O lugar da saúde digital nas eleições municipais de 2024

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As propagandas eleitorais serão permitidas em pouco mais de dois meses e com elas espera-se que candidatos e candidatas comecem a apresentar suas ideias e propostas para a próxima legislatura e para a próxima gestão dos mais de 5.000 municípios brasileiros. O momento, portanto, é propício para debater o que deve ser prioridade nos novos planos de governo, incluindo a área da Saúde e, especialmente, a Atenção Primária à Saúde (APS) e a saúde digital.

Apesar de ser uma responsabilidade compartilhada entre as esferas de gestão, a APS se organiza e se materializa nos municípios. É nela que reside a coordenação do cuidado, encaminhando os usuários para os diferentes pontos de atenção à saúde e os acompanhando em toda a sua jornada. Dada a relevância e o grande potencial da APS para melhorar a saúde da população, é fundamental que ações voltadas para o seu fortalecimento estejam na pauta do debate eleitoral e, principalmente, no plano de ação da agenda política dos futuros prefeitos e legisladores.

Um caminho indispensável para fortalecer a APS é o investimento em saúde digital, que pode ser vista como um conjunto de ferramentas que amplia o acesso e moderniza os serviços de saúde, proporcionando um cuidado resolutivo, capaz de promover a saúde e prevenir complicações e hospitalizações desnecessárias.

Uma pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) analisou estudos nacionais e internacionais que mostram que a implementação bem-sucedida de tecnologias da informação na APS fortalece os processos de trabalho e práticas de cuidado, como o monitoramento contínuo, a comunicação com os pacientes e a dispensação de medicamentos. Além disso, dado o vínculo da APS com os territórios, o registro e armazenamento adequado das informações estão associados a uma maior eficiência no cuidado em saúde a nível populacional. Portanto, uma APS resolutiva implica, entre outras coisas, investir na utilização e adequação dessas tecnologias.

No contexto brasileiro, considerando o Pacto Federativo e o SUS como o maior sistema público universal de saúde, a missão de implementar uma estratégia robusta de saúde digital também deve ser compartilhada entre os entes.

Alguns mecanismos indutores têm sido adotados com sucesso pelo Ministério da Saúde ao longo da última década. Entre eles estão a estratégia e-SUS Atenção Primária, a disponibilização gratuita do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), o Programa de Apoio à Informatização e Qualificação dos Dados da Atenção Primária à Saúde (Informatiza APS) e a disponibilização do aplicativo Meu SUS Digital (antigo Conecte SUS).

Mais recentemente, o programa SUS Digital foi adotado por 99,9% dos municípios e isso permitirá tanto a avaliação da maturidade digital da saúde nessas localidades quanto a destinação de investimentos de maneira abrangente e descentralizada.

Entre os desafios práticos do sistema de saúde relacionados à APS, nos quais a saúde digital pode ser uma forte aliada, destacam-se as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs). Essas doenças representam mais da metade das mortes no Brasil: em 2019, 54,7% dos óbitos registrados no país foram atribuídos a DCNTs, enquanto 11,5% foram relacionados a agravos decorrentes delas.

Portanto, é crucial inovar no modelo assistencial da APS, concentrando-se na efetivação das linhas de cuidado  que permitam o rastreio, manejo e prevenção de fatores de risco para DCNTs, promovendo a qualidade de vida e evitando complicações da situação de saúde.

exemplos que podem inspirar as novas gestões municipais na adoção da saúde digital para o enfrentamento às DCNTs e outras demandas sensíveis à APS em pelo menos três categorias. Primeiramente, inovações que apoiam a disseminação de informações sobre os serviços de saúde de maneira transparente e acessível, como a alocação das equipes de saúde nos territórios, as unidades de referência para cada cidadão e a disponibilização de informações sobre a carteira de serviços.

Em segundo lugar, o envio de mensagens de texto para comunicação rápida, monitoramento e incentivo à promoção da saúde junto aos usuários, bem como para a avaliação da qualidade da assistência. E, por fim, a oferta e o uso de telessaúde para cuidados médicos e multiprofissionais contínuos.

Os candidatos às eleições municipais de 2024 devem incorporar estratégias de saúde digital em suas propostas e ter em mente que  não se trata apenas de uma tendência, mas de uma necessidade. Ao priorizar essas ações, os futuros gestores municipais podem transformar a APS e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida da população. No entanto, não se trata de afirmar que a saúde digital é uma “bala de prata” para a melhoria da qualidade dos cuidados primários. É essencial evitar a visão equivocada de que apenas investir em tecnologia resolverá todos os problemas.

Antes de qualquer coisa, é importante direcionar investimentos para garantir a completude das equipes de saúde, melhorar as condições de trabalho e ampliar a cobertura da APS para 100% da população. Além disso, é fundamental orientar a contratação de insumos e prestadores com base em resultados, promover a integração dos serviços de saúde e incentivar a participação da comunidade na gestão da saúde.

Apenas com um enfoque holístico, que respeite os atributos da atenção primária e combata as desigualdades econômicas e sociais, os candidatos estarão não apenas modernizando a saúde pública, mas também garantindo um futuro mais saudável e equitativo para todos os cidadãos.