O que esperar do novo ECA Digital no Brasil?

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Aprovado na última semana pelo Senado, o ECA Digital posiciona o Brasil à frente em termos de ações regulatórias voltadas para proteção da infância, alinhando-se a legislações rigorosas como o Digital Services Act da União Europeia, Online Safety Act do Reino Unido e o Children’s Online Privacy Protection Act dos Estados Unidos.

A nova legislação estabelece obrigações legais inéditas para as plataformas digitais, restringindo práticas abusivas de monetização e perfilamento de menores.

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Um dos principais pontos positivos da ECA Digital é imposição de obrigações legais para a remoção imediata de conteúdos relacionados a abuso ou exploração infantil com notificação às autoridades, com multas que podem chegar a 10% do faturamento do grupo econômico ou até R$ 50 milhões pelo descumprimento, além da possibilidade de suspensão temporária de atividades. Essas sanções visam garantir que as plataformas assumam a responsabilidade pela proteção dos usuários menores.

Outro aspecto positivo é a obrigatoriedade da disponibilização de ferramentas de controle parental. Dessa forma, dentro de um padrão de precaução no ambiente digital, os pais contarão com mecanismos para gerenciar as interações de seus filhos nas plataformas digitais, contribuindo para um ambiente online mais seguro.

Da mesma forma, empresas com mais de 1 milhão de usuários menores deverão apresentar relatórios semestrais sobre denúncias recebidas e ações tomadas, promovendo transparência e maior responsabilização.

Entretanto, a nova Lei não é isenta de críticas. Uma das principais preocupações é uma transferência excessiva de obrigações legais relativas à proteção de crianças e adolescentes para as plataformas, obrigações que também deveriam ser compartilhadas com os pais e órgãos de aplicação das leis, como o Ministério Público. Igualmente, a eficácia da legislação depende de infraestrutura de monitoramento mais adequada, que atualmente é considerada deficiente no Brasil.

A falta de mecanismos mais refinados de fiscalização levanta questões sobre a capacidade real de aplicação da nova legislação. O baixo grau de responsabilidade existente na aplicação das normas vigentes sugere que o ECA Digital pode enfrentar dificuldades em sua implementação.

As plataformas, embora responsabilizadas, não poderiam ser as únicas para garantir a proteção de menores, especialmente se usuários mal-intencionados continuarem a burlar a aplicação das novas regras.

A legislação também aborda questões importantes como a hiperssexualização de menores e os riscos associados a conteúdos confidenciais. Contudo, muitos desses desafios permaneceram sem solução clara. Isso porque o ECA Digital menciona esses problemas de maneira genérica sem abordar diretamente a complexidade das interações realizadas nas plataformas.

Uma das principais mudanças trazidas pela Lei é o dever proativo das plataformas, que agora devem agir ativamente para proteger os usuários menores. A definição de perfilamento e monetização de dados de crianças e adolescentes é um item essencial, vedando a exploração dessas informações para publicidade direcionada. As plataformas também devem estabelecer canais adequados para que as denúncias sejam tratadas de maneira eficaz e imediata, sem necessidade de ordem judicial para remoção de conteúdos prejudiciais.

A atribuição de competências à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para aplicar deliberações em caso de descumprimento é um avanço, embora possa gerar questionamentos sobre sua constitucionalidade. A capacidade de implementação de bloqueios na rede em resposta a infrações reforça o papel da agência no monitoramento da conformidade.

Em relação à possibilidade de uma regulação geral das redes sociais, o ECA Digital sugere um movimento em direção a uma abordagem mais abrangente, embora ainda não atenda plenamente a essa demanda.

A corrida do Congresso Nacional em torno de incidentes de “mobilização seletiva”, como trazido pelo influenciador Felca, destaca a necessidade de uma regulação eficaz que priorize a proteção de menores sem ceder à pressão de censura da liberdade de expressão por grupos que insistem em uma visão distorcida das regras constitucionais que protegem as liberdades comunicativas e informativas no ambiente online.

Por fim, a mobilização social e o debate público constante serão fundamentais para garantir que o ECA Digital não apenas se transforme em um marco legal esperado, mas também se mostre eficaz na prática. O desafio será garantir a fiscalização adequada da nova lei, que busca reagir – como fizeram as leis na União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido – aos perigos do ambiente digital.

Nesse sentido, o Estado brasileiro deve permanecer atuante, evitando que a ausência de políticas efetivas deixe os menores vulneráveis ​​a riscos que se intensificam com a digitalização das interações sociais e às externalidades trazidas pelo uso de tecnologias de Inteligência Artificial aplicadas às redes.