O recurso especial no processo administrativo fiscal

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Como é cediço, o processo de determinação e exigência dos créditos tributários da União encontra seus contornos delineados pelo Decreto 70.235, de 1972. Em se tratando de lançamento de ofício, uma vez apresentada a impugnação, será instaurada a fase litigiosa, a partir da qual serão assegurados o direito ao contraditório e à ampla defesa[1], com a posterior prolação de decisão administrativa pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ).

Sendo total ou parcialmente desfavorável ao contribuinte, a decisão poderá ser objeto de recurso voluntário para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), assim como será interposto recurso de ofício para o mesmo órgão sempre que o sujeito passivo for exonerado do pagamento de tributo e encargos de multa em valor fixado em ato do ministro da Fazenda, atualmente superior a R$ 15 milhões[2].

Em síntese, com a apresentação de impugnação e, se for o caso, de interposição de recurso voluntário e/ou de ofício para o Carf, bem como com a correção de eventuais inexatidões materiais[3] e/ou apreciação de embargos de declaração[4], estarão superadas as instâncias ordinárias do processo administrativo fiscal (PAF).

Porém, nas situações em que o contribuinte ou a Fazenda Pública venham a se deparar com decisão proferida por colegiado do Carf que confira à legislação tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, Turma de Câmara, Turma Especial, Turma Extraordinária ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais[5], poderá ser cabível a interposição de recurso especial, cuja admissibilidade dependerá do atendimento de determinados requisitos estabelecidos pelo RICARF[6].

Como é praxe em qualquer tipo de recurso, um dos primeiros aspectos a ser observado refere-se à tempestividade. O prazo para interposição do apelo especial é de 15 dias, contados da ciência do acórdão recorrido, da ciência de eventual acórdão de embargos ou da ciência do despacho que tenha rejeitado embargos de declaração tempestivos.

Nesse passo, é relevante alertar que, nos termos do §6º do art. 116 do RICARF, “Somente os embargos de declaração opostos tempestivamente interrompem o prazo para a interposição de recurso especial pelo embargante”. Desse modo, o dies a quo para a contagem do prazo para o oferecimento de recurso especial será a data de ciência do acórdão recorrido, e não da data de ciência do despacho de admissibilidade dos embargos tidos por intempestivos.

Outrossim, cabe ressaltar que os prazos serão contados de forma contínua, excluindo-se o dia de início e incluindo-se o de vencimento, nos termos do art. 5º do Decreto nº 70.235, de 1972, assim como a interposição de recurso especial antes de o contribuinte ser formalmente cientificado da decisão recorrida será tida por tempestiva, na forma  do §4º do art. 218 do CPC[7], aplicável ao PAF por força do disposto no art. 15 do mesmo códex[8].

Importante observar que, quando o contribuinte for optante do Domicílio Tributário Eletrônico (DTE), a ciência da decisão recorrida será considerada a partir do evento que ocorrer primeiro, seja a “Ciência por Abertura de Mensagem” ou a “Ciência por Decurso de Prazo”, que se dá 15 dias após a disponibilização da intimação no e-CAC.

Ressalte-se que as alegações e documentos apresentados com a finalidade de complementar o recurso especial, depois do prazo de quinze dias, não podem ser considerados para a verificação de sua admissibilidade, conforme estabelecido pelo §13 do art. 118 do RICARF.

Outro pressuposto de admissibilidade do recurso especial é aquele prescrito pelo §1º do indigitado art. 118 do RICARF, compreendendo a demonstração da legislação tributária interpretada de forma divergente.

Aqui cabem algumas considerações sobre em que consiste essa demonstração. O RICARF anterior, na sua redação original aprovada pela Portaria MF 343, de 2015, estabelecia que “Não será conhecido o recurso que não demonstrar de forma objetiva qual a legislação que está sendo interpretada de forma divergente” (art. 67, § 1º do Anexo II, original sem grifo). Todavia, posteriormente, a Portaria MF 39, de 2016, alterou esta redação para constar que “Não será conhecido o recurso que não demonstrar a legislação tributária interpretada de forma divergente”, ou seja, foi suprimida a expressão “de forma objetiva”.

Dessa maneira, compreende-se que, já sob a vigência do RICARF anterior, sob a nova redação do dispositivo, agora reeditado no atual RICARF, aprovado pela Portaria MF nº 1.634, de 2023, a legislação que está sendo interpretada de forma divergente não necessitará estar expressa no recurso, bastando que seja demonstrado o contexto jurídico normativo, comum aos acórdãos recorrido e paradigma, que confiram o fundamento legal da interpretação divergente.

Já no que concerne à divergência propriamente dita, é imperiosa a indicação de acórdão paradigma, que deve necessariamente ser um dos previstos pelo RICARF, sendo admitida a indicação de até dois paradigmas por matéria, assim consideradas aquelas que foram debatidas no acórdão recorrido, sejam preliminares ou de mérito. Em sendo apresentados mais de dois paradigmas por matéria, serão considerados apenas os dois primeiros indicados, descartando-se os demais (RICARF, art. 118, §7º). Não são consideradas como paradigmas decisões proferidas pelo Poder Judiciário ou pela DRJ.

Alguns acórdãos do próprio Carf não são admitidos como paradigmas, como é o caso de acórdão proferido pelo mesmo colegiado que exarou o acórdão recorrido; acórdão proferido pelas Turmas Extraordinárias; acórdão que, na data da interposição do recurso, tenha sido reformado ou objeto de desistência ou renúncia na matéria que aproveitaria ao recorrente; e acórdão que, na data da análise da admissibilidade do recurso especial, contrariar Súmula Vinculante do STF, decisão transitada em julgado do STF ou do STJ, proferida na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos, Súmula do Carf ou Resolução do Pleno da Câmara Superior de Recursos Fiscais, e decisão plenária transitada em julgado do Supremo Tribunal Federal que declare inconstitucional tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo, em sede de controle concentrado, ou em controle difuso, com a suspensão da execução do ato declarado inconstitucional por Resolução do Senado Federal (RICARF, art 118, caput e §12).

As resoluções, que são medidas incidentais, visando determinar a realização de diligências ou outras providências para a adequada instrução processual, não têm caráter decisório de mérito e não estão sujeitas a recurso das partes. Conseguintemente, não podem ser indicadas como paradigmas.

O recurso especial deverá ser instruído com cópia do inteiro teor dos acórdãos indicados como paradigmas ou com cópia do Diário Oficial da União em que tenham sido publicados ou, ainda, com a apresentação de cópia de publicação de até duas ementas, que poderão ser reproduzidas no corpo do recurso, admitindo-se a reprodução parcial desde que o trecho omitido não altere a interpretação ou o alcance do trecho reproduzido. Alternativamente, a indicação do acórdão paradigma poderá ser feita mediante a informação da publicação da decisão na página da internet do Carf.

Saliente-se que é necessária a demonstração de divergência jurisprudencial sobre cada um dos fundamentos adotados pelo acórdão recorrido e paradigma, de modo que a existência de matérias decididas por fundamentos diversos e autônomos que possam, isoladamente, fundamentar a conclusão do voto, implicará na inadmissibilidade do recurso especial no ponto em questão.

Cabe destacar a necessidade do prequestionamento da matéria que constitui objeto do recurso especial, com sua precisa indicação na peça recursal, devendo haver no acórdão recorrido manifestação sobre ela, ou no despacho que rejeitou embargos opostos tempestivamente, ou no acórdão de embargos (RICARF, art. 118, § 5º).

Por derradeiro, cumpre observar que, fora as hipóteses previstas no §2º do art. 122 do RICARF[9], caberá agravo ao Presidente da Câmara Superior de Recursos Fiscais, no prazo de cinco dias, contra despacho de admissibilidade que negar seguimento ao recurso especial, ou lhe der seguimento parcial.

Em remate, anote-se que recentemente foi editada a Portaria Carf/MF 587, de 2024, cujo art. 1º estabelece que “A desistência do recurso especial em tramitação deverá ser manifestada nos autos do processo, por meio de petição ou a termo, antes do dia e horário agendados para início da reunião de julgamento, independentemente da sessão em que o processo tenha sido pautado”. Sem que tal providência seja adotada pela parte interessada, o recurso será julgado.

Como visto, o recurso especial representa um importante instrumento de harmonização da jurisprudência do Carf pelas Turmas da Câmera Superior de Recursos Fiscais (CSRF), mas que, por depender da rigorosa identidade das situações tratadas de forma dissonante por diferentes colegiados, mediante interpretação divergente da legislação tributária, exige grande atenção e minuciosa dedicação dos operadores de direito envolvidos na sua promoção, de modo a viabilizar a sua efetivação.

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Este texto não reflete a posição institucional do Carf

[1] Súmula Carf nº 162: “O direito ao contraditório e à ampla defesa somente se instaura com a apresentação de impugnação ao lançamento.”

[2] Portaria MF nº 2, de 17.01.2023.

[3] Decreto nº 70.235/1972, art. 32: “As inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculos existentes na decisão poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento do sujeito passivo.”

[4] RICARF, art. 116: “Cabem embargos de declaração quando o acórdão contiver obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se a Turma. (…).”

[5] Apesar de o caput do art. 118 do RICARF mencionar as decisões proferidas por Turma Extraordinária como suscetíveis de configuração de divergência, o inciso I do §12 do mesmo dispositivo expressamente exclui a possibilidade desses acórdãos servirem como paradigmas.

[6] D. 70.235/1972, art. 37: “O julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais far-se-á conforme dispuser o regimento interno.”

[7] CPC, art. 218, §4º: “Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.”

[8] CPC, art. 15: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”

[9] RICARF, art. 122, § 2º: “O agravo não é cabível nos casos em que a negativa de seguimento tenha decorrido de: I – inobservância de prazo para a interposição do recurso especial, salvo se este contiver preliminar de tempestividade, que exponha os motivos de fato ou de direito que a fundamentem, acompanhada da respectiva documentação comprobatória, se for o caso; II – falta de juntada do inteiro teor do acórdão paradigma ou da cópia da publicação no Diário Oficial da União em que tenha sido divulgado, ou da indicação de publicação no sítio do Carf, ou ainda da transcrição integral da ementa no corpo do recurso, nos termos dos §§ 9º e 11 do art. 118; III – utilização de acórdão da própria Câmara do Conselho de Contribuintes ou da própria Turma do Carf, que proferiu o acórdão recorrido, ressalvado o disposto no § 2º do art. 118; IV – utilização de acórdão que já tenha sido reformado; V – falta de prequestionamento da matéria; VI – observância, pelo acórdão recorrido, de súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes, da Câmara Superior de Recursos Fiscais ou do Carf, bem como das decisões de que trata o inciso III do § 12 do art. 118, salvo nos casos em que o recurso especial verse sobre a não aplicação, ao caso concreto, dos enunciados ou dessas decisões; VII – rejeição de acórdão indicado como paradigma por enquadrar-se nas hipóteses do § 12 do art. 118; ou VIII – absoluta falta de indicação de acórdão paradigma.”