O que esperar do STF no julgamento sobre trabalhadores de aplicativo?

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O Supremo Tribunal Federal designou para o próximo dia 8 de fevereiro o início do julgamento da tese que fixará uma orientação vinculante referente à relação jurídica existente entre os trabalhadores de aplicativo e a plataforma gestora do serviço, razão pela qual no presente artigo vamos trazer apontamentos jurídicos que auxiliem os leitores na compreensão da complexidade do que está sendo decidido, afinal, os serviços prestados por aplicativos já estão integralmente inseridos em nossas vidas e a decisão em um ou outro sentido pode impactar diretamente em nossa sociedade.

Em um contexto histórico, tem-se que os trabalhos por plataforma integram um fenômeno que tem sido chamado de 4ª Revolução – A Revolução Digital ou Revolução 4.0, que está intrinsecamente marcada pelo crescimento exponencial da tecnologia, agora sob o viés da inteligência artificial, e o grande fluxo de dados e informações em um curto espaço de tempo, estando tudo a “um clique de distância”.

As plataformas de aplicativo chegaram ao Brasil por volta de 2014 e, até o presente momento, apesar de diversos projetos de lei, ainda não temos uma regulamentação sobre o assunto.

Considerando a ausência de legislação, face a morosidade do andamento da questão no âmbito do Poder Legislativo, a solução para os casos reais que chegam ao Judiciário vem sendo dada pelos magistrados com o suporte na atual legislação, utilizada por intermédio de um esforço interpretativo e, também, dos costumes que temos. Afinal, ao juiz não é dado o direito de dizer “não existe lei sobre assunto, então, deixo de resolver o problema que foi trazido”.

Assim, precisamos entender que, ausente a regulamentação, a questão inicialmente tem sido analisada pela Justiça do Trabalho que, em seu Tribunal Superior, ainda não firmou entendimento pacífico sobre como o tema deva ser tratado. Ainda, considerando julgamentos como o da ADPF 324, do Tema de repercussão geral 725 (que autorizaram a terceirização em atividade fim e atividade meio), da ADC 48 (que valida a figura do Transportador Autônomo de Cargas), entre outros precedentes, o STF tem compreendido que a relação é estritamente comercial, já que a corte tem consolidado seu entendimento no sentido de permitir outras formas de contratação de serviços/mão de obra, além daquela decorrente do vínculo empregatício.

Nesse sentido, o que antes era considerada a regra de forma de contratação (relação de emprego tipicamente regida pela CLT), atualmente é considerada só mais uma das modalidades possíveis de trabalho, devendo ser chancelada a livre iniciativa e liberdade de vontade entre os contratantes.

A corroborar a posição do STF e daqueles que defendem a relação comercial, apesar de posicionamentos contrários, pensamos que a CLT não é capaz de atender à demanda exigida por essas novas formas quando se analisa a relação de trabalho. Ainda que se defenda a existência do artigo 6º, parágrafo único, a referida norma foi pensada para o conceito tradicional de contrato de trabalho.

Desta forma, o ordenamento jurídico deve ser visto como um todo e interpretado à luz da Constituição Federal, que prima pelo valor social do trabalho e pela livre iniciativa, o que reforça o entendimento da Suprema Corte de que a contratação por outras formas além daquelas regulamentadas pela CLT é viável e amparada constitucionalmente.

É de se destacar, ainda, que com a Revolução Digital temos hoje modelos de negócio chamados de sharing economy (economia compartilhada) e crowdwork (prestação de serviços por aplicativos) que se afastam da relação tradicional de emprego, não sendo possível consignar com exatidão os elementos das relações empregatícias da forma como posta na Consolidação das Leis do Trabalho, o que demonstra a necessidade imperiosa de regulamentação urgente da matéria pelo Legislativo.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que, conforme pesquisas realizadas pelo Datafolha no levantamento intitulado “Futuro do Trabalho por Aplicativo”, os trabalhadores de aplicativo não querem que a eles se aplique o regime previsto na CLT, preferindo a autonomia que lhes é conferida atualmente.

Diante de tudo o que foi dito até o momento, insuficiência legislativa para regular o tema, vontade dos prestadores de serviços, novas formas de relações de trabalho, parece-nos que a melhor solução para o tema não seria uma decisão proferida pelo STF, mas sim a verdadeira regulamentação do assunto por parte do Legislativo.

Isso porque a decisão proferida pelo Supremo não será capaz de abarcar todas as nuances que envolvem a questão, a solução contemplará apenas parte da controvérsia.

Todavia, ainda que a melhor solução seja a regulamentação pela via legislativa, pelo que temos visto atualmente, a partir das recentes decisões proferidas pelo STF, a tendência aponta pelo reconhecimento da relação comercial/civil, chancelando as decisões da corte no sentido de que são possíveis outras formas de contratação além da relação de emprego convencional (celetista).

Deve-se, contudo, asseverar que, diante da repercussão do tema e dos impasses que têm havido entre os tribunais trabalhistas e a Suprema Corte, bem como alguns poucos posicionamentos contrários dentro do próprio STF, é possível que a matéria não encontre uma aderência tão pacífica nos tribunais, o que poderá ocasionar ao jurisdicionado a sensação de ausência de uma solução.