O que Flávio Dino disse em sua apresentação na sabatina no Senado

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Indicado para a vaga de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF), o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, está sendo sabatinado nesta quarta-feira (13/12) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal junto com o subprocurador Paulo Gonet (acompanhe ao vivo) — indicado, por sua vez, para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR). Leia abaixo, na íntegra, a apresentação de Dino durante sua sabatina.

“Minhas saudações primeiras são para este Senado da República, aos colegas Senadores e Senadoras. É um grande prazer estar aqui para esta finalidade nobre de ser sabatinado por esta Casa parlamentar.

Saúdo especialmente o eminente Presidente Davi Alcolumbre. Do mesmo modo, cumprimento os colegas do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Advocacia, funcionários do Poder Judiciário, os colegas do Ministério da Justiça, os Deputados Federais, as Deputadas Federais que aqui se encontram, todas as senhoras e os senhores que nos acompanham pela transmissão ao vivo.

Eu aqui compareço depois de 30 anos em que um Senador teve a honra de ser indicado para o Supremo Tribunal Federal. Reverencio a memória do Senador Maurício Corrêa, que há exatamente três décadas aqui esteve, na condição de Senador, para postular a confirmação da indicação ao Supremo Tribunal Federal.

Aqui e alhures, não é estranha a presença de políticos e políticas nas Supremas Cortes. Se nós lembrarmos a história da Suprema Corte dos Estados Unidos Se nós lembrarmos a história da Suprema Corte dos Estados Unidos, vamos encontrar desde a ex-Senadora Sandra Day O’Connor, recentemente falecida, que foi Senadora da República até Warren, que foi Chief of Justice que marcou a história da Suprema Corte dos Estados Unidos, com a experiência pretérita de Governador de estado.

No Brasil, nós temos também uma longa linhagem de Parlamentares, Deputados, Senadores, ex-Governadores que tiveram a honra de figurar no Supremo Tribunal Federal e agregar saberes nascidos dessa prática para que a Suprema Corte possa dirimir os conflitos ali submetidos.

Lembro desde o venerável Hermes Lima, um dos mais ilustres Ministros da Suprema Corte, que foi Deputado Federal; lembro de Oswaldo Trigueiro, que foi Governador; lembro de Oscar Dias Corrêa, que foi Deputado Federal; lembro de Célio Borja, que foi Deputado Federal; lembro de Nelson Jobim, meu professor e querido amigo; e lembro de um dos oradores mais combativos a que o Senado já assistiu, que foi o querido ex-Senador Paulo Brossard, tribuno, respeitado por todas as correntes políticas brasileiras e que figurou — posteriormente à sua passagem marcante pelo Senado, brilhante, combativa, forte —, fortificou ali, no Supremo Tribunal Federal.

Portanto, evoco essa tradição para dizer que me sinto muito confortável de aqui estar, nesta dupla condição, para ser examinado no que se refere aos requisitos constitucionais.

É claro que, quando o Presidente da República me honra com a indicação para aqui estar, não vim aqui fazer debate político — não me cabe neste momento. Vim aqui apenas responder ao atendimento dos dois requisitos constitucionais: notável saber jurídico e reputação ilibada.

Em relação ao saber jurídico, eu fiz uma apresentação escrita em que há a carta que formalmente encaminhei, nos termos do Regimento, ao Senado Federal.

Nessa carta, eu resenho aquilo quanto dito pelo meu querido colega e Prof. Paulo Gonet. O Dr. Paulo Gonet fez uma apresentação justa da sua respeitadíssima atuação profissional. E aqui fiz, também por escrito, assim como ele, esta apresentação de dados curriculares e acresci um elemento que é muito importante na vida acadêmica, que é a chamada comunidade dos pares. Um dos critérios de validade, de verdade sobre o quanto a ser dito aqui é exatamente essa confirmação que emerge da comunidade dos pares. E eu tive a honra de receber manifestação pública de solidariedade de Ministros do Supremo, nomeados desde Fernando Henrique Cardoso até o ex-Presidente Jair Bolsonaro. Portanto, todos os Presidentes da República indicaram ministros, e praticamente todos — se não todos — manifestaram reconhecimento ao atendimento aos requisitos constitucionais.

Honrou-me também, muito especialmente, a carta dos seis Presidentes de Tribunais Regionais Federais — 1ª Região, Brasília; 2ª Região, Rio; 3ª Região, São Paulo; 4ª Região, Porto Alegre; 5ª Região, Recife; e 6ª Região, Belo Horizonte —, porque são os dirigentes máximos da Justiça Federal ao lado do Superior Tribunal de Justiça.

E, finalmente, claro que eu menciono as associações dos magistrados, o Ministério Público, a Defensoria, a Advocacia, a OAB, todos aqueles que fizeram esse reconhecimento.

Portanto, dispenso mencionar dados curriculares neste momento, mas quero aludir sobretudo a compromissos, sobretudo a teses que são fundamentais e que eu possa partilhar com este Senado, acerca da verdadeira visão que eu tenho acerca da atuação do Poder Judiciário pátrio.

A pergunta que se põe é: o que fazer no Supremo?

Eu gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que tenho um compromisso indeclinável com a harmonia entre os Poderes.

É nosso dever fazer com que a independência seja preservada, mas sobretudo a harmonia. Controvérsias são normais; controvérsias fazem parte da vida plural da sociedade democrática. Mas elas não podem ser de qualquer maneira e não podem ser paralisantes, inibidoras do bom funcionamento das instituições.

Lembro que na Itália, na França, no pós-Guerra, houve um momento de afirmação das supremas cortes, em que havia também um diálogo, às vezes mais conflituoso, às vezes menos, entre aquelas instituições recém-nascidas naquele cenário dos anos 40 e 50, na Europa, para que pudessem dialogar com a política daquele momento e encontrar o ajustamento correto, às vezes dez, vinte, trinta anos nesse diálogo democrático.

O segundo compromisso nítido, firme e claro: a nossa Constituição tem um coração. Esse coração está no art. 60, §4º da Constituição, e eu quero reafirmar que entendo a honra de ser aprovado por este Senado. São cláusulas, sim, pétreas para o Brasil e para mim: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias fundamentais. É isto que ali consta, e, por isso, esse é o núcleo de compromissos que eu venho aqui reafirmar.

Aludo também a três presunções que são centrais, a meu ver. A primeira: presunção de constitucionalidade das leis.

A inconstitucionalidade é um fato raro — ou deve ser assim visto. A inconstitucionalidade de uma lei só pode ser declarada quando não houver dúvida acima de qualquer critério razoável. Então, nós precisamos de uma certeza. E, nas zonas de penumbra, como eu fiz a vida toda, há que se prestigiar a atividade legislativa e jamais se esquecer do princípio do paralelismo das formas.

Se uma lei é aprovada neste Parlamento — como eu tive a honra de ter sido Deputado Federal e tenho a honra de ser hoje Senador —, é aprovada de forma colegiada, o desfazimento, salvo situações excepcionalíssimas, não pode se dar por decisões monocráticas, ou seja, para fazer colegiados, para desfazer colegiados, a não ser situações claras de perecimento de direito, quando houver, por exemplo, o risco de uma guerra, o risco de alguém morrer, o risco de não haver tempo hábil para, eficazmente, impedir a lesão a um direito, em obediência a uma cláusula constitucional, que é o princípio da inafastabilidade da jurisdição: “A lei não excluirá do Poder Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça a direito”.

Salvo essa hipótese, este é um compromisso ético: independentemente de normas existentes de um lado e de outro, assim me conduzirei, repito, porque essa foi a minha prática como Governador do meu Estado, economizando nos vetos. E é por isso que todos os políticos de todos os partidos do Maranhão me honraram com uma carta de apoio. E faço isso também como Ministro da Justiça, porque também, quando tenho o dever de opinar sobre a constitucionalidade das leis, numa espécie de controle prévio de inconstitucionalidade, sempre busco minimizar tais vetos e valorizar as deliberações parlamentares.

Portanto, mais do que palavras, são compromissos de vida, assentados na prática pretérita, que é o critério dominante de aferição da verdade.

A segunda presunção que eu quero afirmar é da legalidade dos atos administrativos. Eu governei um estado, eu sei como é difícil gerir a escassez. E por isso mesmo, apenas excepcionalmente, o Poder Judiciário deve infirmar a validade de atos administrativos. Repito, nas zonas de penumbra qual é a presunção que prevalece? A de legalidade dos atos administrativos. Isso emerge muito claramente da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que no art. 22 determina isto de que, na interpretação de normas sobre gestão pública, há que se considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor. Eu fui gestor e, por isso, considero que essa experiência ilumina o cumprimento dessa segunda presunção.

A terceira presunção, presunção de inocência, que deriva diretamente de conquistas civilizacionais que têm séculos. E essa presunção de inocência faz com que eu tenha respeitado e vá respeitar sempre a cláusula do devido processo legal, art. 5º, inciso LIV; o contraditório e a ampla defesa, art. 5º, inciso LV, contra punitivismos e linchamentos de qualquer tipo, físicos ou morais. Essa também é uma presunção que eu gostaria de reafirmar.

Quanto à forma, Camões, em Os Lusíadas, fala de um saber feito de experiência. Ou seja, eu tenho muito orgulho dos meus títulos, tenho muito orgulho de estudar e ler desde os seis anos de idade — e, portanto, já se vai quase meio século. Mas, acima de tudo, sei que para ser bom julgador, a empiria, a experiência, a prática têm um lugar insubstituível. E o que eu ofereço a V. Exas. e à nossa nação? Ofereço a experiência de quem foi juiz federal por 12 anos que não tem nenhuma mácula funcional e teve uma prática honesta na sua função. E a prática, a experiência de juiz federal, ensina o valor fundamental da legitimação da função judicante, qual seja, a imparcialidade, a equidistância em relação aos valores em conflito.

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Da experiência de Deputado Federal e Senador, trago o respeito à função legislativa. Da experiência de Governador e de Ministro da Justiça, trago o respeito àqueles que têm a dura tarefa de concretizar os direitos, gerindo a escassez, e, ao mesmo tempo, velar pela estabilidade institucional.

Eu tenho muito respeito à política brasileira. Neste ano, eu recebi, no Ministério da Justiça, 425 políticos de todos os partidos representados nesta Casa — Senadores, Deputados, Governadores, Deputados Estaduais, Prefeitos, Vereadores, 425 audiências com os políticos de todos os partidos. E ninguém foi mal recebido, mal acolhido ou deixou de ser ouvido em relação às suas postulações.

Esse acesso, senhoras e senhores, para quem tem firmeza assentada em uma vida inteira, pode estar e estará presente, se Deus assim permitir, na minha atuação no Supremo Tribunal Federal. Eu não terei nenhum medo, nenhum receio e nenhum preconceito de receber políticos e políticas do Brasil, porque V. Exas. são delegatários da soberania popular. Independentemente das cores partidárias, terão idêntico respeito, como assim fiz na minha vida inteira.

Derivado desse respeito à política, afirmo a vocês que tenho a exata dimensão de que o Poder Judiciário não deve criar leis. É claro que o Poder Judiciário cria direito ao caso concreto, mas interpretando leis. As pautas axiológicas gerais que vinculam a função judicante são definidas pelo Parlamento. E o nosso sistema não é tricameral, o nosso sistema é bicameral, Câmara e Senado. Não existe um Poder Legislativo em que atuem simultaneamente Câmara, Senado e Supremo. Essa compreensão é fundamental para que nós tenhamos a compreensão de que a autonomização do direito, que foi uma conquista do pós-guerra, não pode se transformar em decisionismos ou indeterminabilidade quanto às normas jurídicas, porque isso traz insegurança ao funcionamento da sociedade, da economia e da política. Lembro que nós temos, sim, autorização contida em lei para atuarmos quando não houver lei aplicável — art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Finalizo, Sr. Presidente, dizendo que eu tenho o entendimento, assentado em Max Weber, de que existem formas diferentes de legitimação da função pública. Todos sabemos os tipos ideais que Max Weber delineou, no sentido de que existe a legitimação racional burocrática, existe a legitimação carismática, existe a legitimação tradicional. Um juiz não assenta a sua legitimidade no carisma pessoal. Um juiz deve assentar a sua legitimidade no cumprimento das normas e no respeito às tradições, porque é daí que o Poder Judiciário pode extrair a sua isenção aos olhos da sociedade. Discrição e ponderação são deveres indeclináveis de um magistrado, diferente da forma como os políticos atuam. São funções diferentes! E, por já ter exercido todas, eu tenho a compreensão da ética profissional de cada uma delas.

É claro que o político tem que ter nitidez e exposição nas suas posições. É claro que sim, mas o juiz não! É diferente! E, portanto, não se pode imaginar o que um juiz foi ou o que um juiz será a partir da leitura da sua atitude como político. Seria como examinar um goleiro à luz do comportamento como centroavante. É claro que são papéis diferentes!

Por isso, finalizo dizendo que todos nós que aqui estamos temos cores diferentes. Estamos com ternos e gravatas diferentes; quando temos campanhas eleitorais, vestimos camisas de diferentes cores. No Supremo, isso não acontece. Todas as togas são da mesma cor. Ninguém adapta a sua toga ao seu sabor, todas as togas são iguais. E isso é uma simbologia fundamental em que a política é o espaço da pluralidade. O Poder Judiciário, claro, que tem saberes e sabores diferentes, mas as togas são iguais, a Constituição é igual, as leis são iguais, o comportamento ético é igual. E por isso que cada juiz ou cada ministro não pode ir com uma toga de uma cor diferente, com estilo diferente.

Aqui estou, portanto, senhoras e senhores, embasado nessa prática concreta, embasado na Constituição Federal e inspirado, sobretudo, por aquilo que eu considero o melhor programa ético já escrito na humanidade, que são as bem-aventuranças, o Sermão da Montanha. Inspirado, portanto, nas bem-aventuranças e no Sermão da Montanha e apoiado nessa experiência prática e na Constituição, respeitosamente e humildemente eu me submeto ao melhor tribunal, que é o julgamento dos meus pares, com muita tranquilidade, com muita confiança e muita homenagem à nossa nação, à qual eu tenho orgulho de servir como servidor público já se vão 34 anos.

Muito obrigado.”

 

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