O que está errado com o modelo de remuneração na saúde?

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Imagine que você precisa fazer uma cirurgia ou tratar uma condição crônica. O que você espera? Recuperar-se bem, evitar complicações e não gastar mais do que o necessário. Mas e se, no meio do tratamento, surgirem novas despesas, visitas inesperadas ao hospital sem que você perceba melhora na sua condição? Esse é um retrato comum em um sistema de saúde que, muitas vezes, se preocupa mais com o volume e com a complexidade dos procedimentos do que com a qualidade do cuidado prestado.

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Esse modelo tradicional remunera médicos e hospitais por cada exame, consulta ou cirurgia, sem necessariamente considerar os resultados obtidos. Fora o impacto que tem na nossa saúde individual, ele gera um custo significativo para o sistema. Esse modelo incentiva a quantidade de procedimentos em vez da qualidade, elevando os custos sem necessariamente melhorar os resultados para os pacientes. Isso acaba prejudicando todos nós, já que esses custos são repassados, direta ou indiretamente, para os beneficiários e para o sistema público.

Traduzindo em números, em 2023, segundo a última edição do Panorama da Saúde Suplementar da ANS, publicado em dezembro de 2024, as 668 operadoras que atuam no Brasil gastaram com despesas assistenciais R$ 239 bilhões para atender 51,5 milhões de pessoas que possuem planos particulares. As despesas assistenciais consistem nos eventos assistenciais per capita acumulados em 12 meses, tanto em valores nominais quanto ajustados pela inflação. Essas despesas incluem os custos relacionados aos atendimentos médicos e hospitalares cobertos pelos planos de saúde. Além disso, elas também estão relacionadas ao indicador de sinistralidade, que mede a relação entre receitas (contraprestações) e despesas dos planos de saúde.

Já outro estudo desenvolvido pelo IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), em parceria com a consultoria EY, abordou o impacto das fraudes e desperdícios no setor, bem como as melhores práticas. A análise mostrou perdas e prejuízos reais para o setor estimados entre R$ 30 bilhões e R$ 34 bilhões, em 2022, evidenciando ainda mais a relevância do tema.

É aí que entra uma abordagem diferente e muito mais interessante: cuidar para que cada paciente receba o cuidado que efetivamente precise e traga os melhores resultados para ele a um custo mais otimizado possível. Pense nisso como uma mudança de foco. Em vez de contabilizar cada serviço prestado, o sistema passa a medir o sucesso pelo impacto na vida do paciente e ser recompensado por isso. Melhor recuperação, menos internações, mais satisfação e um custo adequado.
Vale ressaltar que essa questão de qualidade e resultados não se limita ao Brasil. Mesmo em países desenvolvidos, há uma grande variabilidade nos desfechos clínicos — ou seja, nos resultados dos tratamentos que realmente importam para nossa a saúde e recuperação. Esses desfechos podem variar de local para local e de prestador para prestador, gerando diferenças enormes na qualidade do cuidado.

Por exemplo, na Alemanha, a taxa de reoperação após cirurgias de quadril pode variar até 18 vezes entre hospitais. Na Suécia, as complicações após cirurgias de catarata chegam a variar até 36 vezes, dependendo do hospital. Esses dados revelam que, mesmo em sistemas considerados avançados, ainda há um caminho importante a percorrer para garantir que todos recebam o mesmo padrão de cuidado e segurança.

Hoje, sabemos que 212,6 milhões de brasileiros dependem de um sistema de saúde que pode se beneficiar muito dessa nova abordagem, seja no SUS ou na saúde privada. Esse cenário precisa mudar e envolve uma série de fatores. Passos começam a ser dados. Recentemente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) selecionou, por meio de chamamento público, o Instituto Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS), o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional e os Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª e 4ª Região para firmarem um acordo de cooperação visando ampliar e operacionalizar essa lógica no Brasil. A proposta é clara: remunerar melhor quem entrega bons resultados, promovendo um sistema mais eficiente e justo para todos. Isso significa alinhar recursos àquilo que realmente importa: o bem-estar dos pacientes.

Além de focar na qualidade dos desfechos clínicos, o modelo de remuneração baseado em valor também promove maior transparência entre operadoras, prestadores de serviços e nós, os pacientes. Conseguimos compreender muito melhor os recursos que despendemos para cuidar da nossa saúde e nos sentimos muito mais parte do nosso cuidado.

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No âmbito do sistema, o impacto financeiro também é significativo. O modelo de remuneração baseado em valor permite uma gestão mais eficiente dos recursos, priorizando a alocação inteligente de investimentos e reduzindo desperdícios. Isso não apenas ajuda a controlar os custos das operadoras de saúde, mas também beneficia diretamente as pessoas e as empresas. Os planos consideram o aumento dos custos dos tratamentos oferecidos para definir os reajustes das mensalidades. Com um modelo mais eficiente e com menos desperdício, a tendência é que os reajustes se tornem mais equilibrados e previsíveis para os beneficiários, garantindo acesso a um cuidado mais eficaz e focado em resultados reais, ao mesmo tempo em que se evitam despesas desnecessárias.

Para que esse modelo seja implementado com sucesso, é necessário investir em tecnologia, capacitar profissionais e promover mudanças estruturais no modelo atual. Médicos e hospitais precisam ser incentivados a priorizar resultados reais para os pacientes, assegurando que cada real investido gere benefícios concretos para a sociedade.

Esse não é apenas um movimento passageiro, mas uma mudança necessária e urgente. O que buscamos, em qualquer parte do mundo, é um sistema de saúde mais eficiente, que priorize o cuidado de qualidade e o uso responsável dos recursos. Isso precisa ser a regra, não a exceção.