O Quinto Constitucional exige democracia efetiva

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Desde a Constituição Federal de 1934 é assegurado no Brasil que um quinto das vagas de determinados tribunais brasileiros seja preenchido por advogados e membros do Ministério Público. Esse é o chamado Quinto Constitucional, considerado por muitos como instrumento de democratização do Poder Judiciário.

O Quinto Constitucional traz consigo a essência do pluralismo político consagrado no artigo 1º, inciso V da atual Constituição Federal. O ingresso nos tribunais de profissionais com experiências diversas da magistratura representa a necessária experiência diversificada, que se traduz em fator de equilíbrio das decisões dos tribunais, fortalecendo a relevância do Poder Judiciário e assegurando à sociedade decisões mais justas. Daí a importância desse instituto e a razão de sua previsão constitucional.

Na história do Judiciário nacional não são poucos os nomes de advogados e membros do Ministério Público que emprestaram e continuam a emprestar seus variados conhecimentos e experiências diversas ao exercício da magistratura.

A escolha dos candidatos pelos seus respectivos órgãos de classe deve respeitar critérios pré-determinados, conforme estabelecido no artigo 94 da Constituição Federal de 1988, que prevê que um quinto das cadeiras dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Recebidas as indicações elaboradas pelos órgãos de classe, mediante votação, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos 20 dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.

O critério de escolha dos nomes e sua indicação final deveria se estabelecer exclusivamente pela meritocracia, dada a importância do instituto e principalmente da função a ser exercida pelo futuro nomeado que, representante de uma classe, passará a compor o tribunal, trazendo suas experiências profissionais e de vida, além de seu conhecimento jurídico, de maneira a garantir o equilíbrio das decisões judiciais para o bem da sociedade.

Para correções de injustiças passadas, recentemente, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de algumas de suas secções, passou a estabelecer a obrigatoriedade da paridade de gênero e cota racial na formação de suas listas sêxtuplas.

A intenção, além de reparadora de injustiças, fortalece o princípio democrático amplo que deve imperar nesse instituto, em que pesem eventuais ajustes que possam ser feitos, tudo de modo a não gerar outras injustiças e, também, assegurar que a escolha seja feita baseada pelo critério do merecimento.

Na realidade a obrigação imposta no sentido de se observar a paridade de gênero e de cotas raciais na elaboração das listas sêxtuplas serve como demonstração irrefutável da estagnação da nossa sociedade, que em determinados aspectos não evolui. Seria de se esperar que pessoas do Direito, ao menos elas, não precisassem de imposições de regras dessa natureza para respeitar de forma igual o direito de todos, independentemente de sexo, raça, religião etc., como aliás é assegurado no artigo 5º da Constituição Federal.

Mas outros mecanismos também precisam ser ajustados de forma a garantir a concorrência paritária dos candidatos ao Quinto Constitucional, assegurando uma eleição dentro de parâmetros democráticos efetivos, notadamente quando da formação das listas sêxtuplas.

Os eleitores devem conhecer profundamente todos os candidatos, dispensando a eles igual tratamento, recebendo-os pessoalmente para melhor aferir suas qualidades. A importância das entrevistas pessoais, nesse caso, guarda similaridade com a prerrogativa que o advogado possui de manter contato pessoal direto com o juiz nos casos de despacho em processo judicial. Não conceder a todos os candidatos esse direito é acima de tudo uma afronta aos princípios que regem o próprio estatuto da advocacia.

Preferências pessoais existem, isso é certo e devem ser respeitadas, servindo a consciência de cada indivíduo como forma de aquilatar o justo e moral na sua decisão. Contudo, não oportunizar a todos os candidatos os mesmos direitos e tratamento é acima de tudo uma falta de compromisso com a função que ocupa o eleitor, ainda mais quando ela se dá por voluntariado.

E mais do que isso, a falta de tratamento isonômico dos candidatos aniquila a própria estrutura democrática e transparência que se exige para a escolha daquele que representará seu órgão de classe nos tribunais. É ferir de morte o próprio instituto do Quinto Constitucional.

A independência funcional que se espera de um magistrado não é avaliada somente em momento posterior à sua nomeação, quando se torna juiz. Essa independência deve fazer parte de sua personalidade, assim como a ética e a moral, não se adquirindo posteriormente. A pessoa tem ou não, simples assim. A subserviência em favor de votos não se coaduna com a postura que se espera de um magistrado.

E nesse ponto, a forma atual das escolhas, ao menos para os advogados, enfraquece demasiadamente o princípio da independência funcional que o candidato deveria ostentar.

Os candidatos não deveriam ter que peregrinar na tentativa de ser ouvido por seus eleitores, muitas vezes não sendo atendidos e nem ao menos respondidos em suas ações de contato. Nesse caso os eleitores teriam por obrigação, pela relevante função que desempenham e que livremente se dispuseram a exercer, por própria iniciativa conhecer com a maior profundidade todos os candidatos que, antes de tudo, são seus colegas de profissão. É assim que se faz em recrutamento de emprego e com maior razão deveria ser feito em tão importante situação em que o órgão de classe elegerá seis de seus pares para representarem a categoria e a sociedade no tribunal.

Não é crível que se conheça profundamente o candidato ou a candidata dentro dos exíguos dois ou três minutos que lhe são dispensados nas arguições públicas. Isso é irreal!

A falta de uma sistemática que permita conhecer a totalidade dos candidatos com um mínimo de profundidade e em condições igualitárias de tratamento anteriormente ao pleito de escolha, enfraquece a própria razão de ser do Quinto Constitucional, além de revelar desrespeito aos profissionais que colocaram seus nomes à disposição do seu órgão de classe.

Do contrário, ganham forças os “estudos de futurologia” que se associam ao tema, quando nomes são ventilados antes mesmo de se ter início o período de inscrição das candidaturas, muitas vezes com elevado índice de acerto para espanto ou não da maioria das pessoas.

Sabe-se que o jogo deve ser jogado. Ser eleito para integrar a lista sêxtupla de seu órgão de classe para posteriormente poder ser nomeado faz parte do jogo. No final só haverá um vencedor. Mas a competição deve ser igual e justa para todos, com as mesmas oportunidades e tratamento dispensados, sem exceção, na maior amplitude possível de um ato democrático.

A seriedade do pleito deve ser do tamanho da responsabilidade da função exercida por cada eleitor. Não deve haver lugar para velhas políticas. Temos que evoluir se realmente queremos um mundo melhor e igual para todos.

Não se pode perder as esperanças!

Parafraseando o padre Júlio Lancellotti, eu não luto para vencer. Eu sei que vou perder. Eu luto para ser fiel (aos meus princípios) até o fim.