Não é de hoje que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) vêm enfrentando desafios para a manutenção das suas atividades cotidianas. Os efeitos cumulativos adversos decorrentes dos sucessivos cortes orçamentários aos quais têm sido submetidas desde 2013, sinalizam que o ensino superior, ano após ano, perde espaço na política alocativa governamental.
A partir do cenário atualmente vivenciado na educação superior, este artigo objetivou entender como a política orçamentária implementada em 2025 atinge as IFES na percepção de agentes que as representam.
Para tanto, foi realizada uma análise textual de notas publicadas por IFES e entidades a elas relacionadas, especificamente a partir da edição do Decreto 12.448/2025, de 30 de abril de 2025. A escolha dessas vozes dentre as IFES deu-se em função de serem representativas do setor, bem como por serem defensoras da educação superior.
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Não seria demais recordarmos discussões anteriores em que abordamos que a educação superior é um bem meritório, cujo consumo produz externalidades geradoras de benefício social, principalmente em países nos quais a desigualdade – social e regional – é perceptível, como é o caso do Brasil.
Portanto, transcorridos cinco meses do atual exercício financeiro, o pressuposto aqui adotado, com base também no que historicamente observamos nesse contexto, é que as IFES, fornecedoras por excelência desse bem meritório, mostram-se resistentes aos limites orçamentários que afetarão o ensino, a pesquisa e a extensão ao longo do ano.
Tal pressuposto não se deu por acaso. A aprovação tardia do Orçamento Geral da União, pelo Congresso Nacional, e, mais recentemente, a edição do citado decreto, dispondo sobre um novo modelo de programação orçamentária e financeira do Poder Executivo Federal, a ser operacionalizado para o exercício de 2025, são episódios que, por si sós, contribuem para o aumento da apreensão entre as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) de todo o país no que se refere à sua capacidade de gestão orçamentário-financeira e de manutenção dos serviços básicos.
Tais inquietações decorrem, sobretudo, do novo modelo de liberação orçamentária instituído pelo decreto, que rompe com o sistema anteriormente adotado.
Segundo as novas diretrizes, os repasses mensais destinados ao custeio e investimento corresponderão a apenas 1/18 do orçamento anual com previsão de liberação de recursos em parcelas mensais de maio até novembro (61% do total) e de 39 % em dezembro.
Diante do fato de que a maior parte das despesas das universidades são continuadas e que dentre as rubricas discricionárias tem-se, por exemplo, a assistência estudantil e pagamento de terceirizados e contratos de limpeza e manutenção, atividades essenciais ao funcionamento cotidiano da comunidade universitária, o novo decreto tende a trazer efeitos adversos a todos os envolvidos, sejam eles discentes, docentes, técnicos, terceirizados e gestores.
Destacamos que para fins dessa pesquisa foi constituído um corpus com textos completos das dez primeiras notas localizadas na internet mediante busca efetuada no Google em 23/05/2025. No quadro a seguir apresenta-se a listagem com os links que geram o acesso a essas notas:
Lista de links para acesso às notas
Para ilustrar a análise textual que foi realizada, fez-se uso do software Iramuteq (versão 0.8 alpha 7). Na sequência, primeiramente, apresentam-se as imagens que foram geradas (Nuvem de Palavras e Árvore de Similitude) e, em seguida, a análise textual.
Nuvem de palavras dos termos mais frequentes do corpus
A nuvem de palavras tem como propósito demonstrar as palavras mais frequentes no corpus analisado. Como observamos, a nuvem gerada evidenciou no seu centro a palavra universidade, sendo esta, portanto, a de maior frequência no corpus, a qual foi seguida por: orçamento, federal, orçamentário e Decreto 2448.
A nuvem também evidenciou a presença no corpus de termos que denotam as restrições orçamentárias – corte e agravar – e outros que se relacionam mais diretamente com o lado direito do balanço orçamentário (execução, despesa, pagamento e empenho). Constata-se ainda a presença das palavras que formam a tríade indissociável da educação superior (ensino, pesquisa e extensão).
Árvore de similitude com comunidade e de palavras
Já a imagem da árvore de similitude indica como as entidades estruturam a discussão em torno do Decreto 12.448/2025. Os agrupamentos de palavras em comunidades temáticas são reveladores quanto aos focos predominantes dessas notas.
Há centralidade da palavra universidade (comunidade na cor verde), o que indica ser essa a palavra-núcleo da árvore. A sua articulação (coocorrência) com as palavras orçamento, agravar e MEC indicam não só a relação entre as IFES e o governo, mas também como a sua situação tem sido agravada por conta das restrições do orçamento.
Verifica-se que é dessa comunidade que emergem as três demais palavras que compõem a árvore:
- a de cor vermelha, que associa o termo orçamentário com o Decreto 2448, indicando suas consequências – cortes de recursos que comprometem a execução financeira;
- a de cor azul, que traz a palavra despesa associada a termos como serviço e acadêmico, compromissos que demandam pagamentos continuados pelas universidades; e
- a de cor lilás, que por associar os termos ensino, pesquisa e extensão, indica que o decreto, conforme as notas, atinge toda a tríade universitária, mas, especialmente o ensino, visto essa palavra constar grafada na comunidade em tamanho maior que as demais.
No que se refere à análise textual das notas, inferiu-se que as entidades não desconhecem que essa prática de restrição orçamentária, a que as IFES têm sido submetidas, perpassam vários governos, independentemente do espectro político de seus representantes:
“A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, sancionada recentemente, manteve a tendência de recursos insuficientes para a educação superior, não contemplando sequer a reposição inflacionária do período” (N01).
“Essa manobra do governo Lula/Alckmin criará dificuldades para execução do orçamento, já cortado, das IFES que terão poucos dias em dezembro para acelerar as tramitações internas de gasto. O quadro se agrava diante de um longo período que temos vivenciado com a lógica do Teto de Gastos, que afetou diretamente o dia a dia das universidades, institutos federais e cefets” (N04).
Contudo, nota-se tom amenizado para com as críticas ao governo atual, pois parece nutrir alguma esperança de que esse cenário de aperto financeiro possa ser alterado. Essa esperança está alicerçada no diálogo que as IFES afirmam manter com os poderes constitucionais, especialmente o Poder Executivo:
“O Conif reafirma seu compromisso com o diálogo com o Governo Federal e Congresso Nacional, colocando-se à disposição dos entes para fornecer esclarecimentos e colaboração técnica, na busca de soluções que fortaleçam a Rede Federal” (N02).
“A Universidade também está em diálogo permanente com o MEC, por meio da Andifes” (N03).
“Reconhecemos que o Ministério da Educação tem mantido uma postura de diálogo aberto as universidades e demonstrado sensibilidade às pautas da educação superior” (N07).
Contudo, essa alteração no tratamento precisaria ser processada em curtíssimo prazo, uma vez que, conforme relatado nas notas, o risco de interrupção das atividades nas universidades é iminente:
“Dessa forma, a limitação orçamentária, somadas ao corte de 4,9% na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 e a ausência de reajuste pelo IPCA, comprometem sobremaneira a sustentabilidade financeira das instituições, sob pena de interrupção das atividades a partir de junho de 2025” (N08).
“Caso a situação não seja revista e se perpetue nos próximos meses, há risco de comprometimento progressivo tanto nestes contratos prioritários, como, também, de outras atividades institucionais” (N05).
Ademais, as notas também reforçam as consequências que recaem sobre a gestão das IFES e como atingem toda o ensino, a pesquisa e a extensão:
“Há uma série de compromissos a serem cumpridos mensalmente, envolvendo, dentre outros, assistência estudantil e pagamentos de terceirizados e de contratos de manutenção, por exemplo, dos restaurantes universitários” (N09).
“A Reitoria precisará adotar medidas adicionais de redução de despesas, como suspender deslocamentos que impliquem custos com passagens aéreas, diárias e combustível, até que o orçamento seja plenamente liberado” (N10).
“Os principais compromissos das universidades federais não podem ser adiados para o fim do ano, pois são despesas continuadas, com pagamentos mensais prioritários relativos a assistência estudantil, bolsas acadêmicas estudantis, contratos de terceirização, água, energia, entre outras despesas” (N06).
“Essas medidas dificultam o cumprimento de compromissos essenciais das 685 unidades da Rede Federal, como pagamento de bolsas estudantis, manutenção de campi, contratos de serviços (energia, limpeza, segurança) e execução de projetos pedagógicos, de pesquisa e extensão” (N02).
Observa-se, por meio das notas, que os gestores têm envidado esforços na tentativa de evitar que um caos generalizado possa se instalar. Nesse sentido, todo o processo que envolve a administração, a exemplo do planejamento, tem sofrido alterações:
“Com o objetivo de garantir transparência e planejamento das ações institucionais, foi realizada, na última segunda-feira (12), uma apresentação detalhada sobre o orçamento no Consuni, juntamente com a entrega de um plano de gestão orçamentária” (N01).
“Ressaltamos ainda que a Rede Federal e o IFAM têm atuado com planejamento responsável e execução rigorosa dos recursos públicos, daí não entendermos o porquê de medidas tão extremas” (N08).
Destarte, retomando o objetivo do artigo em apreço, fica evidente a partir dos textos das notas analisadas como os gestores parecem atônitos pela forma como a política orçamentária implementada em 2025 atingiu as IFES e com seus negativos efeitos sobre toda a comunidade universitária.
Entendemos que a situação de manutenção dos serviços da pesquisa, do ensino e da extensão depende de um esforço de diálogo entre sociedade e governo rumo a uma mudança da trajetória de redução dos recursos e recomposição do orçamento das IFES.
É preciso recordar que o artigo 208 da Constituição Federal de 1988 destaca que o Estado tem a responsabilidade de garantir “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
Dessa forma, faz-se necessário reorientar a decisão política para escolha das áreas que serão afetadas com as metas fiscais estabelecidas sob controle, afinal reduções orçamentárias não devem promover prejuízos intergeracionais, tampouco comprometer a capacidade de melhoria da produtividade da economia, pois é ela que contribui com a formação do capital humano do país.