longo debate. Essa clarificação – associada à certa cautela da Corte em indicar expressamente quais decisões constituem cada categoria – poderá constituir nova divisão entre os Estados em seus argumentos futuros sobre o estado atual do regime climático especialmente em pontos de tensão como transferência de tecnologia e obrigações de financiamento.

Estados e seus negociadores, bem como a sociedade civil e diferentes atores que participam desses encontros terão agora um guia eficaz no momento de desenhar os desdobramentos jurídicos dos textos negociados. Cientes desses efeitos jurídicos, não é completamente excluída a hipótese de que maior cautela seja exercida no momento de adotar ou não essas decisões. Entre as pressões por progresso e as forças de cautela, as pronúncias do principal órgão judiciário da ONU certamente não serão deixadas de lado em Belém em novembro.


[1] Sobre o tema, ver LIMA, L. C.; DAL RI JR., A. The establishment of the United Nations Framework Convention on Climate Change as the basis of the international climate legal regime (1985–1992). Moscow Journal of International Law, v. 2025, n. 2, p. 99-112, 2025.

[2] RIOSECO, Sebastián. Conferences of the Parties beyond international environmental law: how COPs influence the content and implementation of their parent treaties. Leiden Journal of International Law, Cambridge, v. 36, n. 2, p. 1-20, 2023.