O preso brasileiro incomoda

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O preso brasileiro incomoda. Há um preconceito com a sua existência. Parte da sociedade o repele dentro e fora do cárcere. Não por acaso, por anos, se consagrou o adágio popular do “bandido bom é bandido morto”. Dificuldades de ressocialização, saída da prisão sem dinheiro, emprego e moradia, o que levam mais de 40% deles a reincidir no crime e retornar ao ambiente prisional.

Dentro dos presídios convivem com superlotação, doenças, maus-tratos, condições insalubres, pouco acesso a estudos e trabalho e a massa prisional somente aumenta. Há incômodo, porque muito se prende e pouco se recupera.

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A população brasileira clama cotidianamente por segurança. Não por acaso, a segurança pública é tema rotineiro no Congresso Nacional, nos estados e nos municípios. Alguns estados aumentaram sua letalidade a fim de supostamente conferir maior segurança. 

São Paulo, o maior estado da federação, teve um incremento da letalidade policial que dobrou desde que o atual governo modificou sua política de segurança pública. A polícia da Bahia vitimou 1.699 pessoas, índice de letalidade maior do que a totalidade dos Estados Unidos. Importante destacar que a Bahia tem em torno de 14 milhões de habitantes, ao passo que os EUA têm mais de 334 milhões de pessoas. Claramente há uma dissonância da letalidade da força policial.

Fora a letalidade, temos o custo para a manutenção dos presos no Brasil. E, nesse cenário, há que se distinguir entre os presos federais e estaduais, nos quais os primeiros convivem em unidades de segurança máxima no regime disciplinar diferenciado (RDD).

O custo médio mensal para a manutenção de um preso no presídio federal é de R$ 4.166 ou R$ 50 mil por ano. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a construção de uma vaga prisional custa R$ 25 mil para os estados, ao passo que uma vaga na rede estadual de ensino custa R$ 4.000.

Para se ter um valor real do custo do preso, é necessário multiplicar o custo médio pela quantidade total de presos. Porém, aqui temos um problema de difícil solução. Qual a população carcerária no Brasil? A resposta é uma incógnita, afinal, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, de 2013 a 2023 o total de presos mudou de 581 mil para 850 mil.

O número é praticamente o mesmo do Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2024. Porém, segundo o Relatório de Informações Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em outubro de 2024 havia 663.906 presos. Segundo o CNJ temos 711.463 presos, enquanto de acordo com o Censo do IBGE temos 479 mil pessoas em presídios (esse número leva em consideração pessoas presas por mais de 12 meses e com condenação transitada em julgado). Por fim, o Depen afirmava que em 2022 havia 979 mil presos.

Não se sabe, realmente, quantos presos temos, o que é no mínimo curioso, já que os estados possuem dados estatísticos confiáveis acerca da superlotação e do déficit de vagas – todavia, o mesmo não se aplica à população carcerária.

Assim, temos no Brasil presos em excesso – segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 1 a cada 3 estabelecimentos prisionais no Brasil tem condições ruins ou péssimas. Seja pelo excesso de pessoas ou pelas condições precárias de existência, as doenças se proliferam nos presídios brasileiros.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 1 a cada 100 pessoas presas tem algum tipo de doença. Em 2023, 7.800 presos tinham tuberculose, mais de 10 mil têm HIV e 9.000 têm sífilis.

Fora as doenças temos a violência dentro dos presídios: em 2023, foram registradas 3.091 mortes no sistema penitenciário, sendo 703 homicídios, segundo levantamento do Observatório Nacional dos Direitos Humanos. Ainda de acordo com o observatório, a taxa de mortes violetas é quatro vezes maior do que na população em geral. E os suicídios são três vezes mais frequentes.

Ademais, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos registrou entre 2020 e 2024 14.731 denúncias por tortura e maus-tratos, com 80% delas ocorridas dentro dos presídios.

O sistema prisional brasileiro tem como objetivo a ressocialização e a punição da criminalidade. Porém, o que se nota é um Estado democrático de Direito que se preocupa mais em punir a criminalidade do que em ressocializar.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, apenas 19,5% dos presos estavam envolvidos em atividades laborais, que propicia remuneração e/ou remissão de pena, dois elementos importantes para a ressocialização prisional.

Menos de 1 a cada 5 presos está envolvido com ressocialização, enquanto 2 em cada 5 reincidem quando fora do sistema carcerário e retornam para a prisão.

O preso brasileiro incomoda. Para os presos, as condições somente pioram e a perspectiva de ressocialização nada mais é do que um sonho distante. Boa parte deles em idade de plenitude laboral são sistematicamente desperdiçados e perdidos. Segundo o Anuário da Segurança Pública de 2023, 62,6% dos encarcerados têm entre 18 e 34 anos.

O que explica uma taxa tão elevada de reincidência, se dentro dos presídios temos doenças, maus-tratos, tortura e superlotação? Porque o preso brasileiro incomoda.

O egresso deixa o sistema sem dinheiro, moradia e emprego, possivelmente com uma educação precária e terá de sobreviver. Acrescido a isso temos a ausência de acompanhamento psicológico no ambiente prisional, o que dificulta ainda mais para o próprio Estado a compreensão e aplicação da ressocialização. No sistema prisional, ao menos, há comida, moradia e ausência de julgamento por seus pares. Para uma parte deles, isso é mais do que possuem fora.

O Brasil, com isso, perde parte de sua população que poderia contribuir para o trabalho e o desenvolvimento do país e, seguramente, perde os presos para o próprio sistema. Se encarcera cada vez mais, se educa cada vez menos e, seguramente, não há a ressocialização que o sistema penitenciário prevê e almeja.

Perde a sociedade, a população, o governo e, especialmente, uma parte saudável de pessoas que sucumbem ante à falta de oportunidade e enveredam para o crime organizado e desperdiçam seu potencial. O Estado democrático de Direito padece ante suas próprias falhas e erros.

Ao invés de investir, ressocializar e recuperar o preso, o Estado democrático de Direito brasileiro trata o encarcerado da mesma forma que parte da população almeja: que sejam esquecidos, que não mereçam condições melhores enquanto presos. O preso incomoda. Até quando?