O que podemos aprender sobre energia a partir de 16 mil licenciamentos ambientais?

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O temporal que assolou a cidade de São Paulo no início de novembro resultou na interrupção do fornecimento de eletricidade para mais de 300 mil residências na Região Metropolitana. Bairros inteiros ficaram às escuras por vários dias, e as estimativas de prejuízo já ultrapassam a marca dos R$ 120 milhões, conforme dados divulgados pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Apesar dos esforços da Enel para restabelecer os serviços de energia, o impacto generalizado na população e os elevados custos sociais e econômicos decorrentes da tempestade trouxeram, mais uma vez, a questão do abastecimento elétrico para o centro das discussões governamentais.

Neste texto, aprofundaremos um aspecto fundamental de qualquer ação voltada para promover mudanças significativas na realidade: o tempo necessário para iniciar os trabalhos, por assim dizer. Afinal, quanto maior a demora para iniciar a atividade produtiva, maiores são os custos econômicos e mais prováveis são os riscos associados ao empreendimento, tais como mudanças inesperadas no marco regulatório e a perda de confiança dos investidores.

No contexto específico do aquecimento global, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) indicou que estamos muito próximos do ponto de não retorno, representando limiares temporais críticos para que as intervenções humanas produzam os efeitos teoricamente esperados.

Evidências compiladas pelo Our World in Data apontam que o tempo necessário para abrir um negócio pode ser significativamente longo, como no caso da Venezuela, onde a média é de 230 dias. A Figura 1 sintetiza essas informações.

Figura 1: Tempo necessário para abrir um empreendimento (2019)

Nos Estados Unidos, a média é de 4,2 dias. Na Austrália, 2 dias e no Canadá, impressionantes 1,5 dia. No Brasil, conforme estimativas mais recentes, a média é de pouco mais de duas semanas. Levantamento exclusivo da Gauss Analítica, de mais de 1 milhão de licenciamentos ambientais aprovados em nosso país entre 2010 e 2022, indica que o tempo de espera não é trivial.

Especificamente ao analisar empreendimentos na área de energia, observa-se um tempo de espera médio de aproximadamente 258 dias. A Figura 2 apresenta uma representação gráfica desses dados, considerando uma amostra de 16.944 processos de licenciamento ambiental.

Figura 2: Tempo necessário para emitir uma licença ambiental (2010-2020)

A linha pontilhada verde na Figura 3 representa a média de tempo, que, como enfatizamos anteriormente, é quase 9 meses (258 / 30 = 8,6). Alguns processos chegam a se estender por mais de 2.000 dias, equivalendo a cerca de 65 meses. Vale destacar a notável variação no tempo para emissão de uma licença ambiental entre as agências estaduais.

Os dados revelam que SEMAD (MG), SEMA (MT) e IEMA (ES) são as instituições com as maiores médias de dias, registrando 609, 675 e 680 dias, respectivamente. Por outro lado, a SEDAM (RO), com 18 dias, a NATURATINS (TO), com 68 dias, e a FEMARH (RR), com 81 dias, destacam-se por tramitações mais ágeis. A Figura 3 oferece uma visualização gráfica dessas informações.

Figura 3: Tempo necessário para emitir uma licença por agência ambiental  (2010-2020)

Depois de examinar a tendência central dos dados e analisar a velocidade por agência ambiental, o próximo passo é avaliar o tempo necessário para emitir as autorizações por tipo de licença, conforme ilustra a Figura 4.

Figura 4: Tempo necessário para emitir uma licença ambiental por tipo de documento (2010-2020)

Como pode ser observado, decisões administrativas (892), indeferimento de licenças (719) e pedidos de licença conjunta (611) são os processos que mais demoram para serem finalizados nas agências ambientais brasileiras, em média. Por outro lado, certificados ambientais (5), pedidos de dispensa de licenciamento (32) e autorização ambiental (91) são emitidos mais rapidamente.

Para que o Brasil assuma um papel de liderança mundial na produção de energia, é imperativo reduzir o tempo de espera para novos empreendimentos do setor. Assim como a tempestividade processual não pode colocar em risco o direito à ampla defesa, a busca por oportunidades e inovações não pode degradar, de forma irresponsável e generalizada, os ativos naturais disponíveis.

Conscientes de que acelerar a emissão de licenças é uma empreitada complexa, que requer esforço institucional alinhado com as capacidades estatais e as demandas do setor produtivo, acreditamos que reformas incrementais podem e devem ser adotadas para aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais. Procedimentos simples, como a oferta sistemática de informações para os empreendedores, podem ser aprimorados de maneira fácil.

Alberto Fonseca e Larissa Resende, no artigo “Boas práticas de transparência, informatização e comunicação social no licenciamento ambiental brasileiro: uma análise comparada dos websites dos órgãos licenciadores estaduais”, demonstram que é rara a disponibilização sobre dúvidas comuns a respeito de como protocolar informações sobre os projetos/empreendimentos. Também é pouco difundida a cultura de compartilhamento de informações estatísticas sobre a solicitação e concessão de licenças nos sítios eletrônicos das agências estaduais. Em apenas 7% dos casos foram encontrados manuais ou guias de elaboração de estudos ambientais e nenhuma agência ambiental incluiu informações sobre o apoio popular em pedidos de licenciamento.

É crucial que em projetos de energia, soluções que proporcionem ganhos ambientais sejam reconhecidas e premiadas com licenciamentos mais práticos e ágeis. Isso garantiria ao empreendedor um “fast-track” que compensasse a escolha por uma tecnologia mais custosa, complexa ou inovadora. Além do benefício ambiental alcançado pelo setor privado, o serviço público estaria tratando de maneira objetiva as iniciativas que efetivamente contribuem para o meio ambiente, proporcionando um processo simplificado para esses agentes.

O setor energético brasileiro enfrenta desafios significativos em relação aos licenciamentos ambientais, mas também apresenta oportunidades para melhorias e inovações. A adoção de práticas mais transparentes e eficientes pode ajudar a acelerar o processo de licenciamento, reduzir custos e aumentar a confiança dos investidores. Além disso, a promoção de soluções energéticas mais sustentáveis pode trazer benefícios ambientais e econômicos a longo prazo. O Brasil tem o potencial de se tornar um líder global em energia limpa e renovável, mas isso exigirá um compromisso contínuo com a inovação e a melhoria dos processos de licenciamento ambiental.