O Supremo (tributário) em 2023

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Em 2023, vimos a reconstrução física e simbólica do STF após os ataques de 8 de janeiro. Vivenciamos, ainda, a gestão sólida da ministra Rosa Weber, o início da presidência do ministro Luís Roberto Barroso e a consolidação de uma composição majoritariamente masculina e branca.

Esses acontecimentos marcaram não apenas este ano, mas a história, e, por isso, são dignos de registro. No entanto, na linha do que produzimos em 2022[1], no presente artigo pretendemos focar (i) a produtividade da corte; (ii) as alterações (normativas) relevantes ocorridas no tribunal; e (iii) a análise crítica de alguns precedentes tributários produzidos em 2023. Por fim, apresentaremos perspectivas para 2024.

STF em números

Em 2023, foram proferidas 18.189 decisões, um aumento em relação aos anos anteriores[2]. No acervo constam pouco mais de 23 mil processos[3] (8,3% a mais do que em 2022)[4], de que se destacam os AREs (10.050), REs (3.649) e Reclamações (3.187).

Em tributário, foram proferidas 1.436 decisões virtuais (99,7%) e 4 decisões presenciais (0,3%)[5]. Em comparação a 2022, houve um leve aumento de casos tributários julgados virtualmente e uma diminuição de casos tributários analisados presencialmente[6].

Os processos autuados como “Direito Tributário” em 2023 representaram 12,4% (9.462) de todos os casos baixados pela corte[7], ficando atrás apenas de “Direito Administrativo e outras matérias de Direito Público” (22.964) e de “Direito Processual Penal” (14.236)[8]. Os números comprovam que o STF se mantém como um dos protagonistas no desenho do sistema tributário.

Tal constatação, além de quantitativa, implica a necessidade de constante aperfeiçoamento na qualidade dos casos analisados. Aprimoramentos nos sistemas de julgamento e, ainda mais importante, no fortalecimento de nossa cultura de precedentes (sobretudo horizontais) devem estar na ordem do dia dos temas de atenção da corte, da advocacia e da academia.

Alterações normativas

Iniciamos 2023 com a publicação da Emenda Regimental 58. A medida determinou a submissão imediata ao colegiado das decisões cautelares monocráticas e regulamentou o prazo de duração dos pedidos de vista em 90 dias corridos.

A ER também diminuiu de 20 dias para 6 dias úteis a duração das sessões virtuais de reconhecimento/negativa de repercussão geral e de reafirmação de jurisprudência. Em que pese ser esse o prazo para os julgamentos virtuais “tradicionais”, é importante lembrar que, diferente desses, a inclusão em pauta de recursos para reconhecimento/negativa de repercussão geral e reafirmação de jurisprudência não é precedida de publicação ou de intimação das partes e não se oportuniza a realização de sustentação oral.

Desse modo, ainda que tenhamos verificado nos últimos anos um aprimoramento dos julgamentos virtuais, a corte ainda não conseguiu unificar o sistema “tradicional” e o sistema de reconhecimento/negativa de repercussão geral e de reafirmação de jurisprudência.

Um dos últimos atos realizados pela ministra Rosa caminhava nesse sentido – a Resolução 806 –, que previa a realização de sustentação nos julgamentos de reafirmação de jurisprudência. Contudo, a Resolução foi suspensa pelo ministro Barroso, considerando a necessidade de ajustes no sistema.

Ainda quanto às alterações sistêmicas, verificamos que o presidente vem testando novo modelo deliberativo para os julgamentos presenciais do plenário. Esse formato consiste no agendamento de uma sessão apenas para leitura de relatório e realização de sustentações orais, e os votos são proferidos em data posterior. A ideia é que os ministros tenham tempo para refletir, a fim de formar a sua convicção após a manifestação das partes.

Por fim, são evidentes os esforços para implementar um modelo de julgamento per curiam, em que se chega a um consenso antes do início da votação. É forçoso reconhecer que esse modelo, ao menos em tese, favorece a localização das razões de decidir do acórdão e, portanto, do seu elemento vinculante.

Em que pese serem louváveis essas iniciativas, o tribunal se manteve oscilante na tutela de seus próprios precedentes, conclusão que fica ainda mais nítida quando analisamos julgamentos tributários.

Alguns temas tributários de 2023

Em 1º/2/2023, foi iniciada a análise do RE 955.227 e do RE 949.297, em que a Corte definiu que as suas decisões em ações abstratas e em repercussão geral cessam automaticamente os efeitos futuros de coisas julgadas tributárias. A negativa da modulação de efeitos contraria o entendimento que prevaleceu nos Temas 69, 962 e 827, em que também se observou alteração de precedente fixado em repetitivo pelo STJ.

Em março, vimos o desfecho de controvérsia que aguardava resolução há quase uma década: no RE 796.939 e na ADI 4905, foram declaradas inconstitucionais as multas por não homologação de compensação e indeferimento de restituição administrativas.

Em junho, na ADPF 499 e nas ADIs 5835 e 5862, foi julgada inconstitucional a incidência do ISS sobre planos de saúde e serviços financeiros no município do tomador (previsão da LC 157/2016).

Acompanhamos, em outubro, o julgamento do RE 590.186, em que foi reconhecida a constitucionalidade do IOF sobre mútuos praticados por não financeiras. Ressalta-se que o relator, ministro Cristiano Zanin, estabeleceu relevante diferença entre o mútuo e os contratos de conta corrente.

Nas ADIs 7066, 7070 e 7078, em dezembro, o plenário decidiu que a cobrança do Difal de ICMS deve ocorrer 90 dias após a data da publicação da LC 190/2022. Além de desconsiderar o Tema 1093, chancelou-se a possibilidade de constitucionalização superveniente.

E, em 18/12, na ADI 7400, os ministros decidiram ser constitucional a taxa minerária de Mato Grosso, com alteração de entendimento fixado em 2022 nas ADIs 4785, 4786 e 4787.

Perspectivas para 2024

Conforme noticiado, o STF deve retomar julgamentos iniciados em 2023[9]. Seguindo essa lógica, o tribunal deveria priorizar os REs 882.461, 640.452 e 1.335.293, que tratam dos limites para as multas tributárias.

Há a possibilidade de continuidade da análise da modulação da constitucionalidade da contribuição previdenciária sobre o terço de férias (RE 1.072.485). Nessa linha, também poderá ser pautado em ambiente presencial o RE 592.616, que discute a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins.

Com a aprovação da reforma tributária (EC 132/2023), é provável que o STF venha a se deparar com ações que questionem a constitucionalidade das várias mudanças implementadas ou que visem à suspensão de liminares obtidas nas instâncias ordinárias.

Considerando que, também em 2023, mais de 99% das decisões foram proferidas virtualmente, esperamos que o aperfeiçoamento dessa sistemática seja umas das prioridades da presidência para o próximo ano.

Por fim, destacamos que a advocacia e a academia estão atentas ao fato de que, em matéria tributária, a corte precisa passar a respeitar seus próprios precedentes. Além da questão dogmática por si só relevante, a segurança jurídica é um vetor para o desenvolvimento econômico do país, conforme bem reconhecido pelo ministro Barroso em seu primeiro discurso após assumir a presidência do STF.

[1] O STF tributário em 2022 – Uma breve retrospectiva quantitativa e qualitativa. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-stf-tributario-em-2022-28122022#_ftn1.

[2] Em 2021, foram proferidas 15.413 decisões; em 2022, 12.965 (https://transparencia.stf.jus.br/extensions/plenario_virtual/plenario_virtual.html).

[3] Dados de 19/12/2023 (https://transparencia.stf.jus.br/extensions/plenario_virtual/plenario_virtual.html).

[4] Em 21.12.2021, o acervo do Tribunal era de 21.844 processos (https://transparencia.stf.jus.br/extensions/plenario_virtual/plenario_virtual.html).

[5] Fonte: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/plenario_virtual/plenario_virtual.html. Filtros: Ano decisão – 2023; Ramos do Direito – Direito Tributário. Acesso: 19/12/2023. Neste artigo, utilizamos o filtro “Direito Tributário”. Assim, não aparecem nessas pesquisas ações que versam sobre matéria tributária, mas que foram autuadas equivocadamente pelo Tribunal.

[6] Em 2022, foram proferidas 1.156 decisões em ambiente virtual (99,2%) e 9 presencialmente (0,8%), (https://transparencia.stf.jus.br/extensions/plenario_virtual/plenario_virtual.html. Filtros: Ano decisão – 2022; Ramos do Direito – Direito Tributário. Acesso: 13/12/2023).

[7] Em 2023, foram baixados 76.245 processos. Fonte: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/recebidos_baixados/recebidos_baixados.html. Filtros: Ano andamento – 2023; Tipo do andamento – Baixado. Acesso: 19/12/2023.

[8] Fonte: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/recebidos_baixados/recebidos_baixados.html. Filtros: Ano andamento – 2023; Tipo do andamento – Baixado; Ramos do Direito – as áreas do Direito foram verificadas uma a uma. Acesso: 19/12/2023.

[9] Fonte: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=523028&ori=1. Acesso: 21/12/2023.