O debate sobre a independência das agências reguladoras chegou ao Brasil nos anos 1990 e ainda informa grande parte das questões envolvendo esses órgãos. No início deste ano, a proposta do governo de reduzir o período de quarentena reversa para diretores das agências foi duramente criticada. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) retomou o julgamento sobre o mandato dos diretores-gerais e presidentes das agências, dada a divergência de interpretações sobre a norma na Lei Geral das Agências (Lei 13.848/19).
Em um artigo intitulado “O Mito da Agência Independente”, Neal Devins e David Lewis, todavia, sugerem que essas discussões são uma perda de tempo, ao menos nos Estados Unidos. Eles fizeram um levantamento com 554 diretores das agências (nomeações políticas) e 4.776 servidores em cargos de supervisão e concluíram que os mecanismos de independência (e.g. mandatos fixos intercalados e balanço partidário) não protegem as agências de influências políticas.
Os resultados são similares para períodos nos quais as agências estavam operando sob dois presidentes com posições bastante distintas sobre o assunto: Barack Obama em 2014 e Donald Trump em 2020. E como é praxe na energética academia jurídica norte-americana, a resposta não demorou a aparecer. Nicholas Bednar, também professor de direito nos EUA, fez uma análise quantitativa da capacidade administrativa das agências de 1998 a 2021 e concluiu que agências independentes têm mais capacidade de formular políticas públicas e que as conclusões de Devins e Lewis estão equivocadas.
O cerne da discordância está em como medir independência. Bednar questiona a robustez dos resultados de Devins e Lewis porque são baseados em percepções, não em dados. Além disso, os autores discordam sobre como a independência se manifesta (variável dependente). Devins e Lewis apontam que: a) agências independentes não são mais influentes do que as subordinadas ao Executivo, b) mecanismos de independência não são efetivos, e c) a formulação de políticas públicas não é particularmente estável, como se esperaria se as independentes estivessem isoladas de influências políticas.
Em contraste, Bednar acredita que é preciso medir o capital humano das agências — servidores qualificados que permanecem nos seus cargos e que são numerosos o suficiente para dar conta do volume de trabalho —, dada que essa é a métrica que melhor define o que tentamos produzir com mecanismos de independência, que é a capacidade de formular políticas públicas.
Apesar das discordâncias metodológicas, os dois artigos ilustram que em 2023 parece ter se consolidado nos EUA a tendência em investir em pesquisas empíricas sobre o assunto. Na mesma linha, Anya Bernstein e Cristina Rodriguez também usam pesquisa empírica para mostrar que há um “mito” do déficit de accountability na administração pública. Essa virada empírica ainda engatinha no Brasil, salvo algumas exceções (aqui e aqui). Talvez seja hora de pautar nosso debate em dados e ver o que de fato funciona ao sul do Equador.