Uma silenciosa — mas robusta — alteração normativa está prestes a produzir efeitos profundos sobre a forma como empresas organizam, monitoram e respondem às condições de trabalho oferecidas aos seus colaboradores.
Trata-se da inclusão formal dos fatores de risco psicossociais no escopo da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), promovida inicialmente pela Portaria MTE 1.419/2024 e agora regulamentada com maior detalhamento técnico e prazos específicos pela recente Portaria MTE 765/2025, publicada em 16 de maio de 2025.
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Embora a exigibilidade plena dessas novas obrigações esteja escalonada — com início em caráter educativo a partir de 26 de maio de 2025 e autuações previstas apenas para maio de 2026 — o cenário já impõe, desde agora, uma postura de vigilância e preparação ativa, especialmente por parte das áreas de liderança, saúde e segurança do trabalho, jurídico e recursos humanos.
A nova Portaria, ao aprovar o Guia Técnico para identificação, avaliação, prevenção e controle dos fatores psicossociais no trabalho, não apenas reforça a obrigatoriedade da gestão integrada desses riscos como elemento essencial do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), mas também orienta quanto à metodologia esperada, às ferramentas de análise recomendadas e aos procedimentos participativos mínimos que devem ser adotados. Algo que era lacônico na Portaria anterior e dificultava, inclusive, sua aplicação imediata.
Afinal, o que antes figurava no plano das boas intenções organizacionais, agora ganha contornos de imperativo legal, com consequências diretas sobre a conformidade das empresas, a saúde coletiva dos empregados e a responsabilidade civil e trabalhista do empregador.
A face invisível do risco
Ao contrário dos riscos físicos e ergonômicos tradicionalmente visíveis no ambiente industrial, os fatores psicossociais operam de modo capcioso: são, muitas vezes, naturalizados como parte da “cultura corporativa”, reforçados por metas inatingíveis, lideranças autoritárias ou padrões de cobrança incompatíveis com o equilíbrio humano.
Metas desproporcionais, sobrecarga crônica, ausência de previsibilidade, conflitos interpessoais não mediados, isolamento funcional, descompasso entre esforço e reconhecimento — todos esses elementos configuram riscos psicossociais típicos, agora reconhecidos formalmente pela legislação brasileira como passíveis de identificação, avaliação e controle preventivo no âmbito do PGR, conforme explicitado pela Portaria nº 765/2025.
A omissão quanto a esses fatores, além de expor trabalhadores a situações potencialmente adoecedoras, coloca o empregador na linha de risco jurídico, podendo ser responsabilizado por ambientes de trabalho inadequados nos termos da CR, da CLT, da Lei nº 8.213/1991 e até mesmo do Código Civil.
A indústria farmacêutica no centro do radar
Setores como o farmacêutico, cuja estrutura operacional é marcada por alta exigência técnica, regulação intensa, ritmos acelerados e vigilância constante por resultados, figuram naturalmente entre aqueles com maior exposição potencial aos riscos psicossociais.
Adicionalmente, trata-se de um segmento com predominância de força de trabalho feminina, fator que já é monitorado de perto por órgãos de fiscalização e pelo Ministério Público do Trabalho, em razão da maior incidência de assédio moral e sexual historicamente apurada nesses contextos.
Ignorar essa realidade seria um equívoco estratégico.
No entanto, e talvez por isto, também é o setor que mais rapidamente responde às alterações propostas, seja por meio de treinamento específicos promovidos pelas próprias empresas, seja estes treinamentos ofertados através dos seus Sindicatos representativos.
Liderança como agente de prevenção
À luz da nova NR-1 e das diretrizes técnicas ora introduzidas, a responsabilidade pela gestão de riscos psicossociais não se limita ao técnico de segurança ou ao gestor de RH. Ela atravessa toda a estrutura da organização, exigindo lideranças atentas, escuta ativa e organização do trabalho racional.
Isso significa que os gestores devem compreender — e refletir em sua conduta — que o modo como orientam, cobram, organizam turnos, impõem metas ou silenciam diante de conflitos afeta diretamente o enquadramento jurídico do ambiente sob sua liderança.
Deixar de agir, neste contexto, é assumir o risco da responsabilização futura, seja pela via fiscalizatória, seja pelo Judiciário trabalhista.
Cautela e método: as palavras de ordem na adequação
A recomendação, portanto, não é apenas “incluir os riscos psicossociais no inventário”, mas fazê-lo com método técnico, aderente ao Guia Oficial e com profunda cautela.
A superficialidade na identificação ou a adoção de modelos genéricos pode desacreditar a seriedade da gestão de riscos, gerar resistências internas e, pior, abrir margem para interpretações equivocadas em futuras fiscalizações ou litígios.
É preciso formar comissões, conduzir oficinas participativas, aplicar metodologias consistentes (como entrevistas estruturadas, análises de indicadores e observações diretas dos postos de trabalho), e sobretudo inserir a escuta qualificada dos trabalhadores nos processos decisórios da organização do trabalho — procedimentos expressamente mencionados no Guia Técnico aprovado pela nova Portaria.
Muito além da saúde mental individual
Importante esclarecer: não se trata de avaliar individualmente o estado emocional do trabalhador. O foco da nova diretriz é organizacional, coletivo e preventivo: identificar fatores estruturais que, quando não ajustados, produzem sofrimento, absenteísmo, desmotivação e, em última instância, adoecimento ocupacional.
Assim, a abordagem deve ser ética, técnica e dialogada — jamais punitiva, expositiva ou redutora. O que se quer, ao fim e ao cabo, é promover um ambiente que seja legalmente seguro, psicologicamente saudável e funcionalmente produtivo.
Reflexão final: preparar-se é proteger-se
À medida que a NR-1 inaugura esse novo olhar normativo, agora densificado por um instrumento técnico orientador e um cronograma de fiscalização, torna-se urgente que empresas e lideranças encarem a gestão dos riscos psicossociais como um eixo central de sua governança trabalhista, e não mais como um apêndice de bem-estar organizacional.
Porque, como tantas vezes já se viu no Direito do Trabalho, o que hoje se apresenta como fase educativa, amanhã será campo fértil para autuações e disputas judiciais.
Preparar-se, neste momento, não é apenas prudência — é compromisso com a integridade organizacional, com a conformidade legal e com o respeito devido a todos que constroem, diariamente, os resultados da empresa.