Por definição, a democracia implica a participação igualitária de cidadãos no processo político de um país. Muitos são os critérios usados para tentar avaliar a democracia em determinado lugar: a universalidade do voto, o pluralismo e o respeito a liberdade civis, entre outras. A garantia do respeito à vontade da maioria por meio de processos eleitorais não é mais percebida como principal ou único elemento desse regime.
Nas últimas décadas, a multiplicidade de formas de participação política tem despertado a reflexão de como é a relação do cidadão comum com o poder. Quais os mecanismos que a população usa para fazer chegar suas demandas aos tomadores de decisão? De que instrumentos dispõem, a quais processos se submetem, qual o peso da voz da sociedade civil em decisões sobre políticas públicas e regulamentações?
Essas são algumas das perguntas que procuramos responder no livro “O povo no poder: quando a sociedade ocupa o seu lugar de fala”, lançado recentemente pela editora Diálogos, selo editorial do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), escrito por mim e pelas co-organizadoras Ângela Oliveira e Mariana Chaimovich.
Quando, no final de 2021, o Irelgov divulgou edital em busca de projetos editoriais, me senti motivada a voltar a explorar essa temática e dar visibilidade ao tema. Ao estruturar o projeto, a ideia era mostrar como o cidadão consegue – coletivamente – participar das decisões do Poder Público, ultrapassando a questão de processo eleitoral. Afinal, existe sim uma assimetria no acesso a informações sobre caminhos para levar pleitos a autoridades – determinados protocolos nesse processo podem ser bem intimidadores.
Mas cabe à sociedade civil organizada fazer chegar necessidades e anseios às esferas decisórias. A manifestação da vontade popular é mais do que legítima – é essencial, uma forma de fazer valer a pluralidade de visões que constituem uma sociedade diversa, democrática e inclusiva. Ela já acontece nos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, e nas esferas federal, estadual e municipal, das mais diversas formas, pelos mais diferentes meios.
Na obra, convidamos autores a trazer não apenas discussões teóricas, conceituais e reflexões, mas casos reais de como a sociedade civil tem buscado criar e ocupar seus próprios espaços, e aumentar o alcance de sua voz. Advogados, cientistas políticos, professores, pesquisadores e profissionais de relações governamentais se debruçaram sobre o tema e apresentaram estudos de casos que ilustram as soluções encontradas por diferentes segmentos para que se façam ouvidos.
O leitor encontrará relatos sobre a atuação do terceiro setor em defesa de suas causas. Também verá exemplos concretos de ocupação de espaços públicos de decisão pela sociedade civil organizada, como no caso de um grupo de mulheres, mães e advogadas que uniu esforços e mobilizou grupos de pressão em torno da criação de regulamentação para a rotulagem de alimentos alergênicos no Brasil.
Em outro texto, é descrita a atuação de uma associação setorial patronal do segmento hospitalar em seu processo de mapeamento, consolidação e análise de contribuições de dezenas de partes interessadas para a elaboração de propostas para melhoria do sistema de saúde pública no estado.
Para colocar essa ideia no papel, poder contar com o engajamento e olhar cuidadoso de minhas duas parceiras foi fundamental. Em mente, nosso desejo de democratizar as ferramentas de atuação, reconhecer boas práticas, dar visibilidade às iniciativas em andamento no país e, de quebra, incrementar a transparência sobre as ações de influência da iniciativa privada junto ao poder público.
Nossa expectativa é dar palco para essa discussão, e deixar claro que o conceito de democracia participativa está cada vez mais presente no cotidiano brasileiro. E ele pode ser alavancado por meio de incentivo para que mais segmentos se lancem na atuação na área de relações governamentais.
Se contribuirmos para a formulação de políticas públicas mais alinhadas com os anseios da sociedade, e para aumentar o empoderamento e engajamento popular nessas discussões, nosso esforço terá valido a pena. Assim, reforçamos aqui nosso convite: leia, comente, repercute, amplifique – conversar já é um passo a mais na direção da construção de uma sociedade mais atuante e participativa.