O TCU está punindo menos?

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Até a primeira semana de dezembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou 1.746 gestores públicos e empresas, em decisões que envolveram um valor total de R$ 1,76 bilhão, entre multas e imputações de débito. São números que impressionam e que provavelmente continuarão garantindo a ele o título de corte de contas com o mais amplo poder punitivo do mundo democrático.

Por outro lado, esses mesmos dados refletem uma desaceleração bastante significativa na atividade sancionadora do tribunal. Em comparação com a média dos cinco anos anteriores (2018-2022), e descartando a hipótese remota de uma avalanche de condenações nas últimas semanas deste ano, veremos que o número de pessoas responsabilizadas pelo TCU caiu cerca de 20% em 2023. O valor total das condenações também sofreu redução importante: queda de 77%. Em termos quantitativos, as ações punitivas do TCU retornaram ao patamar existente em 2013, em tempos pré-Lava Jato. 

Quais os fatores determinantes para essa mudança? A resposta não é simples, claro. Mas há alguns suspeitos. 

De uma perspectiva mais geral, os números de 2023 parecem fruto de um gradual e persistente processo de crítica acadêmica e política à atuação expansiva do TCU. Crítica que ganhou força no início da década de 2010 e culminou, em 2018, na alteração da LINDB. Ali, o Congresso Nacional deu o recado: os parâmetros utilizados pelos órgãos de controle em processos de responsabilização de gestores públicos precisavam mudar.

Outro fator — talvez o mais importante — que contribuiu para a recente mudança de rota foi o reconhecimento pelo TCU, de que as pretensões punitiva e ressarcitória do tribunal são prescritíveis em cinco anos, conforme fixado hoje na Resolução 344, aprovada em outubro de 2022. Como já analisado em coluna anterior, o TCU vem aplicando essa nova resolução em diversos processos, com a consequente absolvição de gestores públicos acusados de irregularidades.

Seria ainda possível citar outros fatos, que provavelmente tiveram algum impacto na diminuição de condenações: a nomeação de ministros com postura menos punitivista; o desenvolvimento de um vibrante mercado advocatício especializado na defesa de gestores públicos; a diminuição do número de auditores no TCU; o fim de parte significativa do estoque de processos relacionados à Operação Lava Jato; a consolidação da jurisprudência em torno do conceito de erro grosseiro; a valorização de mecanismos consensuais de solução de controvérsias (Resolução 315/2020 e Instrução Normativa 91/2022). 

A fotografia de 2023, no entanto, não é nítida o suficiente para revelar o que virá nos próximos anos. Esse movimento rumo a um controle menos punitivista ganhará ou perderá força? É algo proposital ou meramente circunstancial? As respostas serão dadas sem muita pressa, de forma sutil, nessa longa e delicada valsa entre o TCU e a Administração Pública.

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Os dados mencionados no texto podem ser encontrados na página eletrônica do TCU, nas seções “Resultados do TCU” e “Relatórios Anuais de Atividades do TCU”