Ao final de 2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou a Instrução Normativa 91/2022 que instituiu, no âmbito do tribunal, os procedimentos voltados para a solução consensual de controvérsias relevantes e a possível prevenção de conflitos que se relacionariam à atuação de órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
A resolução não somente institucionalizou a consensualidade no âmbito do TCU, como também desenvolveu diversas ferramentas para facilitar esses procedimentos, dentre elas, merece destaque a criação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso). Em texto disponibilizado pela Secom TCU, no dia 10/07/2023, a Corte de Contas deixou claro que a solução consensual de conflitos seria uma prioridade do tribunal para 2023, sendo esta, inclusive, a razão da instituição da mencionada unidade.
Após mais de um ano da publicação da IN 91/2022, é necessária a realização de uma retrospectiva com o intuito de entender como a aplicação do normativo foi realizada pelo TCU, bem como debater sobre quais aspectos ainda carecem de atenção por parte da Corte de Contas, a fim de que os objetivos citados alhures sejam devidamente alcançados em 2024.
Durante todo o ano de 2023, a Secexconsenso e o próprio TCU não se voltaram unicamente para a instauração de solicitações de solução consensual (SSC) como também para a homologação de acordos. Os primeiros procedimentos a tramitar no TCU dentro do cenário de solução consensual de conflitos foram duas solicitações apresentadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Um dos casos se relacionava à devolução do trecho ferroviário entre Presidente Prudente e Presidente Epitácio, em São Paulo, e o outro tratava da atualização do caderno de obrigações da concessionária rumo à malha paulista (RMP).
A proposição de soluções consensuais pelas agências reguladoras parece ter sido uma tendência do ano de 2023 na Corte de Contas da União. Em pesquisa realizada no sistema informacional do tribunal foi possível verificar mais de catorze procedimentos instaurados para tratar demandas relacionadas às mencionadas entidades.
O primeiro acordo homologado pelo TCU, inclusive, foi referente a um contrato do setor de energia. O Ministro de Minas e Energia, à época, enviou ao tribunal solicitação de solução consensual para endereçamento de controvérsias relativas aos Contratos de Energia de Reserva (CER) advindos do Procedimento de Contratação Simplificado 01/2021, relativos às usinas da Karpowership Brasil Energia Ltda (KPS).
O acordo firmado entre o MME, a Aneel e a KPS foi homologado pelo TCU por meio do Acórdão 1.130/2023. A solução consensual foi capaz de reduzir as obrigações contratuais relativas à entrega de energia inflexível, gerando um ganho aos consumidores de aproximadamente 580 milhões de reais.
O segundo acordo homologado pelo TCU também tratou de demanda do setor de energia elétrica. O pedido de solução consensual, também enviado pelo ministro de Minas e Energia, relacionava-se à contratação de usinas para geração de energia emergencial em situações de escassez de água ocorridas no ano de 2021. A adoção da solução consensual para o caso foi capaz de gerar uma economia de mais de R$ 220 milhões para os consumidores de energia elétrica até 2025.
O contexto dos primeiros acordos firmados parece indicar uma tendência de utilização do procedimento contido na IN 91/2022 pelas agências reguladoras. No entanto, neste momento, é importante lançar luz para um aspecto relevante do mencionado normativo, qual seja, a ausência de autorização para apresentação de solicitações de solução consensual por agentes privados.
A IN 91/2022 prevê um amplo rol de autoridades que podem formular solicitações de solução consensuais ao TCU. Dentre eles, há a possibilidade de veiculação de pleitos nesse sentido por dirigentes máximos das agências regulatórias, presidentes dos órgãos máximos do legislativo e executivo, comandantes das Forças Armadas e, até mesmo, pelo procurador-geral da República. Os ministros relatores de processos no TCU também estão autorizados a constituir procedimentos voltados para a realização de acordos.
Desse modo, a proposição de resoluções consensuais pelas agências reguladoras – atualmente, existem mais de catorze processos nesse sentido – podem indicar um posicionamento interno desses agentes e não uma visão mercadológica tendenciosa à vantajosidade da consensualidade. Esse cenário pode gerar empecilhos para a concretização do princípio da efetividade na Corte de Contas da União, uma vez que aspectos muito relevantes não são auferidos, como a disponibilidade dos particulares para colaboração e encerramento de procedimentos já em trâmite.
O modelo de transação tributária instaurado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pode ser um exemplo a ser seguido pelo TCU, a fim de garantir, em 2024, ainda mais efetividade à aplicação da consensualidade na Corte de Contas.
No ano de 2022, o procurador-geral da Fazenda Nacional publicou a Portaria 6.757, com o objetivo de aferir o grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação de transação individual, a concessão de descontos relativos a créditos da Fazenda Pública e os procedimentos para transação na cobrança da dívida ativa da União e do FGTS.
Em suma, o referido diploma legal consolidou a consensualidade no âmbito da PGFN, possibilitando que a cobrança de créditos inscritos em dívida ativa, por exemplo, pudesse ser realizada de forma menos gravosa para a União, para o FGTS e para os contribuintes. Para tanto, os particulares poderão propor a transação individual ou aderir a uma proposta já criada pela procuradoria, que comporte sua capacidade de pagamento, evitando dispêndios públicos desnecessários para a arrecadação e prejuízos para o funcionamento das empresas.
A aplicação de uma sistemática semelhante ao TCU poderia ser importante, inclusive, para o encerramento de processos que ‒ há anos ‒ já tramitam na Corte de Contas e caminham para um cenário em que os particulares envolvidos, muito provavelmente, não realizarão ao erário o ressarcimento na forma devida. A possibilidade de apresentação de solicitações de solução consensual pelos agentes privados, então, é capaz de reduzir o acervo processual do tribunal, gerar mais arrecadação ao Poder Público e aprimorar a interlocução com os agentes privados.
Portanto, nesse segundo ano de vigência da Instrução Normativa 91/2022, a fim de que sejam alcançados os princípios que ensejaram a edição do mencionado normativo, seria importante conferir uma maior participação dos agentes privados nos procedimentos de soluções consensuais de conflitos, até mesmo para a proposição de acordos em relação a processos já em trâmite no tribunal.
O TCU já deixou claro o seu posicionamento na priorização da resolução consensual de demandas, com o intuito de desvincular-se de um modelo administrativo formalista e punitivista. Por isso mesmo, imprescindível é que sejam adotados novos aspectos que possam contribuir ainda mais para a efetividade da IN 91/2022 no ano de 2024, como está ocorrendo na PGFN.