O papel da reciclagem de rejeitos para suprir a demanda por minerais críticos

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A reciclagem e seus benefícios para o meio ambiente e o consumo sustentável são, há anos, objetos de importantes debates e iniciativas públicas e privadas. Mas qual seria a sua relação com o atendimento à demanda por minerais críticos ou estratégicos? Poderia a reciclagem ser um importante aliado para o suprimento de tais produtos, ainda mais quando empresas e governos estão mais aderentes aos critérios ESG, incluindo a economia circular e transição energética?

Para começar, não há uma definição única para minerais críticos ou estratégicos. Países e blocos econômicos como Estados Unidos e União Europeia têm trabalhado em conceitos próprios que partem de critérios como segurança, defesa, competitividade, emergência climática, entre outros. 

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No Brasil, o Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM 2030) utiliza o termo minerais estratégicos para se referir aos recursos escassos, essenciais ou críticos para o país. Atualmente, tais termos – minerais estratégicos, materiais e minerais críticos, dentre outras variantes – ganharam notoriedade e têm sido usados, em seu sentido mais restrito, para se referir aos recursos necessários para a transição energética. 

Apesar de existir uma infinidade de outros minerais que também se enquadram como críticos ou estratégicos, a depender da definição utilizada por cada país, será feita aqui, referência a minerais críticos como os recursos necessários para a transição energética e a importante contribuição de uma economia circular no atendimento à crescente demanda.  

Para atender às necessidades de uma matriz energética limpa e de produtos capazes de contribuir para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, é necessária a produção de painéis, turbinas, veículos híbridos, elétricos, entre outras tecnologias altamente dependentes de recursos não renováveis como lítio, cobre, níquel e terras raras, em níveis muito superiores à energia gerada por combustíveis fósseis. 

Como exemplo, um carro elétrico requer seis vezes mais minerais do que um veículo convencional. Uma usina eólica necessita de 13 vezes mais recursos minerais do que uma usina a gás. Esse cenário, portanto, revela que para os próximos anos a demanda projetada para minerais estratégicos será, sem dúvida, surpreendentemente alta. 

Com base nas estimativas divulgadas pela International Energy Agency (IEA), a demanda por minerais no setor de energia vai quadruplicar até 2050. Ademais, segundo a agência, a concentração nas cadeias de suprimento pode impactar o processo de transição, atrasá-lo e até torná-lo mais caro. 

O aumento exponencial da demanda estimado para os próximos anos fez e faz com que países e empresas entrem na corrida para garantir o suprimento desses materiais no longo prazo, e tem impulsionado não só a necessidade de descobertas de novos depósitos, mas também a diversificação das fontes de suprimento, o que inclui os debates sobre a necessidade de uma melhor gestão dos produtos e de sua vida útil, por meio da reciclagem. 

Alguns fatores são importantes e, ao mesmo tempo, preocupantes quando olhamos para o aumento exponencial da demanda por minerais críticos. O primeiro, é o caráter não renovável dos recursos minerais. Ou seja, não podem ser prontamente substituídos de uma forma natural e na velocidade necessária para atendimento à necessidade mundial.

O segundo fator é a concentração geopolítica das reservas de tais minerais e a produção das tecnologias. A China, por exemplo, tem notável predominância, tanto por ser detentora de grandes reservas de minerais críticos, como terras raras, como também por ser uma das principais desenvolvedoras e produtoras de tecnologia utilizada na transição energética. 

Há ainda o longo prazo de maturação dos empreendimentos minerários, que já preocupa os especialistas, quando olhamos para o aumento da demanda versus oferta dos referidos minerais. No Brasil, um projeto greenfield pode levar cerca de 10 a 15 anos para atingir a fase de lavra. 

Por esses e outros fatores, a recuperação de materiais críticos de fontes primárias e secundárias tem sido vista como importante aliada para se tentar suprir o descompasso entre o aumento da demanda e a quantidade de minerais críticos produzida e capaz de ser explorada. 

Contudo, para que tal contribuição seja efetiva, substancial e possível, a reciclagem deve ser técnica e economicamente viável. Atualmente, as taxas de reciclagem são ainda muito incipientes. Aqui, falamos não só de reciclagem, mas também do reaproveitamento dos considerados rejeitos da mineração, sendo outra opção viável e importante para suprimento de minerais críticos. 

No Brasil, o reaproveitamento de rejeitos provenientes das atividades de mineração foi, por muito tempo, um tópico sensível, não pela falta de interesse das empresas, mas pela insegurança jurídica que pairava entorno do tema. Mais recentemente, no entanto, o tema foi enfim regulamentado, o que impulsionou o lançamento de vários projetos nesse sentido. 

Em 2018, através do Decreto nº 9.406 (Regulamento ao Código de Mineração), o reaproveitamento de rejeitos e estéreis passou a ocupar seu lugar no conceito de atividade de mineração. Adicionalmente, constou, expressamente, que o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) estimularão empreendimentos destinados ao aproveitamento desses materiais, possibilitando a instituição de um procedimento simplificado para aditamento de substâncias constantes na Portaria de Lavra. 

Mais tarde, em 2021, o procedimento para possibilitar o aproveitamento de rejeitos e estéreis foi finalmente regulamentado pela ANM, através da Resolução 85, o que trouxe mais segurança jurídica aos projetos. A publicação da norma foi motivada tanto pela necessidade de aperfeiçoamento e atualização da legislação para atender as realidades operacionais e os avanços tecnológicos, quanto como meio para fomentar o uso racional dos recursos e os inegáveis benefícios ambientais decorrentes de tal prática. 

O interesse das empresas na execução de atividades mais sustentáveis, o que inclui a economia circular, reciclagem, reuso, reaproveitamento de resíduos, foi ainda mais impulsionado pela pauta ESG (Environmental, Social and Governance), bem como pelo atendimento, por exemplo, aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2030. Especificamente, no ODS 12, sobre consumo e produção responsáveis, com o objetivo de assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

Quanto aos minerais críticos, os benefícios da reciclagem e do retorno de materiais à cadeia produtiva vão além da conscientização sobre a necessidade de adaptação dos modelos de negócios para práticas mais sustentáveis, mas podem ser essenciais para o próprio atendimento à demanda e para garantia de suprimento no longo prazo. 

Sabe-se, contudo, que somente a vontade das empresas em utilizar a reciclagem e o reuso como métodos alternativos, para garantia de disponibilidade de tais produtos, não é o bastante para fazer a diferença. 

Incentivos e políticas públicas eficazes, investimentos em pesquisa e desenvolvimento são igualmente necessários e devem estar alinhados com a estratégia que venha a ser adotada pelo Brasil para ocupar seu lugar no ranking mundial não só de produtor de minerais críticos, mas também para que os benefícios sejam também refletidos no fomento da indústria nacional.