O saldo da sabatina de Flávio Dino

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É difícil classificar a indicação de Flávio Dino como polêmica. Antes da sabatina, poucas pessoas colocaram em xeque sua reputação ilibada ou notável saber jurídico. Ainda assim, sua sabatina foi cercada de expectativas, sobretudo em virtude das promessas veladas da oposição de questionarem a atuação do ministro da Justiça no 8 de janeiro.

As expectativas foram parcialmente frustradas. Alguns senadores questionaram o candidato sobre o 8 de janeiro, sobre o controle do que é dito em redes sociais ou mesmo o inquérito das fake news. Porém, não houve propriamente um momento de tensão. Ainda assim, Dino recebeu expressiva votação contrária na CCJ e no plenário do Senado. O que explica o descompasso entre a sabatina e a votação recebida pelo candidato? Qual é o saldo da sabatina?

Uma primeira explicação poderia ser simplesmente o bom desempenho de Dino. Em seu discurso inicial, ele se apressou nas sinalizações positivas aos senadores, assumindo o compromisso de respeitar a presunção de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, indicando que, no cargo, evitaria derrubar os atos aprovados pelos Poderes eleitos. Além disso, em muitos momentos, Dino fez questão de dizer que não estava ali para fazer debates políticos. Em suas respostas aos poucos questionamentos dos senadores, também fez questão de falar a língua de seus opositores, por exemplo, ao defender a possibilidade de exploração econômica de terras indígenas.

Além disso, Dino falava com iguais. Também em seu discurso oficial, fez questão de destacar sua trajetória política, e de reforçar os muitos apoios que recebeu – em certo ponto, se referiu aos seus futuros colegas de STF como pares, antes mesmo da aprovação de seu nome. Tratou os senadores com respeito e sem subir o tom, como fizera em algumas oportunidades ao longo deste ano. Dino distensionou o ambiente, para a surpresa declarada de muitos, que fizeram questão de se apresentar para o “novo Dino”.

Mas é difícil pensar que as duas explicações acima sejam suficientes para explicar o que ocorreu na sabatina. Além das negociações prévias, que envolveram o governo, Dino e o Senado, um fator decisivo para a garantia de uma sabatina sem tensões foi a atuação de Davi Alcolumbre como presidente da CCJ, em pelo menos duas frentes.

Na primeira delas, com apoio da maioria dos senadores, o presidente da CCJ designou a sabatina conjunta e simultânea para a avaliação das indicações de Flávio Dino e Paulo Gonet. Ainda que não fosse propriamente inédita, a sabatina conjunta e simultânea nunca havia sido designada para a avaliação de nomes com perfis tão diferentes, para cargos tão importantes e, ao mesmo tempo, tão díspares.

Essa circunstância tornou muito difícil a organização dos senadores. Em pouquíssimas situações foi possível formular a mesma pergunta para ambos os candidatos. Mesmo quando isso ocorreu, a pergunta dificilmente significava a mesma coisa para ambos. Considere, por exemplo, a questão sobre a validade do inquérito das fake news, que representa, a um só tempo, a relativização de uma atribuição exclusiva da PGR e a atuação de ofício do STF. A designação da sabatina conjunta, portanto, foi bem-sucedida em enfraquecer a participação daqueles que apresentariam resistência à indicação de Dino.

Na outra frente, durante a sabatina, Alcolumbre também atuou para garantir que a sabatina seria realizada da forma anunciada, e para garantir que a oposição não exageraria nos questionamentos sobre o 8 de janeiro.

Logo no início da sabatina, diversos senadores tentaram formular questão de ordem para que fosse submetida à votação a possibilidade de separação das sabatinas, para que cada candidato fosse sabatinado em separado, ainda que no mesmo dia, no formato que aconteceu, por exemplo, em 1989, quando Celso de Mello e Aristides Junqueira foram sabatinados no mesmo dia, mas de forma subsequente. Primeiro Celso de Mello e depois Aristides Junqueira.

Após ouvir vários senadores que sustentavam essa posição, Alcolumbre disse que a questão de ordem não seria cabível, e que por isso ele sequer emitiria alguma decisão. Com isso, sequer abriu a oportunidade para que a oposição recorresse ao plenário para buscar a separação. Um recurso a uma interpretação regimental bem-sucedida, que garantiu a confusa sabatina conjunta.

Além disso, também durante a sessão, Alcolumbre atuou em diversos momentos para garantir que a sabatina dos candidatos seria tranquila. Impediu, por exemplo, que um senador contrário a Dino exibisse um vídeo ou uma gravação de áudio. Com poucas horas de sabatina, e com muitos senadores inscritos para perguntas, abriu a votação na CCJ. Em outros momentos, organizou as perguntas e respostas de uma forma que garantiria um tempo para que os candidatos se preparassem para responder e, de outra, para fazer com que os senadores se organizassem para fazer perguntas para os dois indicados ao mesmo tempo.

O resultado foi uma confusão. Diversos senadores sequer faziam perguntas ou comentários sobre um dos sabatinados. Réplicas dos senadores a um candidato eram misturadas com perguntas a outro. Em muitas oportunidades, foi difícil identificar a pergunta que era respondida.

O formato da sabatina, portanto, que fora criticado antes mesmo de sua realização, parece ter sido o principal responsável pela discrepância entre a ausência de tensão e o resultado da votação para a aprovação do nome de Dino. O saldo é negativo. Se uma indicação aparenta encontrar resistências no Senado – e a votação confirma a existência dessas resistências –, mas a sabatina não retrata essas resistências de forma tão evidente, pode ser importante pensar para que servem as sabatinas.

Talvez a sabatina de Dino não seja o melhor exemplo dos problemas apontados acima. As posições do indicado sobre uma série de temas já eram publicamente conhecidas, e alguns questionamentos importantes puderam ser realizados. Mas o precedente de uma sabatina conjunta e confusa pode ser perigoso, sobretudo quando forem indicadas pessoas cujas trajetória e posições políticas não sejam tão públicas quanto as de Dino, ou quando o preenchimento dos requisitos para a nomeação não seja evidente.

Em tais casos, abre-se a possibilidade para a aprovação de nomes sem que qualquer questionamento importante seja formulado, e sem a produção de informações relevantes sobre o indicado. Para evitar esses perigos, a sabatina deve ser séria não apenas no conteúdo, isto é, nos questionamentos que são formulados aos candidatos e no engajamento destes nas respostas, mas também em seu formato.