A licitação é um processo administrativo consubstanciado em um conjunto de atos praticados de forma ordenada e sucessiva, visando à seleção da melhor oferta em razão de um negócio jurídico que a Administração Pública pretende celebrar por meio de um contrato.
Neste cenário temos a presença de vários atores, cada qual desempenhando uma função administrativa e, por conseguinte, praticando os atos nos estritos limites legais das respectivas competências.
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Objetivando garantir práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, a Lei 14.133/21 prevê três linhas de defesa, uma delas integrada pelas unidades de assessoramento jurídico do próprio órgão ou entidade pública.
De uma interpretação sistemática do regime jurídico licitatório, é de se reconhecer que o advogado público ganhou papel de destaque, tendo em vista o alto grau de responsabilidade decorrente das várias atribuições a ele conferidas.
A primeira delas – talvez a de maior relevância – está prevista no artigo 53 da Lei 14.133, segundo o qual ultimada a fase preparatória da contratação o processo deverá ser encaminhado para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará o controle prévio de legalidade, mediante análise jurídica.
Diferentemente da Lei 8.666/93 que, em seu artigo 38, parágrafo único determinava que apenas as minutas de editais, contratos, acordos, convênios e outros ajustes deveriam ser objeto de aprovação pela assessoria jurídica, nos termos da Lei 14.133/21 o controle de legalidade foi ampliado, devendo incidir sobre o processo como um todo, desde o seu ato inaugural até a minuta de edital e/ou contrato.
Além dos processos licitatórios, as contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, termos aditivos e outros instrumentos sofrem, da mesma forma e com a mesma intensidade, a incidência do referido controle.
A ampliação deste controle é deveras salutar e merece especial atenção, notadamente se consideradas as repercussões nos processos de contratação ou outros congêneres. Trata-se de um verdadeiro filtro que possibilita a correção de eventuais falhas ou vícios, afastando, preliminarmente, os riscos ao interesse público norteador de toda a atividade estatal.
Uma interpretação literal do artigo 53 da Lei 14.133 poderia levar à conclusão no sentido de que apenas o processo licitatório estaria sujeito ao controle prévio de legalidade, notadamente em razão do artigo 72 que, em seu inciso III prevê a juntada de parecer jurídico aos processos de dispensa e inexigibilidade.
Ocorre que, topograficamente, a previsão contida no inciso III do artigo 72 encontra-se deslocada, porque, a rigor, a emissão de parecer jurídico como instrumento de controle da legalidade de uma contratação direta deve constituir o último ato praticado no curso desse processo, antes apenas da decisão da autoridade competente.
Ademais, somente é possível realizar o escorreito controle prévio de legalidade de um processo de contratação direta quando todos os atos a ele inerentes tenham sido praticados, faltando apenas a manifestação final da autoridade competente.
Assim, sustentamos que a regra do artigo 53 da Lei 14.133 abrange e os processos de contratação direta por dispensa ou inexigibilidade.
Outro aspecto que merece destaque diz respeito à competência para o exercício de tal controle. Não remanesce dúvida de que compete ao órgão de assessoramento jurídico do órgão ou entidade pública, todavia, por se tratar de uma verdadeira filtragem de eventuais irregularidades e de nulidades eventualmente existentes nos processos de contratação, a efetiva análise deve ser realizada por agente público investido em cargo, emprego ou função pública de advogado.
Cumpre ainda aos órgãos jurídicos um assessoramento na elaboração de modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, bem como um apoio aos agentes de contratação, comissão de contratação, fiscais e gestores de contratos no desempenho das respectivas funções.
Por ocasião da análise de questões incidentais, tais como, recursos e pedidos de reconsideração, o órgão de assessoramento jurídico deverá dirimir dúvidas e subsidiar a autoridade competente de informações necessárias a fim de que a decisão a ser proferida esteja em conformidade com a ordem jurídica.
Finalmente, os agentes públicos que necessitarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de atos praticados em processos de contratação com fundamento em pareceres jurídicos, poderão se valer da advocacia pública, desde que não haja prova da prática de atos ilícitos dolosos.
Tendo em conta uma interpretação conforme do artigo 10 da Lei 14.133, que dispõe sobre este direito outorgado aos agentes públicos, concluímos tratar-se de norma específica, ou seja, aplicável apenas no âmbito federal, pois a União não possui competência no tocante à organização orgânica e funcional da advocacia pública dos estados, municípios e Distrito Federal.
É de se concluir que nos termos do que dispõe a Lei 14.133 o órgão de assessoramento jurídico tem um papel de suma importância nos processos de contratação pública, bem como em outros instrumentos afins.
Sendo assim, torna-se imprescindível que se garanta ao advogado público uma atuação com absoluta autonomia e independência, com liberdade para compreender e interpretar o Direito aos seus olhos, sem medo de desagradar seus superiores e sem correr o risco de ser cooptado por interesses escusos ou político-partidários.