A partir do fim de novembro, COP28 faz um balanço das ações para atingir a meta de frear em até 1,5º C o aquecimento global até 2030. Os impactos das cadeias de alimentação devem ser um dos temas;
Os sistemas alimentares são responsáveis por 34% das emissões de gases de efeito estufa no mundo, estima a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No Brasil, são 74% das emissões;
As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que delineiam como os países do mundo devem planejar suas estratégias de políticas públicas, e Planos Nacionais de Adaptação às mudanças climáticas precisam incluir os sistemas alimentares;
O incentivo às proteínas alternativas é uma das estratégias para cumprir compromissos climáticos ambiciosos e, ao mesmo tempo, realistas.
Transformar as formas de produção e consumo de alimentos é peça-chave do esforço global em combater a crise climática. Por isso, temas que giram em torno da alimentação e agropecuária – o que passa por sistemas alimentares e alternativas aos alimentos de origem animal –, farão parte dos debates da COP28, a 28ª Conferência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima, que começa nesta quinta-feira (30/11) e vai até 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes.
A edição pode definir os próximos passos para deter o aquecimento do planeta. Isso porque acontece o primeiro balanço global – chamado de Global Stocktake (GST) – em relação aos objetivos traçados em 2015 pelo Acordo de Paris. Na época, o documento estabeleceu a meta de limitar o aquecimento médio do planeta a 1,5°C até 2030. Agora, os Estados-membros do Acordo irão avaliar a implementação dessas metas a longo prazo.
O cenário atual não oferece os melhores prognósticos. Em novembro, pela primeira vez, a temperatura média global ultrapassou a marca de 2º C mais quente do que os registros anteriores à industrialização em um dia – além disso, setembro foi o mês mais quente da história, de acordo com o Copernicus, serviço que monitora mudanças climáticas da União Europeia.
Embora esses números não sejam definitivos (ou seja, o Acordo de Paris não foi violado), já se sabe que mais esforços são necessários do que os atuais compromissos feitos por países e empresas. Com as metas atuais, o mundo ainda ficaria entre 2,5º C e 2,9º C mais quente neste século, segundo relatório divulgado em novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Nessa corrida, as emissões ligadas aos sistemas alimentares são significativas para determinar o quão próximo ficaremos da meta. Os sistemas alimentares se referem aos processos envolvidos na produção de alimentos – do cultivo ao consumo de um produto. Todas as etapas geram impactos.
“Desde a COP26, temos visto um esforço mais latente da sociedade civil para que os sistemas alimentares tenham tanta centralidade quanto outros setores na COP, justamente por conta dos seus impactos climáticos e das possibilidades de mitigação e adaptação que partem de práticas mais sustentáveis na agricultura”, explica Mariana Bernal, analista de políticas públicas e relações multilaterais do The Good Food Institute (GFI) Brasil.
Para entender o tamanho do potencial, basta observar que os sistemas alimentares são responsáveis por 21% a 37% das emissões de gases de efeito estufa no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
No Brasil, essa parcela é ainda maior. De acordo com relatório produzido pelo Observatório do Clima, em 2021 as emissões correspondentes aos sistemas alimentares somaram 1,8 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente – cerca de 74% das emissões brutas totais registradas no país.
Por isso, esse é o maior ponto de atenção para cumprir os compromissos climáticos. E, dentro dos sistemas alimentares, a agropecuária responde por aproximadamente 34% de participação nas emissões brasileiras. Ao realizar um recorte por cadeias produtivas, a produção de carne bovina é líder, com 78% das emissões estimadas.
A partir desse balanço, existe a expectativa de que os sistemas alimentares sejam incluídos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas, as NDCs, que delineiam como os países do mundo devem planejar suas estratégias de políticas públicas e Planos Nacionais de Adaptação às mudanças climáticas.
A agropecuária responde por 34% das emissões brasileiras
“Nessa linha, é esperado que as proteínas alternativas sejam incluídas como uma das estratégias para colaborar com a entrega de compromissos ambiciosos e, ao mesmo tempo, realistas”, pontua Bernal. As proteínas alternativas são as derivadas de produtos vegetais, como as plant-based, ou as desenvolvidas a partir de células animais, conhecidas como carne cultivada.
A programação da COP28 estará voltada a debater os sistemas alimentares no dia 10 de dezembro. A presidência da conferência ainda prepara a Declaração de Líderes sobre Sistemas Alimentares Resilientes, Agricultura Sustentável e Ação Climática, documento que estabelece maior conexão entre alimentação e mudanças climáticas.
A sociedade civil também se mobiliza para fazer propostas e obter compromissos de países e empresas. Uma delas será a apresentação da proposta de uma Coalizão Global pelas Proteínas Alternativas, iniciativa voluntária do The Good Food Institute para ampliar a participação dessas proteínas no conjunto de soluções práticas para a crise do clima.
“É esperado que as proteínas alternativas sejam incluídas como uma das estratégias para colaborar com a entrega de compromissos ambiciosos e, ao mesmo tempo, realistas”
Mariana Bernal, analista de políticas públicas e relações multilaterais do The Good Food Institute (GFI) Brasil
“A Coalizão será um esforço para endereçar as barreiras de desenvolvimento do setor, sejam elas regulatórias, de financiamento, ou do acesso público à informação sobre os benefícios climáticos e nutricionais das proteínas alternativas”, aponta Bernal.
Inovação nos sistemas alimentares
Em relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), as carnes de origem vegetal e a cultivada são consideradas soluções transformadoras e, junto com transições nos setores de energia e de transporte, podem reduzir pela metade as emissões globais até 2030. E a boa notícia é que a participação das proteínas alternativas à animal têm avançado a passos largos no mercado da alimentação.
“A ciência e tecnologia têm buscado meios de obter a produção de proteínas alternativas para a alimentação humana de forma que sejam alcançadas as metas para garantir a segurança alimentar e nutricional, atendendo às demandas da sociedade quanto à sustentabilidade social, econômica e ambiental”, explica Aline Silva Mello Cesar, professora e presidente da Comissão de Pesquisa e Inovação da Esalq-USP.
Ela explica que a produção de proteínas alternativas auxilia na redução de gases de efeito estufa, na medida em que permite reduzir o uso da terra para a criação animal, pastagens e produção de grãos para alimentação animal, responsáveis por parte importante dessas emissões. A diversificação de fontes de proteína tem potencial de entregar entre 14% e 20% da mitigação de emissões que o planeta precisa para garantir que o ano de 2050 não ultrapasse os 1,5ºC de aquecimento.
Assim, essas proteínas são uma opção de eliminar algumas das etapas mais poluentes da cadeia da carne, sem que ela deixe de existir. E a combinação de inovações tecnológicas, políticas e práticas alimentares como essas é capaz de reduzir em até 40% as emissões provenientes da produção agrícola em escala mundial, segundo o World Resources Institute (WRI).
Potencial brasileiro e do Sul Global
Na medida em que o Brasil tem, no pódio dos maiores emissores, os setores ligados aos sistemas alimentares, o país tem oportunidade de extrair o máximo da transição para uma agricultura de baixo carbono.
O Brasil, enquanto uma potência agropecuária, ainda tem muito espaço para um desenvolvimento verde, destacou a secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcia Barbosa, ao comentar a necessidade de políticas públicas para o setor, em junho de 2023.
A diversificação de fontes de proteína pode entregar entre 14% e 20% da mitigação de emissões necessária até 2050
O feijão, por exemplo, é um produto nacional com grande potencial para se tornar um protagonista na área de proteínas alternativas. O Brasil não é somente um dos maiores produtores da leguminosa em todo o mundo, mas também é um dos maiores consumidores globais – haja vista que está diariamente no prato de boa parte dos brasileiros.
“Estudos recentes têm mostrado o potencial do feijão como fonte alternativa de proteínas para a produção de alimentos plant-based, uma vez que apresenta importante proporção de proteína em sua composição, além de vitaminas, minerais e fibras”, diz Cesar, da Esalq-USP.
Além de ser rico em nutrientes, o feijão também tem uma função biológica importante para as atividades agrícolas por atuar na fixação do nitrogênio no solo e na absorção do carbono. Em comparação a outros grãos, o cultivo demanda menor quantidade de água e de fertilizantes, resultando em menor custo e maior facilidade no armazenamento.
“Estudos recentes têm mostrado o potencial do feijão como fonte alternativa de proteínas para a produção de alimentos plant-based”
Aline Silva Mello Cesar, professora e presidente da Comissão de Pesquisa e Inovação da Esalq-USP.
No entanto, as principais fontes proteicas utilizadas em produtos plant-based são a soja e a ervilha, sendo este segundo um ingrediente importado. De acordo com um levantamento feito pelo GFI Brasil em 2021, somente 9% dos alimentos produzidos com proteínas vegetais eram feitos com feijão, grão de bico ou trigo.
“Por meio do financiamento de pesquisas na área de proteínas alternativas nacionais, é possível que o Brasil precise importar cada vez menos matérias-primas e ingredientes para o desenvolvimento de proteínas vegetais já conhecidas, como a ervilha”, analisa Bernal, do GFI Brasil.
Além disso, na perspectiva dela, o Brasil tem todas as ferramentas para despontar, o que inclui desde a biodiversidade mais rica do mundo até o potencial para desenvolver ciência e tecnologia de ponta na área da inovação de alimentos. Seria possível aproveitar na produção espécies vegetais nativas dos biomas nacionais, especialmente da Amazônia e do Cerrado.
“O feijão, muito produzido nos países do Sul Global, é uma cultura rica em proteínas com potencial técnico para ser uma alternativa viável de substituição à ervilha”, adiciona Bernal.
Esse tipo de potencial é observado no Brasil e também em outros países do chamado Sul Global – como são conhecidas as economias de baixa e média renda que, de modo geral, têm um histórico de colonialismo ou neocolonialismo, com alta desigualdade e baixo acesso a recursos, como nações da América Latina e África.
Incentivos para uma transição nos sistemas alimentares
Nesta edição da COP, mais uma vez entrará em discussão a contribuição dos países ricos, responsáveis pela maior parte das emissões ao longo da história, para o combate à crise climática e suas consequências no Sul Global. Inicialmente no Acordo de Paris, se esperava o repasse de US$ 100 bilhões ao ano, mas essa cifra nunca foi atingida. Isso poderia impulsionar a transformação dos sistemas alimentares nos países em desenvolvimento – com tecnologias e matérias-primas próprias, e não dependente da importação.
Em setembro de 2023, o diretor-geral da FAO, Qu Dongyu, e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, assinaram uma carta de intenções para uma cooperação Sul-Sul. Esse movimento pode incentivar o Sul Global como um agente no desenvolvimento de recursos voltados a sistemas alimentares mais sustentáveis.
“A principal medida para reduzir o quadro é o comprometimento global para fomentar pesquisas inovadoras que tragam de forma eficiente e sustentável soluções práticas voltadas para o sistema alimentar com geração de soluções que levem a uma produção de proteína de maneira sustentável e que garanta a segurança alimentar e nutricional”, observa Aline Cesar.
No contexto brasileiro, em particular, o envolvimento governamental é fundamental para que o país tenha um papel central no desenvolvimento de soluções com proteínas alternativas. Para Mariana Bernal, do GFI Brasil, a participação do poder público é fundamental “tanto do ponto de vista regulatório, para que os produtos possam se manter no mercado de forma competitiva, quanto de financiamento de pesquisas, para o desenvolvimento de produtos cada vez mais acessíveis, saudáveis e sustentáveis”.