Desde 1963, a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal (STF) prevê, no seu verbete 347, que “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”. Agora em 2023, depois de alguma controvérsia sobre a própria subsistência do enunciado, o STF revisitou o tema à luz da Constituição de 1988, fixando parâmetros novos para o uso dessa competência pelas Cortes de Contas.
No julgamento do MS 25.888 (relatoria do ministro Gilmar Mendes), o STF afirmou a compatibilidade da Súmula 347 com a ordem constitucional de 1988, reconhecendo aos Tribunais de Contas, “caso imprescindível para o exercício do controle externo, a possibilidade de afastar (incidenter tantum) normas cuja aplicação ao caso expressaria um resultado inconstitucional (seja por violação patente a dispositivo da Constituição ou por contrariedade à jurisprudência do STF sobre a matéria)”. Como dito na ementa do acórdão, a normatividade da Constituição é antes de tudo um dever a ser observado por parte dos órgãos do Estado que lidam com a aplicação de normas jurídicas a casos concretos, algo que a jurisprudência do STF já afirmara em relação aos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.
Portanto, ao tempo em que prestigiou os precedentes de 2021 (MS 35.410 e outros, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes) que afirmavam a inviabilidade de as Cortes de Contas realizarem controle abstrato de constitucionalidade, a nova decisão do STF delimitou em termos mais estritos a aplicação da Súmula 347. Primeiro, deixando claro que se trata de fiscalização incidental e de efeitos circunscritos ao caso concreto. Segundo, estabelecendo que o enfrentamento da constitucionalidade da norma seja imprescindível ao exercício do controle externo e como reforço à guarda da Constituição. Terceiro, exigindo que a inconstitucionalidade seja “patente” ou que haja contrariedade a jurisprudência do STF sobre a matéria.
Há algumas questões, no entanto, que permanecem em aberto. A decisão não dá pistas sobre o que seja uma “inconstitucionalidade patente”. Diz apenas que a invocação simplória do enunciado não perfaz condição suficiente para vencer a presunção de constitucionalidade das leis. Isso significa que a incompatibilidade da norma com a Lei Fundamental deve ser claramente demonstrada, como parte da motivação do ato. Até aí nada de novo. O que talvez se possa inferir seja que os Tribunais de Contas devem se orientar pela jurisprudência dominante do STF, quando houver, e que devem se abster de afastar a aplicação de normas cuja constitucionalidade seja apenas controvertida. Mas isso, por evidente, só será verificável em cada caso.
De outra parte, é de se esperar que os Tribunais de Contas sigam o mesmo entendimento em casos semelhantes, nos quais a norma tida por inconstitucional incidiria. Não vejo razões, assim, para que o entendimento da Corte não seja adotado de forma generalizada, em prestígio à isonomia e à segurança jurídica.