As enchentes de abril e maio de 2024 são a maior tragédia ambiental da história do Rio Grande do Sul. Suas imagens ficarão, para sempre, gravadas na memória do povo brasileiro.
Conforme as informações disponibilizadas pela Defesa Civil do RS na manhã de 24 de maio[1], a devastação deixou uma marca profunda em 469 municípios, afetando diretamente a vida de pelo menos 2,3 milhões de gaúchos. Os números seguem alarmantes. Ultrapassados mais de 30 dias do início das enchentes, 580 mil pessoas permanecem desalojadas e outras 63 mil, em abrigos temporários.
A projeção realizada pelas principais federações empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul, Fecomércio-RS, Fiergs e Farsul), em parceria com a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-Porto Alegre), aponta que cerca de 33 mil estabelecimentos foram diretamente afetados pelas enchentes, o que ocasionou perdas que poderão atingir casa dos R$ 10 bilhões[2]. Há, ainda, milhares de empresas que, embora não tenham sido fisicamente afetadas, não conseguem adquirir insumos nem vender seu estoque.
Nesse contexto, as entidades empresariais há pouco referidas estimam uma contração do PIB gaúcho de mais de R$ 40 bilhões, em comparação com 2023. Esse estado de calamidade pública recebeu status normativo conferido pelo Decreto Legislativo 1, de 2024, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e pelo Decreto Legislativo 36, de 7 de maio de 2024, do Congresso Nacional.
Medidas fiscais até aqui adotadas
Os atos normativos publicados no campo fiscal até o presente momento tiveram o condão de prorrogar o cumprimento de obrigações tributárias e deveres instrumentais. Essas medidas são necessárias, mas insuficientes.
Assim ocorreu no âmbito federal com a Portaria RFB 415, de 06 de maio de 2024[3], a Portaria PGFN/MF 737, de 06 de maio de 2024[4], a Portaria CGSN 45, de 06 de maio de 2024[5], a Portaria Conjunta RFB/PGFN 6, de 10 de maio de 2024[6], a Resolução CGSN 175, de 10 de maio de 2024[7], a Portaria Normativa PGU/AGU 019, de 13 de maio de 2024[8], a Portaria MTE 729, de 15 de maio de 2024[9], a Portaria MDS 986, de 21 de maio de 2024[10], a Portaria RFB 421, de 21 de maio de 2024[11], e a Portaria RFB 423, de 22 de maio de 2024[12].
A exceção federal fica por conta da Instrução Normativa RFB 2192, de 09 de maio de 2024, a qual autoriza a utilização da Declaração Simplificada de Importação (DSI) no despacho aduaneiro de bens recebidos, a título de doação proveniente do exterior para socorro e assistência em calamidade pública reconhecida em ato do poder público estadual ou federal, enquanto perdurar o estado de calamidade. No mesmo sentido, na esfera estadual, pode-se apontar a Instrução Normativa RE 037, de 09 de maio de 2024[13], e o Convênio ICMS 055, de 10 de maio de 2024,[14] os quais trazem simplificações às importações.
O Decreto 57.596, de 1º de maio de 2024, declarou inicialmente o estado de calamidade pública no território do Rio Grande do Sul. Em seguida, algumas medidas de postergação da tributação foram publicadas juntamente com medidas de simplificação[15]. Três Convênios Confaz também foram editados nesse contexto[16].
Em âmbito municipal, as medidas são inúmeras, porque há quase quinhentos municípios afetados. Todavia, nesse âmbito também se observa uma conjuntura de suspensões, mas não de desonerações propriamente ditas. Na capital gaúcha, por exemplo, dois decretos municipais trataram sobre a prorrogação do vencimento de tributos[17].
O resgate dos agentes econômicos
A postergação do vencimento dos tributos é uma medida emergencial que precisa ser transformada em desoneração. A tragédia trazida pelas chuvas atingiu em cheio ativos e estoques de milhares de empresas em diversos municípios, os quais precisarão ser reconstruídos e recompostos. Não será possível simplesmente reabrir as portas quando os alagamentos passarem. O quadro é realmente de destruição, e tanto os empregadores quanto os empregados necessitam de apoio do poder público para retomarem as suas atividades.
Nesse contexto, as federações que representam a totalidade dos agentes econômicos do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS, Farsul, Federasul, Fiergs) e a OAB-RS encamparam um projeto denominado Programa de Recuperação Econômica e Social do Rio Grande do Sul.
Batizado de Resgate-RS[18], o programa é composto por textos normativos que preveem a criação de um regime tributário abrangente e coordenado, nos três níveis da federação. Dotado de medidas fiscais imprescindíveis à retomada da economia no estado, os projetos buscam tanto desonerar as empresas afetadas pelas enchentes quanto estimular a manutenção de empregos, além de fomentar as doações realizadas a famílias de baixa renda e as entidades que atuam na ajuda aos desabrigados.
Trata-se de um projeto amplo, coerente, urgente e indispensável.
No plano federal, as minutas já foram entregues ao presidente Lula, ao vice-presidente Geraldo Alckmin e ao ministro Paulo Pimenta. O mesmo ocorreu na esfera estadual. No âmbito municipal, a multiplicidade de municípios fez com que fosse elaborado um modelo que será disponibilizado aos municípios atingidos.
Agora, o poder público e os agentes políticos precisam agir. Os projetos foram concluídos e entregues aos respectivos poderes executivos. A calamidade pública instaurada por condições naturais não pode ser agravada pela calamidade gerada pelo poder público ao postergar ou não implementar os instrumentos apresentados pela sociedade para o restabelecimento do ambiente socioeconômico.
[1] Fonte: https://defesacivil.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-24-5-9h. Acesso em 24 mai. 2024.
[2] Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2024/05/setor-produtivo-gaucho-estima-perda-de-pelo-menos-r-40-bilhoes-na-atividade-economica-do-estado-clwfgkjtf00cn014xfnt35jtz.html. Acesso em 24 mai. 2024.
[3] Prorrogou por três meses os prazos para pagamento de tributos federais, inclusive parcelamentos e o cumprimento das obrigações acessórias. Além disso, suspendeu, até 31 de maio de 2024, os prazos para a prática de atos processuais no âmbito da Receita Federal do Brasil, em relação a processos administrativos de interesse de contribuintes domiciliados nos municípios atingidos (listados no Anexo Único da Portaria).
[4] Prorrogou, por noventa dias, as medidas relacionadas aos atos de cobrança da dívida ativa da União.
[5] Prorrogou, por um mês, o pagamento da guia do Simples Nacional das competências de abril e maio de 2024.
[6] Prorrogou, por noventa dias, os prazos de validade da CND e CPEND, cujos prazos de validade se encerram no período de 21 de abril de 2024 a 31 de maio de 2024, emitidas em nome de contribuintes domiciliados nos municípios atingidos pelas chuvas intensas.
[7] Prorrogou, por um mês, o prazo para pagamento dos parcelamentos no âmbito do Simples Nacional com vencimento no mês de maio e junho. Também prorrogou a entrega da DAS-Simei referente ao ano de 2023 e da DASN-Simei e Defis, de situação especial, ocorrida até 31 de maio de 2024, ambas até o dia 31 de julho de 2024.
[8] Previu que, excetuados os casos em que houver risco de prescrição, ficam suspensas por noventa dias as medidas de cobrança judicial e administrativa. Ademais, o ato prorrogou por noventa dias os vencimentos das parcelas de acordos celebrados.
[9] Autorizou a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS pelo empregador entre o período de abril a julho de 2024, os quais poderão ser recolhidos, a partir da competência de outubro de 2024, em até 4 parcelas. A portaria restringe o benefício para apenas 46 municípios considerados em estado de calamidade.
[10] Suspendeu, até 31 de dezembro de 2024, os prazos de requerimento tempestivo de renovação, de recurso contra decisão de indeferimento e resposta à diligência no âmbito do CEBAS para as Organizações da Sociedade Civil localizadas no Estado do Rio Grande do Sul.
[11] Prorrogou, por três meses, o prazo de entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD) e da Escrituração Contábil Fiscal (ECF).
[12] Prorrogou prazos para pagamento de tributos federais, inclusive parcelamentos, e para cumprimento de obrigações acessórias.
[13] Dispensou a anuência da Receita Estadual, de 06 de maio a 29 de maio, para entrega de mercadoria importada do exterior por recinto alfandegado.
[14] Ao alterar o Convênio ICMS n° 80/95, que autoriza a concessão de isenção do ICMS na importação de mercadorias doadas, desburocratizou o procedimento, uma vez que dispensou, em síntese, o despacho da autoridade competente e a emissão de NF-e, desde que o bem seja amparado por Declaração Simplificada de Importação (DSI Formulário).
[15] Pode-se destacar os seguintes diplomas normativos:
O Ajuste SINIEF n° 009, de 07 de maio de 2024, dispensou a emissão de documento fiscal no transporte de mercadorias doadas, coletadas de terceiros, para assistência às vítimas de calamidade pública.
A Instrução Normativa RE nº 035, de 08 de maio de 2024, prorrogou, até 28 de junho de 2024, os Sistemas de Pagamento, Regimes Especiais, Certidão de Situação Fiscal e demais atos exarados pela Receita Estadual que dependam de sua aprovação.
A Instrução Normativa RE n° 036, de 09 de maio de 2024, prorrogou, até 15 de junho de 2024, os prazos de entrega da Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA) e dos arquivos da Escrituração Fiscal Digital (EFD).
A Instrução Normativa RE n° 039, de 13 de maio de 2024, dispensou a emissão de documento fiscal, de 07 de maio a 30 de junho de 2024, no transporte de mercadorias doadas, coletadas de terceiros, para assistência às vítimas de calamidade pública.
A Instrução Normativa RE nº 040, de 13 de maio de 2024, prorrogou os prazos de entrega da GIA-ST (ICMS-ST), até 10 de junho de 2024, e de arquivos da DeSTDA, até 28 de junho 2024, referentes a fatos geradores ocorridos no mês de abril de 2024.
O Decreto nº 57.617, de 14 de maio de 2024, ampliou o prazo de pagamento de débitos de ICMS e dispensou juros e multa nos pagamentos em atraso.
O Decreto nº 57.619, de 14 de maio de 2024, dispensou a emissão de NF de entrada nas aquisições de produtores.
O Ajuste SINIEF n° 011, de 17 de maio de 2024, prorrogou a entrega da EFD-ICMS-IPI, dos períodos de maio, junho e julho, por sessenta dias.
[16] O Convênio CONFAZ nº 54, de 07 de maio de 2024, autorizou o RS a conceder, nas operações internas e interestaduais, isenção de ICMS sobre venda de mercadorias para ativo imobilizado; dispensa do estorno do crédito de mercadorias em estoque; não exigência de juros e multas no atraso do pagamento de ICMS até agosto de 2024. Em seguida, o Decreto nº 57.618, de 14 de maio de 2024, implementou a isenção e o não estorno de crédito fiscal, até 31 de dezembro de 2024, para as operações de saída e aquisição de mercadorias.
Posteriormente, o Convênio CONFAZ n° 058, de 17 de maio de 2024, alterou o Convênio ICMS n° 54/24, para contemplar também os municípios em situação de emergência. Ainda, o Decreto nº 57.626, de 21 de maio de 2024, modificou o número de municípios em estado de calamidade pública e em situação de emergência, estabelecendo as quantidades de 78 e 340, respectivamente.
E, finalmente, o Convênio CONFAZ n° 060, de 17 de maio de 2024, autorizou o estado gaúcho a suspender, por até 180 dias, a rescisão dos parcelamentos e programas de parcelamento de débitos de ICMS e permitiu a postergação da data de vencimento de parcelas de débitos fiscais, relacionados com o ICMS, com vencimento a partir de 25 de abril 2024, por até quatro meses, hipótese em que fica autorizada a ampliação do número máximo de meses do parcelamento, pelo mesmo período.
[17] O Decreto nº 22.657, de 06 de maio de 2024, dispõe sobre o ISSQN de autônomos, IPTU, TCL e parcelamentos, delongando o pagamento para agosto deste ano. Já o Decreto nº 22.698, de 22 de maio de 2024, tratou do ISSQN de prestadores, substitutos tributários e autônomos, cujos vencimentos foram prorrogados para maio, junho e julho de 2024, respectivamente – não se aplica para Simples Nacional e instituições financeiras.
[18] LINKAR COM A NOTÍCIA QUE O JOTA JÁ PUBLICOU SOBRE O RESGATE-RS: https://www.jota.info/executivo/programa-de-recuperacao-economica-e-social-do-rs-e-entregue-ao-presidente-lula-16052024