A decisão do ministro Dias Toffoli de paralisar os pagamentos devidos pela Novonor (antiga Odebrecht), no âmbito do acordo de leniência com o MPF, não pegou os mais atentos de surpresa. Na PET 11.972/DF, o ministro já havia atendido pleito semelhante da J&F, por entender que, a partir das investigações da Operação Spoofing, poderia estar comprometida a voluntariedade na celebração dos acordos anticorrupção.
Esses provimentos acompanham o contexto da ADPF 1.051/DF, ainda pendente de apreciação pelo STF. Trata-se de ação de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida liminar, proposta pelos partidos políticos Solidariedade, PSOL e PC do B, em que se pleiteia, dentre outros, a declaração de um estado de coisas inconstitucional em decorrência dos prejuízos às sociedades empresárias – ocasionados a partir dos acordos de leniência firmados na Lava Jato. Em consequência, requer-se a revisão ampla dos acordos firmados durante a operação.
A eventual anulação das leniências com base na violação à voluntariedade deveria conduzir ao retorno ao status quo ante. Haveria a abertura para a persecução administrativa e criminal – ainda que com acervo probatório mais enfraquecido, diante de diversas provas consideradas ilícitas. Nesse sentido, é mais provável, em uma lógica de soerguimento empresarial, que a decisão final do STF envolva um mandamento de revisão dos acordos de leniência e não sua anulação.
O reequilíbrio envolve, ao cabo, entender no que consiste a reparação integral contida no Art. 16, §3º da Lei 12.846/2013 e Art. 37, VI do Decreto 11.129/2022. Se, em 2020, a CGU, a AGU, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o TCU assinaram um acordo de cooperação técnica (ACT) com intervenção do STF, buscando um balcão coordenado, a grande dificuldade ainda reside em unificar os parâmetros de cálculo da reparação, especialmente a serem compatibilizados também com os do Ministério Público.
A definição do quantum é tão complexa que um dos pontos levantados pelas sociedades empresárias é a insurgência contra a existência de uma chamada “multa híbrida”, isto é, o resultado da soma de multas (stricto sensu) e de ressarcimento mínimo ao erário. Não é possível confundir-se a sanção efetiva com a indenização, cada uma devendo seguir parâmetros de cálculo próprios.
Em análise das leniências firmadas pelo MPF e pela CGU, embora esta tenha métodos mais claros e transparentes que aquele, é possível perceber que nem todos os elementos necessários são adequadamente justificados na imposição do valor do ressarcimento.
A reparação integral (se é que é possível falar em um efetivo retorno total ao status quo ante) deve considerar o perdimento dos valores pagos a título de propina, os danos emergentes e incontroversos relacionados a possível sobrepreço e superfaturamento, à eventual paralisação do serviço público, e à cartelização e perda do desconto de concorrência.
Além disso, deve assegurar a devolução de valores que tenham sido pagos de maneira antecipada sem a devida prestação, bem como o ressarcimento de cláusulas penais decorrentes do inadimplemento e de aferíveis lucros cessantes, relacionados à paralisação de uma atividade econômica pública e à perda de uma chance.
Por fim, é preciso que o cálculo tome em consideração os danos morais e o enriquecimento sem causa da sociedade empresária, associado ao lucro da intervenção, a despesas ou custos evitados, assim como a novos contratos conexos ou obtidos em virtude do primeiro contrato contaminado.
Se há tantos e tão difíceis elementos relacionados à reparação, a multa, por sua vez, ao menos quanto à CGU, goza de parâmetros mais precisos, existindo até calculadora do órgão disponibilizada a todos.
O grande desafio dos próximos anos relacionado à revisão dos acordos de leniência é definir os elementos que compõem o ressarcimento, bem como a metodologia de cálculo necessária, o que precisará de aportes não só jurídicos, mas financeiros e contábeis.
Por enquanto, a literatura do Direito nunca traçou linhas para enfrentar o problema, tendo, na jurisprudência, especialmente do TCU, alguns elementos que podem agregar. A sobrevivência dos acordos de leniência no país depende da segurança jurídica que só pode ser obtida se conseguirmos clareza neste debate.